O gaúcho Otto Guerra, diretor da premiada animação Wood&Stock – Sexo, Orégano e Rock’n’Roll fala sobre flores e espinhos no caminho da animação independente brasileira.

O diretor gaúcho Otto Guerra ao levar para as telas o universo urbano do cartunista Angeli no longa de animação Wood&Stock – Sexo, Orégano e Rock’n’Roll, que acaba de ser lançado em DVD, talvez não imaginasse a trajetória de sucesso que o filme teria, ainda mais levando em conta as dificuldades para se produzir animação independente no Brasil. “Estamos na pré-história da animação”, dispara o diretor. Mas, valeu a pena. A coleção de prêmios prossegue aumentando. Brasília, Córdoba, na Espanha, entre outros.

Na semana passada, foi a vez do filme ser aplaudido no HQ Mix, em São Paulo, principal prêmio de quadrinhos do país, onde faturou as categorias de melhor animação e melhor adaptação de quadrinhos. Entre piadinhas sarcásticas e alguns goles na garrafinha de whisky, que carregava estrategicamente no paletó, Guerra, falou quase uma hora com o 100canais. Entre os temas, carreira, prêmios, projetos, mercado e tipinhos esquisitos.

100canais – Como surgiu o filme Wood & Stock?
Otto Guerra
– Já havia feito em 95 uma animação com o cartunista Adão Iturrusgarai, Rock & Hudson, os caubóis gays, um filme super trash, feito sem grana nenhuma. Nessa época, o Adão tinha ido para São Paulo e acabou ficando muito amigo do Angeli, isso acabou me aproximando mais dele também. Passamos a beber nos mesmos bares, sou fã do cara, me identifico muito com o universo dos seus personagens, temos as mesmas influências musicais, namorávamos as mesmas meninas… [depois de algumas gargalhadas revela que essa parte é brincadeira]. Com isso, resolvi encarar o desafio de adaptar para o cinema algo que me dá prazer.

100canais – O filme tem uma trilha bem bacana, como vocês fizeram a seleção? Tiveram problemas com direitos autorais?
OG – Toda a equipe tem um ponto em comum, a gente é rato de rock’n’roll. Infelizmente não foi possível usar alguns clássicos estrangeiros porque sairia muito caro, e optamos por usar somente música brasileira. Entrou desde Novos Baianos, como o clássico Ferro na Boneca, e outras do Tom Zé, Rita Lee, e Júpiter Maça, que entrou no lugar dos Mutantes. O Sergio Dias não liberou as músicas, rolou uma negociação complicada. Ele queria fazer a trilha, mas o trabalho dele hoje, apesar de ser meu ídolo, não tem nada haver com a atmosfera psicodélica do filme.

100canais – Quanto custou o filme, e de onde vieram os recursos?
OG – Custou R$ 1,2 milhão. O cinema independente no Brasil está sendo todo produzido com as leis de incentivo fiscal, mas acho que é uma situação transitória, eu espero que acabe. No Brasil, estamos ainda na pré-história da animação. Não tem tradição, não tem ninguém que tenha feito antes de uma forma industrial. Na Coréia do Sul, o governo sacou que o audiovisual dá dinheiro e resolveu investir pesado, estão produzindo séries próprias. O problema por lá é que não possuem conteúdo, eles não têm idéias próprias e começaram a produzir para outros países, Simpsons, Bob Sponja e animações para Europa. Não se cria material de qualidade da noite pro dia, estamos numa situação bem parecida.

100canais – Quanto tempo levou para produzir o Wood & Stock?
OG – Escrevi o projeto em 97, refizemos quatro vezes o roteiro até 2000, quando ganhamos um concurso de apoio a produções independentes de baixo orçamento do Ministério da Cultura. Em 2001, quando entrou o dinheiro, começamos a animação, propriamente dita. Isso depois de reescrever o roteiro por mais dois anos, porque estava sofrível. É o primeiro trabalho de nossa produtora com pretensão comercial. Agora já conhecemos o caminho, acho que, se ao menos não cairmos nos mesmos erros, ganharemos algum tempo. Já sabemos, por exemplo, que é melhor não usar a palavra sexo no título. Pra captar patrocínio é um tiro no pé. Acham que a empresa vai ficar associada à pornografia, que vai sujar a imagem.

100canais – É possível viver de animação atualmente?
OG – Consegui comprar uma cama nova. [risadas]. Verdade, cara, é uma cama maravilhosa. Eu não tenho muitas exigências de grana. Vivo bem, da maneira que quero, por exemplo, comi um bacalhau esses dias. Não tenho família, filhos. Sabia que tinha que escolher entre casar e fazer desenho animado. A demanda da animação no mundo inteiro é enorme, mas por aqui ainda é complicado. Os japoneses e os americanos estão conseguindo juntar as duas pontas, o público e a produção, nós não conseguimos ainda. Nem o Mauricio de Souza, que é um cara consagrado, não conseguiu.

100canais – Qual a próxima tacada?
OG – Ganhamos um concurso em Porto Alegre da companhia elétrica RGE, para produzir uma animação chamada Fuga em Ré Menor para Kraunus e Pletskaya, baseado em uma peça chamada Tangos e Tragédias. O filme fala dessa mistura que compõe nossa cultura. Esse caldo formado por milhares de influências, mas que carece de uma cara própria.

Carlos Minuano


editor

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