Brasil vem desempenhando papel fundamental no combate ao controle dos EUA, e criou modelo pioneiro de administração

O cenário mundial atual aponta para um aumento cada vez maior de concentração do poder nas mãos dos países que dominam os meios de produção, armazenamento, disseminação e uso da informação. Com o avanço surpreendente que a Internet atingiu nos últimos anos, essa questão torna-se ainda mais relevante.

Em um artigo publicado ano passado no “Le Monde Diplomatique”, Ignacio Ramonet resumiu a dimensão geopolítica do conflito em torno da administração da Internet: “Em um mundo cada vez mais globalizado, em que a comunicação tornou-se uma matéria prima estratégica e em que se multiplica explosivamente a economia do imaterial, as redes de comunicação desempenham um papel fundamental. O controle da internet confere à potência que o exerce uma vantagem estratégica decisiva. Como, no século XIX, o controle das vias de navegação tinha levado a Inglaterra a dominar o mundo.”

Atualmente, a gerência da Internet está nas mãos dos EUA, cujo Departamento de Comércio supervisiona a empresa californiana ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), que é a responsável por administrar toda a concessão e registro de domínios e de protocolos de internet (IP) em todo o mundo. Para se ter uma dimensão do controle, existem 13 roteadores-raiz da Internet mundialmente. É por eles que passa o tráfego de dados na rede. 10 deles estão nos Estados Unidos. Ou seja, na prática, o governo norte-americano pode impedir um país de manter suas páginas eletrônicas em funcionamento e dentro de seus próprios territórios.

A União Internacional de Telecomunicações (UIT), entidade vinculada à ONU (Organização das Nações Unidas), afirmou estar pronta para administrar a rede virtual, mas os EUA se opuseram veementemente, sob o argumento de que apenas a gestão privada pode garantir a liberdade na internet. Juntamente com aliados como Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Reino Unido, o país vem tentando reduzir a questão da governança da Internet à gestão de nomes e números, ou seja, a questões técnicas, ignorando os aspectos sociais e econômicos.

A União Européia (UE) quer um novo modelo administrativo cooperativo, pelo qual a Internet e a ICANN fiquem sujeitas a uma legislação internacional, e não a normas dos EUA.

A Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (CMSI), evento organizado pela ONU e que teve sua última etapa realizada em novembro passado, reuniu representantes do governo, do empresariado e da sociedade civil para encontrar soluções para a Sociedade da Informação. A Internet foi um dos assuntos mais polêmicos em pauta, e o Brasil representou um papel importante, liderando o bloco dos países em desenvolvimento que se opõem aos EUA nessa questão. Para alguns desses países, uma maior democratização da Internet os  ajudaria a cumprir até 2015 algumas metas de desenvolvimento que foram definidas pela ONU.

Ao final da Cúpula, os 176 países presentes conseguiram estabelecer um Fórum sobre Governança da Internet. Como houve um consenso amplo em torno da criação desse órgão, os EUA tiveram que aceitar a imposição, mas não sem antes impor algumas exigências. Sendo assim, o Fórum está limitado a promover o diálogo sobre a criação de um sistema global de administração, mas não tem subordinação sobre os mecanismos e instituições existentes. A primeira reunião deverá ocorrer ainda neste semestre.

Gustavo Gindre, coordenador geral do INDECS (Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura), e membro do coletivo Intervozes, duvida um pouco que o Fórum possa concretizar resultados tendo que enfrentar os EUA. Sinceramente, acho que será muito difícil. Mas vejo dois caminhos que se somam. Primeiro, garantindo que o Fórum se torne o mais representativo possível para que a sua legitimidade acabe tornando cada vez mais difícil para os EUA sustentarem seu unilateralismo. E isso acontecerá se o IGF funcionar de fato, se for democrático e transparente e se este debate conseguirdesceraté o nível da sociedade civil de cada país. Segundo, tentando trazer a União Européia para uma posição mais crítica em relação aos EUA”.

O que tem se buscado é uma gestão da Internet multilateral, transparente e democrática, envolvendo os diferentes agentes da sociedade. O Prof. Adilson Cabral, coordenador do informativo eletrônico Sete Pontos, opina sobre qual seria o melhor modelo para essa gestão: “Um modelo semelhante ao do Sistema Brasileiro de TV Digital – SBTVD, desde que seja funcional, com Conselhos Gestor, formado por representantes de governo e Consultivo, formado por integrantes da sociedade civil. Além disso, com as devidas representações regionais, a serem também formadas por estruturas semelhantes e grupos de trabalho específico em questões relacionadas à governança da Internet, como segurança, estrutura, domínios, etc.”

O modelo que o Brasil adotou ao criar o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) é ainda mais plural, já que o órgão é formado por membros do governo, do setor empresarial, do Terceiro Setor e da comunidade acadêmica. O objetivo de coordenar e integrar todas as iniciativas de serviços Internet no país, promovendo a qualidade técnica, a inovação e a disseminação dos serviços ofertados.

Para Arthur Pereira Nunes, ex -coordenador do CGI.br, “o melhor modelo seria aquele que permitisse um processo permanente de negociação da sua implementação”, acrescentando que entende “que o modelo  implementado no Brasil é um excelente ponto de partida para a negociação.” É ele também que levanta alguns questionamentos fundamentais: “As necessidades técnicas da expansão da Internet comercial se submeterão aos condicionantes da soberania ou determinarão novos paradigmas para adequar/eliminar os condicionantes à sua necessidade de expansão? Quais as conseqüências  de um comando unilateral da Internet mundial? Como a Internet  poderá  evoluir num quadro de desenvolvimento cooperado e sem hegemonias? Quem a  controlará? Haveria esta possibilidade?“

As respostas a essas perguntas é que irão determinar se a gestão da Internet passará ou não para novas mãos.

André Fonseca


editor

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