Seminário analisa os mecanismos legais disponíveis, descreve os procedimentos administrativos para realização do projeto e expõe os benefícios fiscais para as empresas investidorasPor Sílvio Crespo

Dentro do complexo emaranhado de mecanismos legais com o objetivo de fomentar a atividade cultural no Brasil, com as inúmeras alterações, decretos e medidas provisórias remendando as leis de incentivo à cultura, não é fácil, para produtores culturais, profissionais de marketing, empresários e demais profissionais do setor, saber qual a melhor forma de usufruir os benefícios dessas leis. Com o intuito de oferecer uma contribuição nesse sentido, foi realizado no dia 26 de fevereiro último, no Hotel Paulista Plaza, o seminário ?Os incentivos fiscais à cultura?, apresentado pelos advogados Fábio Cesnik, autor do ?Guia de Incentivo à Cultura? (Ed. Manole), Cristiane Olivieri, articulista da revista Marketing Cultural, e Flávia de Souza, pós-graduada em Administração para Organizações do Terceiro Setor. O seminário deu ênfase às leis Rouanet, Mendonça e do Audiovisual.

A apresentação de Fábio Cesnik abordou, primeiramente, um histórico dos incentivos fiscais à cultura no Brasil, e em seguida, uma visão geral dos incentivos disponíveis atualmente, destacando seus pontos principais. Cristiane Olivieri expôs a dinâmica de funcionamento das leis de incentivo à cultura no Brasil, analisando os seus procedimentos na aprovação dos projetos, execução e prestação de contas. O aspecto tributário foi o tema da exposição de Flávia de Souza, com uma visão geral dos benefícios fiscais pra as empresas investidoras, segundo as regras das leis Rouanet, Mendonça e do Audiovisual.

Rumo a investimentos multilaterais
Fábio Cesnik, ao traçar o histórico do investimento em cultura no Brasil, identifica um caminho que sai do unilateralismo do Estado, em direção ao investimento multilateral, ou seja, proveniente de fontes diversas. Cesnik cita a primeira iniciativa de investimento em cultura no Brasil, feito pelo Estado, em 1810, ao construir a Biblioteca Nacional. Não estando acompanhada de outras fontes de investimentos, essa iniciativa reflete o caráter unilateral do Estado autoritário, que aparece como único grande investidor. Mais tarde, entretanto, o setor privado começa a entrar em ação, a exemplo de experiências estrangeiras. Nos Estados Unidos, por exemplo, empresários como Ford e Rockefeller investem parte de suas fortunas em artes e humanidades, no início do século. No país, os estímulos à atividade cultural começam em 1917, com o Estado oferecendo incentivos fiscais a investimentos privados. No Brasil, o empresário Francisco Matarazzo marca a fase inicial da participação do setor privado no fomento à cultura, nas décadas de 1940 e 1950.

Com os governos militares, a partir de 1964, ocorre um retrocesso no conjunto das iniciativas de fomento à cultura, de acordo com Cesnik, uma vez que o Estado atua, no período, como um freio ao multilateralismo. Após a abertura, foram criadas as leis Sarney (Federal, 1986), Mendonça (Municipal de São Paulo, 1990), Rouanet (Federal, 1991) e do Audiovisual (Federal, 1993), além de outras estaduais e municipais, que retomam o caminho rumo a investimentos multilaterais. O Estado de São Paulo, todavia, ainda não tem uma lei de incentivo regularizada.

Benefícios e beneficiários
Atualmente a lei Rouanet, principal lei federal de incentivo à cultura, financia, segundo Cesnik, através do Fundo Nacional de Cultura, 80% do investimento em cultura. O advogado deu especial atenção ao artigo 26, que permite um abatimento de 30% do investimento em patrocínio e 40% em doação, limitados a 4% do Imposto de Renda devido. O artigo estende esses benefícios a todas a áreas culturais, mas considerando ?cultura? como sinônimo de ?arte?, stricto sensu. Grande parte do volume de projetos beneficiados por esse artigo é de música popular e longa-metragem. Além desses incentivos, o artigo 18 concede benefícios adicionais a algumas áreas culturais específicas, como artes cênicas, livros artísticos, literários ou humanitários, artes visuais, doações de acervos a bibliotecas, entre outras.

