Propostas de Políticas Públicas para oDesenvolvimento Cultural da Cidade de São Paulo
Esse documento é resultado de um trabalho de escuta do Fórum Intermunicipal de Cultura – FIC – que ouviu agentes culturais locais, representantes de Casas de Cultura e bibliotecas, pensadores da arte e da cultura e outras lideranças da cidade, integrantes de Organizações Não-governamentais e de movimentos sociais, durante encontro realizado em julho, em São Paulo. No evento, foi feito um breve diagnóstico do momento cultural de São Paulo, identificando os principais desafios e indicando algumas propostas de políticas públicas que favoreçam e estimulem a efervescência de ações culturais na cidade.
A idéia, agora, é lançar algumas sugestões para a sociedade e governo visando a contribuir para a implementação de políticas públicas de cultura neste momento, em que a nova administração inicia suas atividades nesse complexo cenário.
Para isso, o resultado do debate foi sistematizado em quatro eixos: Breve diagnóstico da cultura na cidade de São Paulo, Ação do Governo, Desafios e Soluções.
Breve diagnóstico da cultura na cidade de São Paulo
Vivemos um momento de emergência de movimentos culturais em São Paulo: organizações de jovens na periferia da cidade, articulação de grupos de teatro, de música, de poesia, de profissionais de bibliotecas, movimentos pela paz, arte na rua, eventos artístico-culturais locais e mundiais etc. Por toda a cidade, pulsa uma vitalidade cultural, que constitui uma característica da própria metrópole paulistana. Os movimentos culturais começam a se instensificar, como é o caso do Arte Contra a Barbárie, que questiona os fundamentos de uma cultura de mercado e propõe um apoio mais direto do Estado, a partir de orçamentos públicos da cultura. Dá-se, também, uma apropriação dos espaços públicos por movimentos culturais, associações de bairro, grupos de artistas etc. Os jovens encontram formas de fortalecer a sua cidadania e auto-estima através da arte. Toda essa efervescência tem gerado uma série de debates sobre o lugar da cultura na cidade.
No entanto, há uma grande defasagem entre essa vitalidade cultural e a capacidade das políticas públicas de respaldar tal efervescência. Seja porque a estrutura administrativa do governo local está defasada em relação a essa dinâmica, seja por uma espécie de morosidade que em geral acomete os governos, seja por falta de recursos para a Cultura ou ainda em virtude de uma visão que não considera Cultura como prioridade, o fato é que ocorre um descompasso entre a dinâmica cultural local e a capacidade de resposta da Secretaria Municipal de Cultura.
Reconhece-se, por outro lado, a gravidade de uma situação que pede a urgência de uma ação imediata e contundente da Secretaria. São Paulo, a quarta metrópole mundial, padece de males como superpopulação, cultura da violência, efeitos desastrosos da crescente industrialização, pobreza, poluição, entre outros problemas comuns aos grandes centros urbanos. Os níveis de exclusão social são altíssimos e coincidem com a exclusão cultural que, por sua vez, está relacionada com os crescentes índices de violência. Surge então a necessidade de criar políticas públicas de enfrentamento radical dessa realidade.
Dadas as dimensões gigantescas de São Paulo, pensar políticas públicas locais exige, antes de tudo, uma ação cultural descentralizada. Daí a necessidade de reativar o Conselho Municipal, com representantes das várias regiões da cidade, de fortalecer as Casas de Cultura e as Bibliotecas e de criar mecanismos de representação que atuem localmente. Além disso, é preciso garantir o acesso à produção e fruição de bens culturais para as áreas periféricas da cidade e, simultaneamente, o apoio aos movimentos que já acontecem, como os movimentos pela paz e pela construção da Cidadania.
Ação do governo
Constatou-se que, no âmbito do governo municipal, há um movimento de formação de políticas públicas, expressa por meio de debates, seminários e reuniões, mas que, no entanto, ainda apresenta um ritmo lento, e que ocorre, principalmente, no interior da instituição. Assim, é preciso construir, e com máxima urgência, políticas públicas que ultrapassem o universo da Secretaria e, efetivamente, contem com a participação dos movimentos culturais.
Considerando-se que estamos falando de um governo democrático, em que transparência, participação e cidadania são palavras-chave, espera-se que as políticas culturais adotadas façam refletir tais valores, traduzindo-se em clareza e agilidade nos processos de produção e implementação das ações culturais, estímulo e acolhimento da intervenção da população e, conseqüentemente, apresentação de resultados que apontem para um efetivo desenvolvimento cultural e social.
Mais que a disponibilidade de recursos, espera-se um diálogo propositivo mais contundente entre a Secretaria de Cultura e os atores sociais para a construção de políticas culturais democráticas na cidade de São Paulo.
O Seminário também abordou amplamente os três eixos de política cultural apresentados pelo governo municipal para a cidade: a inclusão cultural, a revelação da produção oculta da cidade e São Paulo como a capital do debate e da produção de idéias no campo cultural. A partir da discussão desses três eixos centrais, e do documento Carta aos Candidatos, elaborado pelo Fórum Intermunicipal de Cultura (FIC), em 2000, identificou-se quais seriam os desafios para a implementação dessa tríade, considerando a realidade cultural já diagnosticada.
