Em palestra provocativa no II Fórum de Cultura e Cidadania Corporativa, Ministro defende as alterações na Rouanet e dá o recado para empresas, produtores e gestores culturais

O Ministro da Cultura Gilberto Gil fechou na última segunda-feira o II Fórum Nacional de Cultura e Cidadania Corporativa, em São Paulo. Tendo como tema “Política pública: desafio compartilhado”, ele fez uma palestra que sintetizou o estado atual da cultura no Brasil e os novos rumos que o Ministério da Cultura (Minc) vem tentando imprimir. A julgar pelos aplausos entusiasmados ao final, ele impressionou positivamente o público presente, com quem o ministro ainda debateu algumas questões.

Boa parte da palestra foi centrada na atuação das empresas na área cultural. Para ele, é preciso disseminar a idéia de investimento em cultura como um exercício de cidadania corporativa. Segundo o ministro, esses investimentos vêm sendo tratados como marketing, aproveitando as leis de incentivo fiscal “para patrocinar ações isoladas ou pontuais, que de modo geral, se esgotam em si mesmas” e emendou: “A maioria ainda age segundo um modelo superado”.

Na seqüência, ele afirmou que as empresas deveriam seguir uma política de patrocínios através de editais públicos de seleção de projetos. “O que eu estou propondo é que as empresas assumam o investimento em cultura como algo essencial, e não secundário, de sua vida empresarial, de sua relação com a sociedade, de seu papel no desenvolvimento do país.”

A busca de novos paradigmas de investimento para além do marketing cultural, assunto bastante debatido durante o Fórum, também se revelou na fala do ministro. “O conceito de Arquitetura Cultural se aproxima muito do que eu estou propondo. Esta idéia se articula também com outra que venho defendendo desde o início da minha gestão: a idéia de que a gestão cultural e as políticas públicas de cultura devem ser compartilhadas entre o Estado, a iniciativa privada, o terceiro setor e a própria sociedade.”

Mas um reposicionamento dos investimentos em cultura não significa abandonar os ganhos em visibilidade, segundo Gil. “A produção cultural também é uma excelente ferramenta de comunicação e marketing, um amplificador de marcas e produtos e uma fonte de imagem limpa, rica e positiva para empresas em busca de construção, consolidação ou renovação de marca.” Ele complementou que os benefícios aos patrocinadores são aumentados quando seguem atendem ao interesse público. “Ampliar mercado não é só fazer propaganda na televisão”.

Ele citou algumas empresas que segundo ele, modernizaram sua atuação na cultura: Pão de Açúcar, Usiminas, Petrobrás, Aracruz, Telemar e Avon, que acaba de lançar sua política de investimento sociocultural. “Quero que mais e mais empresas possam investir na cultura brasileira usando o benefício do incentivo fiscal, combinado com recursos próprios. Quero que as empresas brasileiras aumentem e qualifiquem seus investimentos em cultura.” E disse que a diversidade da produção cultural brasileira oferece variadas oportunidades de patrocínio, dando alguns exemplos: “Pode-se investir em capacitação, em reflexão, em produção e em circulação de espetáculos, obras e exposições.”

Gil sugeriu ainda que as empresas terceirizassem para profissionais especializados a formulação de sua política de investimentos, assim como a avaliação de resultados, e pediu aos gestores culturais que se capacitem para oferecer esses serviços às empresas, “de modo qualificado e competente o bastante para gerar resultados”.

Os produtores culturais também receberam um recado: “preparem-se para as mudanças que, a partir do Estado ou da iniciativa privada, são inevitáveis, e, mais do que isso, desejáveis, de modo a produzir bens e serviços culturais que sejam igualmente positivos para os artistas, para as empresas e para o público.”

Sobre o papel fundamental do Estado, Gil disse que são quatro: formular políticas que possam servir de parâmetro para todos, articular os diversos setores, viabilizar mecanismos de incentivo e zelar pelo interesse público. Afirmou ainda que o Brasil é um país onde o Estado incentiva o investimento privado em cultura através das leis de incentivo, mas que estas podem ser melhor usadas, e que o Ministério da Cultura vem tentando oferecer caminhos, ainda que em pequena escala, aos desafios que a globalização impõe.

O ministro salientou que a diversidade cultural brasileira é o principal diferencial do país no mundo globalizado (“se você quer ser universal, fale de sua aldeia”) e que é preciso disseminar a idéia de que o patrimônio cultural nacional – material e imaterial – um fator diferencial que precisa ser aproveitado pelas empresas. “Ainda não fomos capazes de rentabilizar os ativos culturais do país”, ele reconheceu, dizendo que o contexto atual é bastante favorável para isso. “A globalização e o avanço tecnológico criam oportunidades fantásticas para que o Brasil incorpore a cultura ao seu projeto de desenvolvimento pleno”.

A Economia Criativa foi outra pauta na palestra de Gilberto Gil, que citou dados que demonstram que essa é a atividade econômica com maior potencial de crescimento nos próximos anos, e que o Brasil precisa se situar nesse cenário. “Me parece óbvio que podemos e devemos atuar primordialmente como produtores e exportadores de conteúdos culturais, e não apenas como consumidores.” Ele ainda questionou: “Há algo que tenha mais a cara da Era do Conhecimento do que a Economia Criativa?”

A importância da cultura como estratégia de desenvolvimento foi sintetizada pelo ministro: “Quando incentivamos a economia da cultura no Brasil, valorizamos os artistas e os eventos locais, apoiamos a exportação de bens culturais brasileiros, estimulamos a cidadania cultural das empresas, promovemos a inclusão digital, fomentamos a participação e estimulamos o software livre e a flexibilização dos direitos autorais e da propriedade intelectual.”

Sobre o recente decreto que alterou a Lei Rouanet, Gil rebateu as críticas de que as mudanças teriam sido apenas “cosméticas”, afirmando que falta qualificar a crítica, e que os pontos do decreto não foram avaliados em seus avanços. E ainda respondeu de maneira bem humorada: “O que seriam das mulheres se tivessem que largar os cosméticos para fazer cirurgia plástica? Os cosméticos também não têm seus atributos?”

O ministro adiantou que o Minc está na fase final de criação de um “ticket cultural”, seguindo um exemplo do Japão, e que isso pode ajudar as empresas a terem um papel importante na democratização do acesso à cultura. Informou ainda que o Minc fez uma parceria com empresas de construção civil para erguer bibliotecas em municípios com até 50 mil habitantes, em um exemplo da parceria público/privada que o Ministério quer fomentar.

Leonardo Brant, presidente da Brant Associados, que coordenou a mesa do Ministro, disse estarmos frente a um momento histórico, em que finalmente a fala do ex-ministro da Cultura Francisco Weffort, de que “cultura é um bom negócio” foi oficialmente corrigida. Nas palavras do Ministro Gil, “Cultura é um bom negócio, mas que seja para todos”.


editor

1Comentário

  • Marta Gil, 12 de maio de 2006 @ 17:15 Reply

    Amigos,

    Acho que temos um avanço, nest fala do Ministro.

    Porém, há uma pergunta que não quer se calar: quem cabe no “todos” do Ministro, parafraseando Claudia Werneck, jornalista e dirigente da ONG Escola de Gente, que atua na área da Deficiência.

    Penso, aqui, no segmento de 15% ds pessoas com deficiência, neste país, que são “invisíveis”…

    Abraços,

    Marta Gil

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *