No Ceará, crítica de dança compara França dos anos 80 com o Brasil hoje; ?dinheiro deve ser reconduzido para o poder público e não para a mesa do gerente de marketing?Por Deborah Rocha
De Fortaleza
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12/11/2003
Uma das palestras ?solo? mais aguardadas da 4ª Bienal de Dança do Ceará, ?Políticas Públicas para a Dança? contou com a presença de Helena Katz, crítica de dança e professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC/SP, numa programação que recebeu 22 espetáculos do Brasil e da França. Diante de uma platéia interessada, a ?intérprete? comentou a fase de reestruturação do Ministério da Cultura e foi incisiva: ?A hora é agora?, disse referindo-se à criação do conjunto de ações que dá nome ao encontro. ?Não houve no Brasil momento mais propício do que agora para pensar políticas públicas?, sublinhou na tarde de sábado, dia 8. Por outro lado, advertiu: ?Isso só acontece se houver organização local. Não pode vir de cima para baixo?.
Anos 80 na França
No Brasil, especificamente na área em questão, essa organização coletiva (?que o governo já começa a aceitar?), segundo ela, pode ser vista em diversos estados ? e até mesmo em estágios mais avançados, como é o caso do Paraná e Rio de Janeiro. Mas antes de se fixar no caso brasileiro, Helena foi até a França da década de 80, quando por doze anos ocuparam cargos do governo François Mitterand e Jacques Lang. ?Por que na França deu tão certo??, é a sua primeira pergunta. E mais do que isso: essa premissa ainda é válida hoje? A resposta é não. Para a crítica de dança, ?nem pensar?. Apesar de, na época, a dupla ter implementado um modelo ?novíssimo? de gestão cultural para a área da dança, criando centros coreográficos e distribuindo os novos coreógrafos por regiões, o tempo passou e algumas conclusões desfavoráveis pudereram ser tiradas.
Tijolos
A ?solução geográfica?, que teve a intenção de descentralizar as companhias de dança da capital francesa, foi benéfica até certo ponto. Alguns anos mais tarde, porém, sem verba suficiente para dar continuidade aos custosos centros coreográficos, os novos grupos que foram surgindo ao longo do tempo, novamente não encontraram espaço para se manterem. Assim, dos anos 90 para cá tem-se questionado a grandiloquência, principalmente arquitetônica, do modelo francês por seu alto valor de custo e menos ambicioso resultado prático. (Ação, que, aliás, nas palavras de Helena, está sendo aplicada no Centro Coreográfico do Rio de Janeiro). ?É muito dinheiro para algo que não é a produção. E o que é novo não está lá?, diz Helena. ?Quem está precisando, não consegue chegar ao mercado?.
Políticas para a dança
De volta ao Brasil, a palestrante compara: ?Não precisamos de tijolo e cimento, mas do que está dentro?. Não de prédios novos, mas de revitalizar os que já existem. Neste sentido, enumera algumas ações essenciais para a criação de políticas públicas para a dança: em primeiro lugar, deixar clara a distinção com as artes cênicas, o que gera uma promiscuidade que ?sempre foi desfavorável para a dança?, e em seguida, criar programas específicos, como o de incentivo à primeira criação, o de apoio à grupos e o de patrocínio à passagens aéreas, para ficar em alguns exemplos. Além disso, reitera, ?a luta é por organizações que garantam que do orçamento (geral da União) algo vá para a cultura?.
Cultura com fundo
?O esporte não tem lei e vai muito bem, obrigada. Há de haver uma razão para a cultura não estar indo muito bem obrigada?, reflete. Defendendo a idéia de que o dinheiro (das estatais) deva ser reconduzido para o Ministério da Cultura, e não para a ?mesa dos gerentes de marketing?, Helena se diz a favor da criação de fundos para a cultura. Para ela, tal ação diluiria a ?disputa de todos pela mesma coisa?. Desta forma, antes de mais nada, é preciso revitalizar o MinC em termos de financiamento para depois pensar em que política pública a dança quer. O que, como já foi mencionado, só acontece com organização, ?regra básica do sistema vivo?.
Passos no Brasil
Mas apesar do caminho ainda ser longo, algumas ações já podem ser vistas pelo Brasil, geralmente nascidas de ?encontros espontâneos de quem já estava com a corda no pescoço?. É o caso do movimento Arte Contra a Barbárie, que criou a Lei de Fomento ao Teatro de São Paulo, e do Mobilização Dança, também paulista, que irá investir a verba de R$ 1 milhão garantida para 2004 na a criação da sua lei de fomento, nos moldes da existente para o teatro. Outros movimentos de organização também destacam-se em Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Recife e Florianópolis, além do Fórum Nacional de Dança, em escala ampliada, que luta contra o corporativismo ilícito patrocinado pelo Conselho Federal de Educação Física. ?É chato ir a reuniões; todos temos muita coisa para fazer. Mas se não formos, depois não vai ter muita coisa para fazer?.
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