Clarisse Fabre escreve para o Le Monde sobre o livro Intermittents et précaires [Temporários e Precários], de Antonella Corsani e Maurizio Lazzarato: “Não se lerá neste livro nenhuma fórmula para calcular o seguro-desemprego dos artistas e técnicos do espetáculo. Não se trata de “uma retomada” da luta que se iniciou depois da reforma de junho de 2003, entre manifestações e cancelamento de festivais. Trabalhadores temporários e precários apresentam os resultados de uma pesquisa sobre condições de trabalho dos profissionais do espetáculo que alternam períodos de emprego e períodos de desemprego, no ritmo dos projetos de que participam por conta de seus (vários) empregadores.
Os autores desenvolvem uma reflexão prospectiva sobre a noção de trabalho: como uma vanguarda, o movimento dos trabalhadores temporários pôe em questão o par binário emprego-desemprego e nos convida a reconstruir as bases da proteção social, nos dizem Antonella Corsani, pesquisadora da equipe Matisse do centro de economia da Sorbonne e co-fundadora da revista Multitudes, e Maurizio Lazzarato, filósofo.
Do outono de 2004 à primavera de 2005, a equipe de pesquisadores Isys [do grupo Matisse de Paris-I e do CNRS] trabalhou, por solicitação da Coordenação dos trabalhadores temporários e precários, e com o apoio prefeitura de Ile-de-France. Àquela época, a imprensa criticou o método da pesquisa, porque os próprios trabalhadores temporários e precários participaram do estudo, com economistas, sociólogos, estatísticos. Os autores defendem os “especialistas-cidadãos”, e o trabalho que aproxima acadêmicos especialistas e leigos. A metodologia obriga a discutir as relações entre “saber, poder e agir”, explicam eles, como fez Michel Foucault e também Pierre Bourdieu em sua pesquisa “La Misère du monde” (Seuil, 1993).
Isto posto, os autores traçam um quadro inquietante do trabalho temporário. Mostram que a produção de espetáculos, de documentários etc. obedece cada vez mais a uma lógica de rentabilidade, num universo no qual só há “casos particulares”: o tempo de trabalho ou é escrupulosamente calculado nos setores fortemente sindicalizados, ou, ao contrário, é declarado ‘liberado’, deixado a cargo do “autor do projeto” toda a negociação do próprio cachê. Sem falar da variabilidade dos salários diários nem da estagnação dos cachês e, mesmo, da queda persistente há 10 anos.
Alguns – os realizadores, mas também as companhias de teatro, trabalham em coletividades locais – e reconhecem que trabalham “por encomenda”. Sempre em resposta à demanda de clientes, o que obriga a revisar a noção de criação. A redução dos orçamentos e do tempo de produção obriga as companhias a reorganizar o trabalho em torno dos postos e funções considerados indispensáveis. O artístico perde terreno para a comunicação, o nervo de tudo sendo a divulgação dos espetáculos, em contexto de concorrência muito acirrada…
Mas longe dos autores a idéia de que a precariedade do trabalho seja coisa que se deva combater. Ao contrário. Digam o que disserem os sindicatos, o trabalho estável, para toda a vida não é “desejado nem desejável para todos”. “A precariedade, sob determinadas condições, é a possibilidade de cada um preservar o direito de usar o próprio tempo, suas intensidades (…). Uma liberdade para desenvolver projetos próprios, fora das normas da indústria cultural e do espetáculo e, afinal, last but not least, uma arma fundamental na negociação dos salários e das condições de trabalho”, destacam Antonella Corsani e Maurizio Lazzarato no primeiro capítulo. Observando que outros profissionais intelectuais partilham as mesmas condições de trabalho dos trabalhadores temporários, eles convidam a refletir sobre o estatuto do trabalho e sobre novos direitos sociais”. Estimulante e revigorante.”
Intermittents et précaires [Temporários e Precários], de Antonella Corsani e Maurizio Lazzarato. Ed. Amsterdam, 232 pages, 2008, 18 €
Tradução: Caia Fittipaldi
Texto original publicado em francês no Le Monde, em 11.07.08, disponível em s://www.lemonde.fr/archives/article/2008/07/11/foucault-au-secours-des-intermittents_1072557_0.html
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