O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) traz medidas de incentivo à produção de semicondutores (chips) e equipamentos de TV Digital. Mas há um longo caminho da criação de condições à efetivação dessas indústrias no Brasil.

Entre o amplo conjunto de desonerações previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado pelo governo na semana passada, estão medidas que visam incentivar a indústria de semicondutores (chips), displays e equipamentos de transmissão de sinal digital de TV. Segundo o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan, as iniciativas vão dar condições ao Brasil para brigar pelos investimentos internacionais voltados à produção destes componentes. “Com o PAC, nosso País começa a fazer parte dessa rota e passa a ter capacidade competitiva”, destacou durante coletiva aos jornalistas realizada no dia do anúncio.

Mas para especialistas e pesquisadores do tema, a criação dos programas de apoio ao desenvolvimento tecnológico das indústrias de semicondutores e de equipamentos de TV digital (Padis e Patvd) apresentam fragilidades e dependem fortemente de outras variáveis para que haja resultados concretos no fortalecimento de uma indústria nacional nestes setores.

Os semicondutores são chips aplicados em diversos campos da microeletrônica, indo dos microprocessadores utilizados na informática até a indústria automobilística. Para estes componentes, bem como para o caso de displays, o PAC prevê durante 15 anos redução à zero das alíquotas do Imposto sobre o Produtos Industrializados (IPI), a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (PIS/Pasep/Cofins) e este mesmo tributo na sua modalidade importação.

A isenção será aplicada também à Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) no caso de remessa de lucros ao exterior oriunda de uso de marcas e patentes, com o prazo variável entre 12 e 16 anos. O benefício será dado para empresas que produzam no país e invistam em pesquisa e desenvolvimento (P & D) nesta área.

De acordo com o secretário de desenvolvimento da produção do MDIC, Antônio Sérgio Mello, dentro do quadro de tendência de concentração de investimentos em semicondutores no Japão, EUA e Europa, o propósito maior da medida provisória que cria o Padis é “criar uma isonomia com os principais países que hoje se habilitam a atrair indústrias de semicondutores”.

Mas há um caminho grande e cheio de percalços da criação de condições à efetivação de uma indústria de semicondutores no Brasil. Para Ricardo Benetton, diretor de TV Digital do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), é preciso que haja, juntamente com a desoneração, um plano de implantação da cadeia produtiva que garanta qual modelo de negócios vai ser adotado, incluindo para quem os produtos serão vendidos. Este último “detalhe” é fundamental, acrescenta Benetton, pois a indústria de semicondutores trabalha com quantidades enormes e um pólo produtor dificilmente se sustenta sem ter uma rede de compradores para além de seu mercado interno.

A preocupação de Benetton, que coordenou os trabalhos técnicos do centro entre 2003 e 2006 no subsídio ao comitê de desenvolvimento do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), é amplificada pela falta de perspectivas até agora dos prometidos investimentos em semicondutores que empresas japonesas fariam no Brasil como parte da negociação que resultou na adoção da tecnologia nipônica para a TV digital aberta no Brasil. Apesar de saudado como grande êxito, o investimento japonês e a sonhada instalação de uma fábrica de semicondutores até agora não apareceram sequer enquanto projeto.

Para Gustavo Gindre, pesquisador da UFRJ na área de TV Digital e integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil, o buraco é bem mais embaixo. Enquanto o Brasil continuar utilizando como parâmetro os Processos Produtivos Básicos (PPB), criados durante o governo Collor, não haverá criação de uma indústria nacional de semicondutores. Os PPBs consistem na instalação de empresas estrangeiras em território nacional que trazem a parte majoritária dos componentes de fora.

Assim, o país se restringe ao papel de montador de kits prontos e acaba conseguindo baixa efetividade na transferência de tecnologia, elemento essencial para a criação de uma indústria nacional em um setor ainda pouco denominado. “Um projeto como este continua trabalhando com a noção da primeira revolução industrial de que importante é reter a fábrica. É verdade que uma medida como essa melhora o desempenho de nossa balança comercial e talvez até permita ao Brasil se tornar um entreposto de maquiladoras para exportação ao restante da América Latina. Mas, isso é pouco”, critica.

“Na área de componentes ainda dependemos de muito importados e apenas montagem não alavanca indústria”, concorda Carlos Seabra, diretor de tecnologia do Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos (IPSO). Para que o Brasil não seja um reles montador, segue Gustavo Gindre, uma política agressiva de formação de mão-de-obra especializada é essencial, pois parte do valor agregado presente na produção de chips está hoje no design destes componentes. “A questão da mão-de-obra é fundamental. Fábrica aqui com mão de obra de fora que vantagem tem?”, questiona Ricardo Benetton. Segundo Antônio Sérgio Mello, do MDIC, já há um investimento de verbas em pesquisas nestas áreas nas universidades, quadro que deve melhorar com o início da chegada de investimentos no país.

TV digital
Se a perspectiva de uma indústria nacional na área de semicondutores já se mostra com nuances, no caso dos equipamentos de transmissão para TV digital a situação é mais incerta. As alíquotas incluídas no PATVD são as mesmas do PADIS (PIS/Pasep/Cofins, IPI e Cide), além de empresas que invistam no mínimo 5% de seu faturamento bruto em pesquisa e desenvolvimento no setor. Na avaliação de Ricardo Benetton, se a política para este setor se restringir às medidas do PAC, a tendência é garantir a transição para a tecnologia digital com base na facilitação da importação de equipamentos de transmissão, e não no fortalecimento da indústria nacional.

Segundo o diretor do CPqD, há algumas empresas que vem ganhando mercado, mas não possuem escala suficiente para abastecer a demanda das emissoras e nem condições de competir com produtos importados agora a um preço mais acessível. “Acho que governo deveria dar algum tipo de incentivo, adequando o calendário [de implantação da TV digital no País] para que elas tenham condição de produzir, bem como estabelecer cotas para indústria nacional, regras que possibilitem que radiodiodifusores nacionais comprem equipamentos nacionais”, defende.

A vigorar a desoneração e este quadro, o PATVD pode acabar sendo apenas um programa de auxílio para diminuir os custos dos radiodifusores sem aproveitar as potencialidades de incorporar ao parque produtivo nacional este que está se tornando um dos setores de ponta da economia do conhecimento em escala global.

Jonas Valente – Carta Maior


editor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *