Em entrevista exclusiva a Cultura e Mercado, a professora da Universidade de Paris, Françoise Behamou, afirma que, se quisermos retorno e inovação da cultura, ela precisa ser apoiada e sustentada em sua diversidade: “O que é bom para a cultura vai ter que ser bom para a economia”.
O cenário
As previsões estavam incorretas. O século 21 reservou muitas dinamites para botar na cabeça daqueles que controlaram o fim do século 20. Reportagem da Isto É dessa semana aponta quem são os donos da voz: em entrevista à revista, o presidente da gravadora Trama, João Marcello Bôscoli, disse acreditar que é impossível deter a troca de músicas pela Internet: “Uma das maiores besteiras das gravadoras foi não ter começado a trabalhar com o mp3 e tentar apoiar seu faturamento em uma única mídia, o CD”, afirma ele. “Agora é tarde”, conclui a reportagem.
O coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito – Rio, Ronaldo Lemos, em entrevista ao 100canais (leia a reportagem “O futuro do CD”), afirma que há uma grande inovação no mundo da música, assim como em outras expressões. “O que falta é inovação, experimentação, é preciso descobrir novos modelos de negócios”, pontua.
Françoise Behamou, professora da Universidade de Sorbonne – Centro de Economia e autora de A Economia da Cultura (Ateliê Editorial), entende que o papel do Estado é mediar a relação entre o público e o privado para equilibrar um universo de diversidade e o que ela chama de “desenvolvimento dos bens culturais em busca da Ilha da Felicidade”.
Bens culturais
Em entrevista ao 100canais durante Seminário Internacional em Economia da Cultura, Françoise afirmou que a lógica de partir da economia para debater cultura está ultrapassada. “A economia é apenas um meio, o objetivo das políticas devem sempre primar por proteger a diversidade cultural, pois a cultura cria efeitos multiplicadores. Essa busca do efeito multiplicador de riqueza da cultura é contemporânea. Mas essa inversão de perspectiva envolve uma série de riscos como o de uma espécie de “instrumentalização da cultura”.
O risco temido por Françoise é o de perder o objetivo cultural em benefício do objetivo econômico. “Sempre existirá um aspecto bom e algo de ruim. Estamos pensando cultura como uma ferramenta do bem-estar para os indivíduos coletivos. Temos que implementar, portanto, meios, que podem ser privados ou públicos, e equilibrá-los”, declara.
À Francesa
A França é conhecida e reconhecida em todo o mundo por longa tradição em criação e formulação de pensamento sobre cultura. As políticas públicas francesas para o setor, de acordo com Françoise, perseguem características democratizantes. Mesmo depois de uma série de atividades implantadas, percebeu-se que as escalas formadas por “elites culturais” permaneciam existindo. Portanto, ela acredita que a revisão e o estudo para a formulação de novas políticas devem ser constantes.
Logo depois da Segunda Grande Guerra Mundial, a França decidiu apoiar a sua indústria cinematográfica. Os americanos estavam dominando o mercado. Para compensar a ajuda dos EUA, durante a Guerra, os franceses precisaram abrir as suas salas de cinema para Hollywood. Foi em 1959 que a França criou uma conta de apoio para filmes inovadores e experimentais, o que possibilitou, por exemplo, o primeiro longa de Jean-Luc Godard (À bout de souffle – Acossado).
Nos anos 80, o cinema francês percebeu-se afundando em nova crise. Com forte desempenho na produção cinematográfica, a televisão acabou quase esquecida, e a produção audiovisual foi tomada por produções de péssima qualidade e com apenas uma parcela pequena de seu conteúdo produzido em solo francês. “Criamos, então um sistema super complicado no qual a TV financiava o cinema. Hoje, a TV fragmentou-se, como em todos os países do mundo, com centenas de canais diferentes. E o cinema vive nova crise”, afirma a professora.
Os franceses resolverem reaver a conta e criaram um fundo da bilheteria de cinemas. A idéia é pegar uma parte do dinheiro de bilheteria de todos os filmes, até dos americanos, e devolver aos produtores franceses. Mas a tal poupança forçada, ou a estratégia conhecida como “soutien automatique”, já foi violada novamente. Os estúdios de Hollywood começaram a instalar suas produtoras locais e a morder também esse filé à francesa.
“Perdemos de vista a lógica cultural, em detrimento da lógica econômica mesmo assim. Esses mecanismos funcionam cada vez menos. Quando um cinema é forte, a parcela do mercado local ocupado deve ser grande. Nos anos em que não há um Piratas do Caribe é uma catástrofe para o cinema francês”, pondera.
“O sistema de apoio está cansado, e produz uma série de efeitos perversos. No fim, quem menos precisa, é quem consegue esse dinheiro”, pontua a professora de Paris, que também conclui: “O conjunto dessas características justifica a intervenção pública. Durante muito tempo, não pensamos diversidade. Somos um país que centraliza demais, preservando igualdade e esquecendo a diversidade. Se quisermos retorno e inovação da cultura, ela precisa ser apoiada e sustentada em sua diversidade. O que é bom para a cultura vai ter que ser bom para a economia”.
* A reportagem cobriu o Seminário Internacional em Economia da Cultura por convite da Fundação Joaquim Nabuco – MEC.
Carlos Gustavo Yoda *