Em entrevista exclusiva, Carlos Augusto Calil, secretário municipal da Cultura, rebate ataques do setor cultural e defende que o Estado precisa reassumir seu papel na elaboração de políticas públicas para a área.
A repercussão negativa da redução de recursos da Lei Mendonça colocou Carlos Augusto Calil, secretário municipal de Cultura, no meio de um fogo cruzado. Protestos da classe artística pedem soluções para problemas que vão da atual polêmica sobre dotação orçamentária aos impostos que, no caso do teatro, oneram as receitas de bilheteria. “A cidade de São Paulo tem uma população superior a de Portugal. Mas nossos recursos não chegam a 5% da verba deles”, compara Paulo Pélico, da Associação dos Produtores Teatrais do Estado de São Paulo [Apetesp].
Na entrevista a seguir, que o secretário deu com exclusividade ao 100canais, Calil rebate os ataques do setor cultural, defende sua visão sobre os rumos que a cultura deve tomar e apresenta medidas que estão sendo implementadas na atual gestão. As soluções, segundo ele, precisam buscar a conciliação de interesses públicos e privados. No entanto, julga indispensável que o Estado reassuma o seu papel na elaboração de políticas, resguardando para si a formulação de prioridades, a indução de investimentos e a iniciativa de parcerias.
100canais – Porque essa redução tão aguda nos recursos de renúncia fiscal para a lei Mendonça?
Carlos Augusto Calil – Também se percebe uma redução da capacidade dos projetos de captar patrocínio na sociedade civil. A lei tem dado muitas pré-qualificações e tinha, no ano passado, um orçamento muito superior ao valor que os projetos captaram. Em 2006, os projetos pré-qualificados obtiveram autorização para captar até R$ 27,9 milhões. No entanto, apenas R$ 4,7 milhões foram efetivamente captados. Quando assumimos a Secretaria Municipal de Cultura, em abril de 2005, percebemos a necessidade de redefinir o papel do Estado na formulação de políticas públicas para a área. Em contraponto à crescente limitação de recursos orçamentários, consagrou-se uma enorme liberalidade com o uso do dinheiro público pela iniciativa privada.
100canais – Como seria, na prática, essa redefinição do papel do Estado na formulação de políticas públicas?
CAC – A Secretaria Municipal de Cultura publicou, em 4/11/2005, um decreto que introduziu algumas alterações no funcionamento da lei, regulamentando e modernizando sua operação. Dentre as principais alterações, está a possibilidade do incentivo ser parcial, não sendo obrigatório que corresponda à totalidade do valor solicitado, como também a criação de um Grupo de Trabalho que passou a analisar a adequação do projeto apresentado à política cultural do município. Criaram-se, dessa forma, mecanismos que constrangem o financiamento de projetos irrelevantes para a cidade: ou porque atingem uma parcela muito reduzida da sociedade, ou porque não necessitam de recursos públicos para viabilizar sua realização ou ainda porque acontecem fora do âmbito do município.
100canais – Há outras alterações sendo planejadas que envolva a Lei Mendonça?
CAC – A mudança que foi realizada em 2005 está sendo aperfeiçoada em um novo Projeto de Lei a ser apresentado à Câmara Municipal. Estimulada pelos debates que a comunidade cultural tem realizado nos últimos anos, a nova regulamentação busca uma forma criteriosa de aplicação dessa Lei de Incentivo e foi discutida com representantes da sociedade que participam da Comissão de Averiguação e Avaliação de Projetos Culturais e com membros da Câmara Municipal.
100canais – O senhor fala em “enorme liberalidade com o uso do dinheiro público pela iniciativa privada”. Quais soluções estão sendo encaminhadas em relação a essas afirmações?
CAC – Diferentemente do que se poderia supor, da maneira como vêm sendo aplicadas, as leis de incentivo não contribuem para que as atividades artísticas e culturais adquiram autonomia. Ao contrário, não só até hoje não existe um mercado que dê conta da produção do cinema ou do teatro como se aprofundou o grau de dependência da produção cultural com relação às verbas públicas. Diante desse quadro de debilidade crescente, não devemos justificar a omissão do Estado com a desculpa do dirigismo cultural. Os mecanismos de incentivo fiscal são ferramentas essenciais para as ações culturais, mas precisam ser aperfeiçoados. É preciso que a análise deixe de ser balizada apenas por critérios orçamentários, claramente insuficientes quando o assunto em pauta é cultura, e passe a considerar, sobretudo, o interesse público na realização de determinado projeto. Assumir essa escolha é indispensável sob pena de continuarmos transferindo os reduzidos recursos para projetos de interesse exclusivamente privado.
100canais – Na prática como será isso?
CAC – Trata-se de buscar, a exemplo do que ocorre em diversos países, uma conciliação de interesses públicos e privados. Para uma definição dos atuais rumos da cultura no país é indispensável que o Estado reassuma o papel que é seu na formulação de políticas, resguardando para si a formulação de prioridades, a indução de investimentos e a iniciativa de parcerias. Um dos critérios que devem nortear a alocação de recursos incentivados deve ser a avaliação da vontade do investidor privado em contribuir com seu dinheiro para a execução do projeto. Este é o conceito que presidiu a formulação das leis de incentivo no seu início. Este espírito se desvirtuou, hoje apenas a lei de São Paulo ainda resiste à concessão de 100% do incentivo. Outra questão a ser discutida é a melhor utilização do dispositivo de abatimento do valor investido exclusivamente como despesa operacional. Antes da adoção da primeira lei de incentivo [Lei Sarney], havia uma política cultural interessante de empresas [caso da Shell] baseada neste mecanismo.
Carlos Minuano