Iniciando uma série de entrevistas que Cultura e Mercado fará com secretários Estaduais de Cultura, publicamos a conversa exclusiva com Eleonora Santa Rosa, secretária de Estado de Cultura de Minas Gerais.
Dando início a uma série de entrevistas que Cultura e Mercado fará com Secretários Estaduais de Cultura, publicamos a conversa exclusiva com Eleonora Santa Rosa, Secretária de Estado de Cultura de Minas Gerais.
A secretária recebeu esta reportagem em seu gabinete, em agosto último. Hoje dona de um extenso currículo público, formada em Jornalismo pela UFMG, começou sua atuação como pesquisadora da Fundação João Pinheiro. De lá para cá, já foi, entre outras coisas, diretora do Departamento de Planejamento e Coordenação Cultural, na Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte, entre 1990 e 1994, além de diretora interina do Museu de Arte de Belo Horizonte, em 1993; assessora do projeto de criação e implantação do Centro de Referência Audiovisual da Região Metropolitana de Belo Horizonte (CRAV); autora da minuta da Lei de Incentivo à Cultura, no âmbito do município de Belo Horizonte, em 1993; autora do anteprojeto da Lei Estadual de Incentivo à Cultura e de sua regulamentação, em 1997, da minuta da regulamentação do Fundo de Cinema do Estado de Minas Gerais; membro de inúmeros conselhos, consultora de institutos de cultura e coordenadora de projetos artístico-culturais, coordenadora editorial de mais de 50 publicações e autora de artigos, anais e cartilhas e palestrante de extensa gama de assuntos ligados à cultura. Eleonora Santa Rosa acumula também grande experiência no setor privado, no qual atuou como produtora cultural.
Leia alguns dos melhores trechos da entrevista:
CeM – Após a criação do Sistema Estadual de Cultura, qual sua avaliação sobre ele?
Eleonora – Eu assumi com a missão dada pelo governador Aécio Neves de fazer uma profunda reformulação no aparato institucional de cultura do Estado, sobretudo no sentido de racionalizar, reestruturar e focar a política pública de Cultura. Para se ter uma idéia, a secretaria de Cultura foi criada há 24 anos e, desde então, já passaram por ela 15 titulares da cadeira. O que mostra não apenas uma alta rotatividade, mas um profundo senso de descontinuísmo das políticas propostas. Cultura não se faz só com espírito, com a dimensão simbólica que a cultura representa, mas se faz com investimentos, se faz com recursos, se faz com dinheiro. Ou seja, evidentemente, cultura não se faz apenas com verbo, mas com verba. Então, tivemos de buscar formas para financiar a atividade cultural em Minas Gerais.
CeM – Como está esse quadro hoje?
Eleonora – Eu tomei posse em 24 de fevereiro de 2005. Desde então, implantamos o Sistema Integrado de Cultura e, agora, funcionamos com metas conjuntas, decisões articuladas, recursos otimizados, uma coerência, unidade de ação. Além disso, é preciso dizer que tivemos total autonomia para montar o quadro de dirigentes da Secretaria e de seus órgãos vinculados, com isso, conseguimos profissionalizar e qualificar as decisões. Quanto à verba da cultura, foi uma profunda batalha dos órgãos competentes do governo para aumentar a base orçamentária, o que conseguimos.
CeM – Quanto era, e em quanto está agora?
Eleonora – Um exemplo pequeno: no primeiro ano eu tinha 10 mil reais para lidar com a Ação Cultural de 853 municípios, e essa mesma verba chegou a 1 milhão de reais no final do ano, entre suplementações variadas. Mas o Estado gasta muito mais do que isso em cultura, mas de maneira dispersa: com as estatais, com os bancos, ou com uma série de outras secretarias ou outras instituições. Na hora em que se soma isso, vai ser muito mais expressivo do que possa parecer. Você pode ter gestão sem o dinheiro pertencer ao caixa da Secretaria de Estado de Cultura, mas com o processo e a decisão de onde ele vai ser gasto. A Copasa e a Cemig investem de uma maneira acentuada em cultura, sobretudo a Cemig, através das leis de incentivo por intermédio da lei federal de incentivo à cultura. No primeiro ano, tivemos R$ 13 milhões. Este ano, só da Cemig, vamos atingir mais de R$ 12 milhões.
CeM – Via lei de incentivo?
