Setor comemora crescimento e começa a discutir novos rumos para a produção nacional.

Fazer cinema no Brasil não é tarefa simples. Até aí nenhuma novidade, claro. Circulação pífia, investimentos escassos, distribuição e exibição, estruturados para o produto norte-americano e que, evidentemente, não beneficia cinematografias locais, etc. Imaginem então a encrenca que deve ser produzir animação. As adversidades, no entanto, não foram capazes de conter o crescimento da produção. A 15º edição do festival de animação Anima Mundi, realizado em São Paulo na semana passada, confirma esse diagnóstico.

De acordo com César Coelho, um dos quatro diretores do evento, quando a mostra teve início – há quinze anos – com o objetivo de promover a animação no Brasil, havia uma ou duas produções anuais. Atualmente são aproximadamente 350. Deste total, 68 foram selecionadas para a edição deste ano. Na edição anterior, o maior número de filmes selecionados para a programação do festival veio do Reino Unido, 67 títulos. O destaque desta vez foi para o Brasil com 68 filmes. “A produção brasileira está madura, há vários filmes nacionais de ótima qualidade”, conta Aida Queiroz, outra diretora do festival.

Mas não foi somente o volume de produção que cresceu, o público ávido por novas produções também é maior a cada ano. Em 2006, mais de 40 mil pessoas estiveram presentes ao evento, somente em São Paulo. A estimativa para este ano é de que esse número tenha sido superior a 50 mil.

“O crescimento ocorreu em uma escala tão grande que já permite pensar em negócios na área de animação brasileira, em uma indústria que viabilize a profissionalização dessa produção”, afirma César Coelho. Mas o que explica esse crescimento? Coelho acredita que um dos fatores é o próprio Anima Mundi, ao criar uma vitrine de exibição que serviu de estímulo aos produtores.

Impossível mesmo seria pensar o atual avanço sem a acessibilidade que as novas tecnologias trouxeram à produção, viável hoje a partir de uma estrutura relativamente barata. Coelho ressalta ainda o talento dos artistas brasileiros e a afinidade do público. “A gente é expressionista, temos um ritmo que se assemelha à animação”. Ou seja, o Brasil é naturalmente animado.

Caminhos e parcerias
Se a previsão do diretor do Anima Mundi estiver certa, o mercado nacional de animação, restrito até então aos comerciais de televisão, deve enfim decolar. Mas como estamos falando de um setor altamente competitivo, para que seja possível atingir escalas comerciais, segundo Coelho, será preciso redefinir a produção brasileira.

“Estamos começando agora e precisamos das leis de incentivo, do apoio governamental, mas não queremos permanecer nessa condição, conhecemos a força comercial da animação”, defende Coelho. Para ele, o caminho não tem muitos segredos, a solução traduz-se em uma única palavra: parceria. TVs privadas e públicas, co-produções internacionais e licenciamento de personagens são algumas alternativas para viabilizar financeiramente a animação brasileira.

A inserção da produção de animação na TV brasileira é uma questão que vem sendo discutida há esmo e há anos. Ao mesmo tempo, o obstáculo e a solução, segundo a jornalista Marta Machado, produtora da Otto Desenhos Animados e membro do Conselho Deliberativo da TV Educativa do RS [TVE–RS]. “Há uma tendência de abertura das TVs para a animação, mas falta pensarmos em produtos voltados para esta mídia, como séries, personagens. A produção atual está dirigida quase toda ao cinema”.

Identidades na diversidade
Reforçando sua tendência a centro de negócios, São Paulo, pela segunda vez, foi sede do Anima Fórum, evento realizado dentro do festival Anima Mundi. Nele, animadores, produtores e executivos do setor audiovisual estiveram reunidos para discutir os rumos do mercado de animação brasileira. Entre os temas, a necessidade de não atropelar a produção independente com o trator do crescimento acelerado.

“As produções independentes são muito importantes para oxigenar a produção de conteúdo para as televisões, já tão viciadas e massificadas”, apontou Jeanne Santos, coordenadora de programação da TV Brasil – Canal Integración. Ela participou de uma mesa sobre TVs Públicas e produção de animação, e defendeu a importância do estímulo às produções locais para a difusão e intercâmbio das diversidades regionais.

Para Paulo Alcoforado, coordenador executivo do Doc TV – Iberoamerica, “falta uma maior articulação da produção independente e políticas de estimulo à produção”. Uma boa notícia para os produtores independentes veio com o anúncio do programa Anima Mundi, que estréia em agosto no Canal Brasil.“Estamos tentando viabilizar um modelo de negócios para o filme autoral brasileiro que não tem um direcionamento comercial muito definido”, informou César Coelho.

Matemática hermética
Para entender as equações que envolvem o caminho de uma animação brasileira, é preciso mais do que talento matemático. Um levantamento realizado pela “Filme B” aponta que, em 2006, as estréias de filmes brasileiros atingiram um número recorde, foram 72, incluindo três relançamentos. Nesse montante apenas uma animação: Wood & Stock – Sexo, Orégano e Rock´n´roll, longa baseado nos personagens do cartunista Angeli, que amealhou uma coleção invejosa de prêmios.

Apesar do sucesso, ficou distante da marca de um milhão de espectadores. Há 35 semanas em cartaz, tem sido exibido de forma itinerante devido ao número reduzido de 15 cópias. Segundo Marta Machado, produtora da Otto Desenhos animados que produziu o longa, até o momento foram cerca de 60 mil expectadores. “Tivemos pouco público e ao mesmo tempo ganhamos prêmio de público”.

Ironias à parte, a produtora comemora o bom momento. “Lançamos o ‘Wood & Stock’ no cinema e agora em DVD, com distribuição decente, ganhamos prêmios e já estamos finalizando novas animações”. Entre os projetos engatilhados, outro longa pega carona nas histórias em quadrinhos. Inspirado nos famosos “Piratas do Tietê”, do cartunista Laerte, “Cidade dos Piratas” já está sendo roteirizado, aliás, pelo próprio autor.

Carlos Minuano


editor

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