Cesnik explicou, também, a Lei Municipal de São Paulo de incentivo à cultura, a chamada Lei Mendonça. Assim como a Rouanet, considera cultura como sinônimo de arte, e dentro desse conceito, beneficia igualmente todas as áreas culturais (artes cênicas, música, artes plásticas, literatura, audiovisual, patrimônio cultural etc). Abate até 70% do valor do patrocínio, limitado a 20% do ISS ou IPTU. A concessão, ou seja, todo o trâmite administrativo para a aprovação do projeto, dá-se inteiramente pela Secretaria de Cultura.

Por fim, o palestrante destrinchou mecanismos de incentivo da Lei do Audiovisual. A lei, segundo o seu artigo primeiro, permite uma dedução de até 3% do Imposto de Renda para pessoa jurídica e 6% para pessoa física quando investidos em obras audiovisuais brasileiras de produção independente, dedução esta para aquisição de cotas representativas de direitos de comercialização. A lei oferece também aos contribuintes 70% de abatimento (artigo 3º) para investir em obras nacionais independentes, desde que o projeto tenha sido aprovado pelo Ministério da Cultura.

Em 2001, a Medida Provisória 2228 criou, além de uma política nacional do cinema, os Funcines e Prodecines, dois outros meios de fomento à atividade audiovisual. Além disso, a Lei do Audiovisual possibilita a conversão de títulos da dívida externa para investimento em produções cinematográficas. O problema apontado por Cesnik nesse caso, é que muitas vezes o investidor compra títulos no exterior por um preço abaixo do valor e, ao fazer a conversão, pode obter um ganho de até 30% sobre o valor inicial, caso seja beneficiado pelas flutuações do câmbio.

Procedimento ? Lei Rouanet
Os processos de funcionamento das leis Rouanet e do Audiovisual são objeto de análise da advogada Cristiane Olivieri. Basicamente, segundo Olivieri, o funcionamento é similar em ambos os casos: o patrocinador recebe incentivo fiscal e publicidade, ao investir em um projeto previamente aprovado pelo Ministério da Cultura. No caso da Lei Rouanet, o primeiro passo para se obter os benefícios legais na realização de um evento cultural é a apresentação do projeto ao Ministério da Cultura, que deve incluir o orçamento do projeto e o motivo pelo qual está enquadrado na lei. Em seguida, o produtor deve levar ao Ministério o mínimo de documentos que comprovem as condições concretas para realizar o evento (por exemplo, confirmação de participação do artista, de disponibilidade da casa de espetáculo etc). Depois disso, o Ministério faz uma análise técnica, verificando se o projeto se encaixa nas exigências da Lei, e o Conselho de Área estuda a adequação desse projeto ao objetivo proposto. O projeto, então, é encaminhado ao CNIC (Conselho Nacional), onde se procura evitar desvios ou privilégios. Finalmente, o projeto é publicado no Diário Oficial da União. Em todo esse caminho percorrido, o produtor encontra condições bastante favoráveis, pois o Ministério é bastante flexível, ?até paternalista?, segundo Olivieri.

Para a execução do projeto, deve-se abrir uma conta em qualquer banco e fazer o pedido de liberação do dinheiro ? pelo menos 20% do total, com contrato de auditoria independente para valores acima de R$100 mil. Quando encerrado, o projeto deve ser submetido a prestação de contas quanto aos objetivos, às finanças (é proibido o remanejamento de verbas sem autorização), à presença da logomarca do Ministério da Cultura, obrigatória em todas as peças de divulgação, e à realização do produto cultural (deve ser comprovado que este foi concluído e foi dado acesso ao público).

