Propostas pedagógicas diferenciadas encaram o desafio de construir uma escola democrática

Já é possível estudar fazendo teatro, grafite, ou mesmo jogando videogame. Parece brincadeira, mas já é uma realidade em escolas que adotaram um novo método de ensinar. No Brasil e no mundo, propostas pedagógicas diferenciadas decidiram transcender o modelo formal e aceitaram encarar o desafio de uma educação democrática, em que estudantes, professores e funcionários decidem os rumos a serem seguidos juntos e em igualdade. A socióloga Helena Singer foi uma das pioneiras nessa experiência aqui no Brasil.

Ela debruçou-se sobre o tema em sua dissertação de mestrado e chamou a atenção do empresário Ricardo Semler, conhecido por suas práticas alternativas de gestão e autor do livro “Virando a Própria Mesa” (Editora Rocco; 240 págs; R$ 36,00). Após quatro anos de planejamento, juntos criaram em São Paulo, em 2003, a escola Lumiar, além de projetos de democratização de duas escolas públicas rurais no interior do estado. “Foram experiências ricas para a solidificação de uma proposta pedagógica aberta a diferentes contextos”, conta Helena Singer.

A idéia é simples, estrutura-se sobre duas bases principais: gestão participativa e individualização dos percursos do aprendizado. A flexibilidade na estrutura visa possibilitar a realização dos interesses de cada estudante. É aí que entra o vídeo game, conforme explica Singer. “Se o aluno conseguir demonstrar que a partir dele é capaz de desenvolver todas as habilidades esperadas em todas as áreas do conhecimento – leitura, escrita, cálculos, compreensão dos fenômenos naturais, então tudo bem”.

A situação é hipotética, é claro. Segundo Singer, algo que ocorre com certa freqüência é “algumas crianças ficarem algum tempo muito tomadas pelos videogames, mas depois descobrirem que há outras coisas tanto ou mais interessantes fora dos computadores”. O importante é o respeito ao ritmo e às escolhas de cada um para que a relação com o conhecimento seja sempre prazerosa, explica a socióloga. Singer ficou à frente do projeto Lumiar até 2006 e atualmente dedica-se a construir uma rede de organizações voltadas para a educação democrática no Instituto para a Democratização da Educação no Brasil (IDEB).

Teia de cultura

Experiências similares começam a surgir. É o caso da Teia Multicultural, de educação infantil e ensino fundamental, também em São Paulo. Lá, os educadores contam com todas as artes funcionando como auxiliares, e o teatro no papel principal. “Quase tudo passa pela dramatização”, ressalta a diretora cultural e idealizadora do projeto, Georgya Correa. Ela desde a infância percebeu a importância da arte no processo de aprendizagem. Estudou alguns anos em uma comunidade na Índia, onde as dificuldades com o idioma eram superadas através das atividades artísticas.“Éramos crianças de todas as partes do mundo e a arte se tornou uma forma de comunicação entre a gente”, lembra.

Anos depois, já adulta, trabalhando com teatro para crianças, começou a se interessar pelo uso da arte em projetos pedagógicos e, junto de outras duas educadoras, em 2005, colocou em pratica seu sonho, a Teia Multicultural, um lugar onde, segundo ela, “aprender pode acontecer de maneira prazerosa”. O método utilizado por Georgya não prioriza tanto a apropriação dos conteúdos, mas o processo do conhecimento. “O conteúdo é o mesmo de qualquer outro colégio, o que modificamos é a forma de transmiti-lo. Criamos um método próprio que dispensa detalhes como cadernos, por exemplo”.

Escola aberta

No Estado de São Paulo, o ensino público, mais popular por suas mazelas do que por alguma qualidade, abriga desde 1999 uma experiência inovadora que, apesar de pouco conhecida, já se tornou um exemplo (quem diria?) de educação democrática. Localizado em uma região repleta de problemas e com alto índice de violência, o Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos do Capão Redondo (CIEJA), periferia de São Paulo, adotou um instrumento incomum para seu projeto educacional: a arte. Hip-hop, grafite, literatura, entre outras, são as principais ferramentas utilizadas.

Apesar de cercada por graves problemas, como a criminalidade, comum na região, a coordenadora, Eda Luiz, conta com orgulho que as portas da escola estão sempre abertas. “Das 7h30 às 22h30 qualquer um pode entrar”. E a diversidade é grande: 72 surdos, 15 cegos, além de outros alunos com necessidades especiais, como portadores da síndrome de Down e deficientes físicos. Outra categoria atendida são jovens infratores oriundos do programa de liberdade assistida da Febem. “Aqui recebemos a todos, sem discriminação”, afirma Eda. Seguindo os moldes das experiências estudadas pela socióloga Helena Singer, todos eles são igualmente responsáveis pelo destino do CIEJA.

Apesar da expansão de propostas educacionais diferenciadas, os obstáculos ainda são diversos. A cultura escolar, de gestores, professores, pais e até estudantes, na opinião da socióloga Helena Singer, ainda é marcada por uma visão do conhecimento como algo difícil, penoso e alheio aos instintos humanos. “Esta percepção faz com que se mantenha o velho formato: aulas obrigatórias, provas e hierarquias rígidas. Mudar este paradigma para outro que pense o processo de aprender como algo associado a prazer ainda é uma tarefa difícil”. Empreitada, aliás, que requer investimentos, sobretudo em formação de educadores, acrescenta ela. Em setembro deste ano, experiências semelhantes estarão reunidas na Conferência Internacional de Educação Democrática. Realizada desde 1993 em diferentes países, será sediada pela primeira vez na América Latina, em Mogi das Cruzes, a 21 km da capital paulista.

Portas fechadas

Há cerca de três anos, outra iniciativa abriu as portas dos colégios públicos estaduais à comunidade. Por meio do programa Escola da Família, aos fins de semana a população passou a ter acesso a atividades culturais, esporte, atendimentos de saúde e cursos de qualificação para o trabalho. No início deste ano, no entanto, a secretária da Educação, Maria Lúcia Vasconcelos, reduziu o programa pela metade: das 5.200 unidades abertas restaram apenas 2.334. Procurada pela reportagem, a Secretaria, por meio de sua assessoria, informou apenas que a medida faz parte de um redimensionamento do programa.

Carlos Minuano


editor

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