A intenção do projeto é centralizar no governo federal as decisões sobre o ensino profissionalizante e aumentar o número de vagas gratuitas na área voltadas para alunos oriundos de escolas públicas e de pessoas que recebem seguro-desemprego.
No último dia 28, o ministro da Educação, Fernando Haddad, assinou o texto final do projeto de lei que modifica o convencionalmente chamado Sistema S e cria o Funtep (Fundo Nacional de Formação Técnica e Profissional). A proposta está submetida agora aos ministros Guido Mantega (Fazenda) e Carlos Lupi (Trabalho); após aprovação de ambos, seguirá para a Casa Civil e, de lá, para o Congresso. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não descarta a possibilidade de submeter o texto a consulta pública.
Criadas há 60 anos com o advento da legislação trabalhista, as entidades do “Sistema S”, como Sesi (Serviço Social da Indústria), Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), Sesc (Serviço Social do Comércio) e Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio) são instituições privadas vinculadas ao sistema sindical patronal e mantidas, como prevê o artigo 240 da Constituição, por contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de pagamento. Instaladas em todos os estados, essas entidades mantêm escolas de ensino profissional e oferecem grande variedade de serviços sociais para trabalhadores, crianças, adolescentes e terceira idade.
Entre outras mudanças, o texto recém-assinado propõe uma inversão no repasse de verbas – do total que o conjunto das entidades do sistema recebe (2,5% sobre a folha de pagamento dos funcionários de cada setor, que equivale a cerca de R$ 8 bilhões), atualmente 60% são destinados às entidades voltadas para o atendimento social, como o Sesi e o Sesc, e 40% às entidades que cuidam da aprendizagem profissional, compostas por Senai, Senac, Senar (setor rural), Senat (transportes) e Sescoop (cooperativismo). A proposta é de que o social fique com 40% e o aprendizado, 60%.
Além de destinar essa nova verba à criação de vagas gratuitas, no lugar de cursos de curta duração, que são maioria hoje, as instituições de aprendizagem teriam que dar prioridade a um ano de formação técnica que complementaria os três anos regulares de ensino médio. Esse aumento de vagas no ensino profissionalizante supriria a falta de mão de obra qualificada hoje existente no país, segundo o MEC. “A verba pública, arrecadada do contribuinte, da sociedade, tem que financiar o ensino gratuito, porque justamente o grande problema que temos hoje é falta de educação profissional gratuita no país. Então, estaremos corrigindo essa distorção”, argumenta Haddad.
Mas a solução proposta para “correção dessa distorção” tende a distorcer outros campos, entre eles, o cultural: o Sesc, entidade do sistema que mais investe em cultura (R$ 403 milhões em 2007), se consagrou, ao longo de seus mais de 60 anos de existência, como um supridor de demandas que o governo se mostrou incapaz de resolver nessa área. A entidade teme a mudança proposta: “Seria desastroso. É uma demonstração de falta de visão, um reducionismo. Educação não é só curso técnico. É também lazer, desenvolvimento artístico, levar cultura aos lugares aonde não chegaria, permitir que mais pessoas tenham acesso a teatro, cinema”, afirma Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo. Sobre a inversão do repasse, Miranda analisa: “não temos uma noção exata do impacto. Mas é um terço de nosso orçamento, certamente implicaria em redução de pessoal, da programação”.
Miranda adquiriu, ao longo de 40 anos de trabalho na instituição, uma rara legitimidade diante da sociedade de todo o país. Sua gestão é considerada por muitos profissionais de cultura um exemplo a ser seguido. Assim, os apelos de Miranda, apesar de sua gestão regional, têm repercussão nacional. É ele que está à frente de um abaixo-assinado contra a reforma que tem circulado pela internet nos últimos dias.
As atividades do Sesc, gratuitas ou com bons preços, permitem que não só os trabalhadores do comércio – apesar desses terem privilégios –, mas toda a população, tenha acesso a teatro, cinema, concertos musicais, esporte, lazer e saúde de qualidade diariamente em todos os cantos do Brasil.
Diante de tal quadro, enquanto o MEC alardeia que a educação tem necessidades urgentes a serem supridas, é papel do MinC abraçar a bandeira do Sesc e reivindicar que no mínimo o que já está estabelecido com sucesso na área da cultura seja mantido como tal.
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