Caso o produtor não tenha prestado contas em algum dos itens acima, o Estado pode inabilitá-lo por três anos, suspender novos incentivos, cancelar a aprovação de outros projetos em andamento ou ainda encaminhar o caso para o Tribunal de Contas da União, onde será tratado com muito mais rigor.

Procedimento ? Lei do Audiovisual
A Lei do Audiovisual, segundo Olivieri, difere das demais por ter o objetivo de criar, no Brasil, uma indústria cinematográfica que possa futuramente investir seu próprio capital e desenvolver-se sem necessidade de incentivos fiscais. É, por isso, uma lei datada, que vai deixar de existir assim que aquela indústria se consolidar. O término da sua vigência, inicialmente previsto para 2003, foi prorrogado pela MP 2228 para 2006, pelo menos no que diz respeito ao artigo primeiro. Outra diferença é a maior rigidez da Lei do Audiovisual, em oposição ao caráter ?paternalista? da Lei Rouanet.

O projeto, ao submeter-se à Lei do Audiovisual, sofre uma análise mais completa do que aquele submetido à Lei Rouanet, que inclui, entre outras formas de seleção, o currículo do produtor. Aprovado o projeto, é feita uma análise do orçamento, avaliando o investimento em produção e comercialização e, então, é publicado no Diário Oficial. Depois disso, o produtor deve apresentar todos os documentos relacionados ao projeto em 30 dias na CVM, para entrar com pedido de registro.

O prazo para execução é de 18 meses, segundo Olivieri, podendo ser prorrogado em caso de necessidade. Caso o produtor não consiga captar todo o dinheiro no prazo, a parte obtida é aplicada em um fundo seguro para, mais tarde, ser reinvestida em outro projeto ou entrar nos cofres da Funarte. A prestação de contas e as penalidades ocorrem exatamente nos mesmos moldes da Lei Rouanet.

Benefícios para empresas
A terceira palestrante, a advogada Flávia de Souza, dirigiu sua exposição a empresas investidoras, analisando os diversos benefícios fiscais oferecidos pelas leis Rouanet, Mendonça e do Audiovisual. Souza analisou separadamente exemplos de doação e patrocínio, de pessoa física e jurídica. No caso da Lei Rouanet, a advogada utilizou como exemplo de doação de pessoa jurídica uma empresa que auferiu um lucro de R$50 milhões e investiu R$200 mil. Como a doação é considerada despesa operacional, a base de cálculo para o IR, para a Contribuição Social e para o adicional do IRPJ passa a ser R$49,8 mi. Assim, o que o doador economiza com essa diminuição da base de cálculo soma R$68 mil. Com o abatimento de 40% do dinheiro investido, conforme permite a lei, o doador economiza um total de R$148 mil, tendo um retorno de 74% do investimento. No caso de doação, não é permitido fazer publicidade.

Transpondo esta situação para um caso de patrocínio, a pessoa jurídica patrocinadora tem um retorno de 64% (R$128 mil) do valor investido (R$200 mil), mas com direito a publicidade. O retorno diminui porque o abatimento para patrocínio é de apenas 30%. No caso de pessoa física, o abatimento para doações é de 80%, que não entram como despesa operacional. O patrocínio pela pessoa física tem um abatimento de 60%, mais o direito a publicidade. O limite para dedução no IR de pessoa física é 6%.

Segundo a palestrante, em 1999 a Lei Rouanet criou situações especiais para alguns setores: sem limite de 30% a 40% do dinheiro investido, mas mantendo o limite de 6% de dedução no IR, esses setores têm abatimento de 100% do dinheiro investido. Com isso, a pessoa jurídica, lançando o investimento como despesa operacional, diminui a base de cálculo do IR e pode obter um retorno de até 109% do dinheiro investido.

A Lei do Audiovisual também oferece 100% de abatimento do investimento, além de considerá-lo uma despesa operacional. Isso permite ao doador um retorno de 125% do dinheiro investido. A Lei Mendonça, do município de São Paulo, concede abatimento de 70% do valor investido, limitado a 20% do IPTU ou ISS, sem reduzir também a base de cálculo desses impostos.

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