Desafios
– Entender cultura no sentido amplo, como cidadania e humanização dos processos sociais.
– Opor-se à visão dominante que considera a Cultura apenas como negócio e/ou evento.
– Promover processos criativos, o acesso e a fruição à cultura como pressuposto para a Cidadania, estimulando firmemente a inclusão cultural na cidade.
– Tomar São Paulo como um centro de debates de temas relevantes para a discussão de paradigmas contemporâneos.
– Ampliar o percentual relativo à cultura no orçamento global da cidade.
– Criar dinâmicas culturais mais ativas, entendendo a sociedade como protagonista dos processos culturais.
– Promover diálogos internos na instituição, desarmando a cultura do medo, herdada de governos anteriores, e combater a visão de que os funcionários nada têm a contribuir.
– Tomar como papel da cultura a formação do cidadão e não somente dos artistas.
– Estabelecer diretrizes claras, orçamento próprio e autonomia de trabalho para os equipamentos, possibilitando a constituição de pólos irradiadores nas diversas regiões da cidade.
– Ampliar o número de funcionários e qualificá-los para a ação pública no campo da cultura.
– Considerar a capacidade de implementar políticas públicas e estimular ações culturais na escolha de coordenadores dos vários equipamentos culturais.
Proposições
– Garantir maior percentual para a Cultura no orçamento global do município, no mínimo 2%, possibilitando a execução de políticas culturais mais amplas.
– Estimular a produção cultural existente, facilitando a sua visibilidade.
– Regulamentar, reformar e ampliar a rede das Casas de Cultura, e o próprio orçamento das unidades.
– Produzir diretrizes para a ação das Casas de Cultura e das bibliotecas e demais equipamentos.
– Fazer uma avaliação dos resultados da lei de incentivo cultural em vigor, com vistas à democratização, ao aumento da participação popular e à facilitação da criação e do acesso das populações carentes à Cultura.
– Aperfeiçoamento das lei de incentivo e construção de outras leis setoriais (teatro, cinema etc).
– Reativação imediata do processo de construção do Conselho Municipal de Cultura, atentando para não se constituir apenas em um “conselho de notáveis”.
– Criação de um Conferência de Cultura na cidade, reunindo os vários atores e movimentos culturais para diagnosticar o momento atual e desenvolver propostas de política cultural.
– Criar mecanismos de escuta dos movimentos culturais da cidade, como uma ouvidoria, por exemplo.
– Aproveitar a criação das sub-prefeituras para estimular uma ação cultural regionalizada com amplas capilaridades.
– Criar uma política de incentivo voltada para a valorização do patrimônio local.
– Integrar as políticas públicas das várias secretarias, tendo em vista a afirmação da cidadania e da qualidade da vida cultural e dos valores humanos.
– Promover a ocupação e manutenção de todos os espaços públicos ou não públicos viáveis:
praças, bibliotecas, centros esportivos, casas de cultura, escolas, universidades, creches, entre outros, tornando-os centros de produção, criação, discussão, consumo.
– Estabelecer parcerias para a produção de cultura com escolas, igrejas, universidades e outras instituições (públicas e privadas) que desempenhem importante papel no processo de desenvolvimento cultural da cidade.
– Estimular debates que ponham em questão o paradigma da cidade fundado na cultura da pressa, do trabalho, do dinheiro, da vitrine, do sucesso, que tem como referencial um imaginário de primeiro mundo.
– Buscar novas referências para a cidade que se contraponham ao processo de degradação cultural, decorrente da mercantilização da vida humana.
– Desenvolver políticas culturais que priorizem o jovem e busquem torná-lo protagonista de ações culturais no espaço da cidade.
– Criar políticas voltadas para a construção da Paz, que lidem com os preconceitos decorrentes das diversidades culturais existentes, e trabalhem para desmontar a cultura do medo e da violência.
– Divulgar e promover movimentos, ações, programas e políticas públicas culturais utilizando os meios de comunicação de massa e/ou alternativos através, principalmente, das rádios comunitárias.
Estas propostas apresentadas sinteticamente poderão vir a ser debatidas com os atores culturais de toda a cidade de São Paulo, durante o processo de criação do Conselho Municipal de Cultura, na ação cultural descentralizada e na Conferência de Cultura da Cidade de São Paulo.
São Paulo, Setembro de 2001.
Este documento foi elaborado sob a coordenação do FIC – Fórum Intermunicipal de Cultura – uma articulação formada por movimentos culturais, gestores, técnicos do poder público, criadores de cultura e arte de várias regiões do país, com o objetivo de debater e construir alternativas para as políticas culturais locais e contribuir para a criação da esfera pública e democrática da cultura.
Pedimos que enriqueça, reproduza e envie este documento para instituições, movimentos sociais e culturais, sua rede pessoal de amigos, entre outros. Sugestões serão bem-vindas e devem ser enviadas para a Secretaria-executiva do FIC, em São Paulo, no seguinte endereço:
Rua Cônego Eugênio Leite, 433 – 05414-010 – Pinheiros – São Paulo
Fone: 11-3085-6877 / e-mail: secretaria@polis.org.br