Tivemos, recentemente, a publicação de um parecer jurídico envolvendo a ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO,  a CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO e a CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA sobre a questão de impostos e tributações em projetos culturais que, efetivamente, tira da frente diversas dúvidas e estabelece um novo parâmetro jurídico efetivo sobre a questão que sempre foi uma sombra sobre os projetos culturais. Afinal de contas, ao receber um recurso de fomento à cultura ou uma premiação por trajetória artística, esse recurso tem ou não tem que ser tributado?

O PARECER nº 235/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU¹, resultado de consulta feita a partir de questões que vieram à tona na aplicação da Lei Paulo Gustavo, explicita algumas questões fundamentais acerca de cobrança de ISS em municípios, Imposto de Renda sobre fomento cultural e tributação sobre Premiações Culturais à pessoas físicas.

Um ponto importante, que viabilizou o caminho da consulta e marcou um território mais definido das características específicas do fazer cultural é o novo Decreto de Fomento, o Decreto 11.453/2023², promulgado no início do novo governo e que veio, em certa medida, corrigir interpretações extremamente equivocadas do governo anterior sobre o fazer cultural, e ao mesmo tempo, colocar com precisão algumas definições que estavam sendo misturadas em diversas instâncias de governo e aplicação de recursos.

O decreto coloca duas definições muito fundamentais: Fomento Cultural é o recebimento de um recurso para uma realização futura de uma ação pactuada com o governo que abre um chamamento público e que vai seguir algo acordado entre as partes a partir de um projeto. Premiação Cultural é o reconhecimento de uma trajetória artística de um espaço, grupo, coletivo ou trabalhador, por aquilo que já fez pela cultura e não pode exigir realizações posteriores, ou seja, somos premiados por aquilo que já fizemos, e não podemos ser obrigados a realizar mais alguma coisa depois.

A Lei Paulo Gustavo – LPG – trouxe como sua base de realização este Decreto de Fomento e, a partir disso, por colocar também, na LPG, os recursos de premiações com o status de doação, houve essa consulta do MINC aos órgãos de controle para estabelecer os parâmetros de tributação equânime para todos os trabalhadores e entes federados e tirar qualquer dúvida sobre o assunto, haja visto todos os problemas e interpretações diversas ocorridas anteriormente na Lei Aldir Blanc I.

Este é o contexto sobre o qual foi elaborado o parecer 235/2023, que sugerimos todos lerem, se apropriarem, difundirem e orientarem seus governos locais e que façam a leitura e sigam as orientações jurídicas ali estabelecidas. Trazendo dois destaques específicos:

Sobre recursos para ações futuras: 

Sendo certo que o mero repasse de valores aos beneficiários para execução de projetos não pode ser feito em benefício próprio, mas para uma ação cultural fomentada, não há que se falar em acréscimo patrimonial passível de tributação. E tal conclusão independe de se tratar de fomento cultural promovido com recursos da Lei Paulo Gustavo, de forma descentralizada por estados e municípios, ou quaisquer outras fontes orçamentárias, por qualquer ente da federação,desde que se trate de repasse caracterizado como fomento cultural, na forma do Decreto nº 11.453/2023.

Traduzindo o juridiquês: “Quando recebemos um dinheiro para executar uma ação cultural futura não deve haver imposto na entrada do recurso. A saída destes recursos de nossa conta do projeto sim, deve ser realizada com os devidos documentos fiscais que podem ser tributados.”

Sobre premiações culturais para pessoas físicas:

“Portanto, entendo haver respaldo jurídico suficiente para que, com base no art. 6º, XVI, da Lei nº7.713/1988, cumulado com o art. 41 do Decreto nº 11.453/2023, sejam considerados isentos os rendimentos decorrentes de quaisquer premiações concedidas no âmbito da legislação de fomento à cultura.”

Traduzindo o juridiquês: “Premiações culturais, prêmios, bolsas no âmbito cultural são isentas de tributação, por terem caráter de doação”. Premiações pessoa jurídica devem checar as condições pelo tipo de PJ junto à um contador.

E mais, o parecer abrange qualquer ação no âmbito da cultura que tenha como referência o Novo Decreto de Fomento – Decreto nº 11.453/2023 e vale para qualquer instância de governo municipal, estadual ou federal, ou seja, mesmo quando uma iniciativa cultural acontecer após a Lei Paulo Gustavo ou em outro escopo de legislação, o parecer pode ter validade desde que o objeto em questão tenha a característica formal de Fomento ou Premiação estabelecidas pela forma dada no decreto de fomento, valendo mesmo para programas ou prêmios culturais de estados e municípios com legislações próprias.

Agora temos instrumental jurídico para reivindicar um modo específico de tributação em projetos culturais, no momento de receber os recursos. Para a execução sempre pegar notas e documentos fiscais para retirar o dinheiro do projeto para repassar a um prestador de serviço ou alguma compra de qualquer natureza. 

Leiam estes dois documentos que fundamentam este entendimento, que apaziguam e padronizam um entendimento que há anos vem sendo motivo de dúvidas por parte dos trabalhadores e dos gestores e que já trouxe inúmeros prejuízos financeiro, principalmente nas pontas, que sempre acabam tendo que pagar a conta e ter seu CPF ou CNPJ bloqueados. Finalmente saiu um parecer explícito sobre a situação de tributos em projetos culturais e devemos fazer com que todos saibam de sua existência e seu conteúdo. Divulguemos as boas notícias para o setor.

 

¹ https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/lei-paulo-gustavo/Parecer235.2023ImpostosnaLPG.pdf

² http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11453.htm

 

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do Cultura e Mercado

Artista-produtor, Mestre em Comunicação e Semiótica (2007) e Graduado em Comunicação das Artes do Corpo (2004), ambos pela PUC-SP. Atua profissionalmente como produtor há mais de 20 anos. Em 2012 fundou a Cais Produção Cultural, produtora com a qual desenvolve os projetos com artistas de teatro, dança, circo, musica e outros. Participou do Grupo de Trabalho de Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo para Elaboração e Implementação dos Projetos ligados à Lei Aldir Blanc.

3Comentários

  • Iza Souza, 26 de outubro de 2023 @ 9:57 Reply

    Eu já questionava sobre essa tributação. Os impostos eram ou sao recolhidos 2x. Obrigada.

  • Vítor Freire, 27 de outubro de 2023 @ 8:05 Reply

    Olá! Obrigado pelo artigo. Se as premiações são isentas de tributação, isso abre alguma brecha para se modificar a regra colocada na atual distribuição de recursos da Lei Paulo Gustavo pela Prefeitura de São Paulo? Pois nas regras lá, foram bem explícitos que aqueles que ganharem premiações terão o valor já descontado de IR.

  • Aline, 6 de janeiro de 2024 @ 14:05 Reply

    E qdo já houve o desconto? Há o que fazer?
    E o edital de Hiphop, que no próprio edital dizia que PF haverá desconto de 27% de IR?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *