Em entrevista ao Cultura e Mercado, o Vereador Nabil Bonduki fala do seu projeto de lei que visa oferecer financiamento a produtores culturais excluídos do mercadoEntrevista a Sílvio Crespo

De um modo geral, por que o senhor acha que a Lei Mendonça não está sendo capaz de atender às necessidades do mercado cultural?

Acho que não se trata de falar em mercado cultural, mas em produção cultural, que vai muito além daquilo que está no mercado. Hoje, no Brasil, a produção cultural que não está inserida no mercado acaba tendo grandes dificuldades para realizar-se. Objetivamente, as leis de incentivo à cultura, por obrigarem o produtor cultural a captar recursos junto a empresas interessadas em seu marketing, marginalizam uma grande parte da produção cultural brasileira, que fica excluída da possibilidade de obter financiamento.

Além disso, as leis de incentivo, por serem baseadas em renúncia fiscal, reduzem a capacidade do Estado de financiar cultura, que seria uma forma de atender às necessidades da diversidade cultural que existe no Brasil. A idéia é canalizar uma porcentagem dos recursos para um fundo municipal de cultura, o Fepac, com a função de financiar os projetos que não tiveram o benefício da lei. Assim, projetos culturalmente relevantes que estavam excluídos do mercado terão oportunidade de obter financiamento.

O seu projeto de lei, ao mesmo tempo em que aumenta o benefício fiscal de 70% a 100% do valor investido, estabelece uma taxa, sobre o investimento da empresa, que será destinada ao fundo de cultura. Por que a necessidade de aumentar o benefício e taxar o empresário, em vez de estimular o poder público a financiar diretamente esses projetos marginalizados?

Se o empresário não tivesse 100% de renúncia fiscal, o imposto que ele paga iria para o poder público, mas não necessariamente para o Fundo de Cultura. Com a taxa, o dinheiro vai diretamente para o Fundo, e a cultura pode obter mais recursos do que obteria através de impostos.

Além disso, há empresários que maquiam a contrapartida de modo que ela não exista na prática. Eles inflam o orçamento para que possam financiar o projeto com apenas 70% do orçamento, de modo que não precisem pagar os 30%. Com a nova sistemática, será eliminada essa possibilidade.

Com o aumento do benefício, a participação da iniciativa privada no financiamento da cultura será reduzida em relação à do poder público?

O Estado vai contribuir com uma parte maior sim, mas muitos produtores que não têm acesso a recursos hoje vão passar a ter. Isso considerando aqueles produtores que de fato entravam com dinheiro do seu bolso, excluídos da renúncia fiscal. Como os investimentos em cultura pelas empresas não são capazes de atender ao total da produção cultural brasileira, é necessário um mecanismo como aquela taxa.

Mas a existência de uma taxa sobre o que será investido não pode criar uma resistência por parte do empresariado em relação ao investimento em cultura, na medida em que ele não conhece de antemão o destino do dinheiro que saiu do seu próprio caixa?

O empresário não conhece o destino de antemão, mas existe um controle sobre o Fundo, com um conselho de que seleciona os projetos e exige prestação de contas, de modo que o empresário saiba onde é empregado seu dinheiro. O empresário continuará patrocinando os projetos de seu interesse, mas também um conjunto de outros produtores selecionados.

Se o mercado não tem interesse em um determinado projeto, quem será indicado para afirmar se esse projeto é ou não relevante culturalmente, e se ele merece ou não financiamento?

A idéia é que se tenha um conselho de pessoas da área cultural capacitadas para discutir o valor cultural dos projetos. O fato de o mercado ter ou não interesse não quer dizer necessariamente que o projeto tenha ou não valor. Tome-se como exemplo os Racionais MC. Hoje o mercado tem interesse neles, mas há oito anos eles não tinham acesso às leis de incentivo à cultura porque não tinham acesso a empresas. Se esse projeto de lei já estivesse em vigência, eles provavelmente obteriam financiamento através do Fepac.

Nós buscamos sobretudo obter recursos para patrocinar grupos, principalmente da periferia, que têm valor e potencial, mas não têm acesso nem interesses ligados ao mercado.

Os projetos beneficiados pelo Fundo são, em última instância, financiados por patrocinadores de outros projetos. Esses patrocinadores terão direito, então de anunciar nos projetos financiados pelo Fundo?

Isso ainda será estudado, mas eu não vejo nada contra a divulgação do nome das empresas que contribuíram para o Fundo.

Alguns pontos do projeto penalizam instituições sem fins lucrativos vinculadas ao patrocinador, como o Itaú Cultural, por exemplo. Qual o motivo dessas penalidades? Essas instituições têm prejudicado de alguma forma o mercado cultural no Brasil?

Esses institutos não estão sendo penalizados. Ao contrário, eles funcionam como uma espécie de marketing para as empresas vinculadas, que são instituições altamente lucrativas. Esses institutos são mantidos através de renúncia fiscal das empresas. Quando resolvemos destinar 50% dos recursos de renúncia fiscal ao fundo de cultura, permitimos à empresa obter, para uma instituição com a qual é casada, 50% do imposto. O poder público está abrindo mão de 50% do imposto do Itaú, por exemplo, para destinar ao Instituto Cultural Itaú. Como esse instituto já tem um patrocinador forte, resolvemos direcionar parte dos investimentos da empresa para outras atividades culturais.

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