Eleonora – Sim. Mas é preciso ficar claro que estamos lidando com recursos públicos, que cabe à secretaria ser protagonista na definição de políticas públicas de cultura e definir os focos para a área de ação do Estado. A Lei Estadual de Incentivo à Cultura, que ajudei a criar, segue o mesmo princípio. Há uma comissão de 18 membros, metade do poder público e a outra metade da sociedade civil, e independente do gabinete do secretário de Cultura, para analisar os projetos. Há discussão coletiva, transparência no processo: os projetos são amplamente debatidos e analisados. Quando se recebe 1.800 projetos e aprovam-se 500, isso gera uma discussão brutal, principalmente no tocante à distribuição territorial dos recursos, porque a tendência seria focar na capital e nas grandes cidades, onde existem produtores mais ambientados com a formatação de projetos, o que contraria nossa meta de interiorização das ações e do fomento cultural.
CeM – E nos grandes artistas…
Eleonora – Esse é o ciclo vicioso histórico. Mas não é por isso que se vai desqualificar a lei de incentivo, pois é possível mudar. Nós aprovamos projetos vindos do interior por competência, ninguém fez isso pensando “ah, vamos aprovar o projeto dos coitadinhos”. No primeiro ano, quase 48% de nossos projetos já estavam no interior, onde a profissionalização também foi impulsionada. Para financiar isso, também temos o Fundo Estadual de Cultura. Nos dois editais, já foram disponibilizados, cerca de 20 milhões de reais, incluindo a categoria empréstimo reembolsável. Suficiente? Claro que não, mas o valor subiu em apenas dois anos. Além disso, estamos buscando dinheiro com outros parceiros, como BID, Sebrae… Importante ressaltar que, em 2005, quando comecei minha gestão, o orçamento do Sistema Estadual de Cultura era de aproximadamente R$ 57 milhões, passando para R$ 81,5 milhões, em 2006, e atingindo R$ 75,4 milhões até o mês de setembro de 2007, isso sem contar com os recursos da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, que em 2007 atingem R$ 36 milhões, e os do Fundo Estadual de Cultura, que neste ano somam R$ 10,2 milhões. Trata-se de uma curva ascendente que se projeta no alcance das ações que estamos desenvolvendo.
CeM – Vamos falar de TEIA, que acontece em novembro, em Belo Horizonte.
Eleonora – O projeto dos pontos de cultura precisa ser louvado como manifesto de democratização de recursos e de acesso. É preciso criar outra maneira de outros interlocutores se fazerem presentes, de se sentirem não só fruidores de cultura, mas produtores de cultura. Trata-se, ao meu ver, de um das mais emblemáticas e fundamentais iniciativas da gestão do ministro Gilberto Gil.
CeM – A própria TEIA é uma experiência de política pública, como expressão do programa Cultura Viva, do Minc, mas sua realização dependerá da competência da iniciativa privada. Isso põe em discussão o próprio sentido de finalidade da política pública.
Eleonora – A questão é: em que momento a sociedade civil a incorpora. Ou o que é um programa governamental deixar de sê-lo e realmente ocorrer a sustentabilidade do mesmo. É preciso apostar que o protagonismo vem evidentemente na mudança de perfil, com gente nova, sendo formada com outra cabeça.
CeM – Além da secretaria, o governo de Minas e o governador Aécio estão comprometidos com essa transição de poder?
Eleonora – O que acontece na área da cultura acontece também em outras secretarias. Nós reconhecemos a oportunidade, a estratégia e a pertinência do momento. Nós não temos um envolvimento com a Teia no sentido superficial, que indique que nós apenas vamos dar um aparato burocrático oficial. O governador Aécio tratou do assunto com o próprio ministro Gilberto Gil. E a Secretaria de Cultura é parceira efetiva no esforço de realização da TEIA em BH e de outras iniciativas do Minc.
CeM – E como se dará o envolvimento do governo mineiro com a Teia?
Eleonora – Nós estamos profundamente interessados nas discussões, nos fóruns, no que se deriva da Teia. Isso não é uma questão partidária, é suprapartidária e fundamentalmente importante para a área da cultura no Brasil. Então, isso merece um engajamento de todas as partes. A discussão da cultura deve se dar no território democrático da diferença, da pluralidade crítica, sem preocupação com unanimidade ou com totalitarismo.
Eduardo Carvalho
Eduardo Carvalho está coordenador de comunicação da Teia 2007 e é membro do Conselho Editorial de Cultura e Mercado.