Rogério Santos aproveitou o fenômeno dos blogs para criar um sobre indústrias culturais. Ele fala sobre o panorama desse setor em Portugal

O português Rogério Santos aproveitou o fenômeno dos blogs e em 2002 criou o seu, “Indústrias Culturais”, para falar especificamente de um assunto raro nesse segmento da internet. Professor de Comunicação na Universidade Católica Portuguesa, ele também é vice-presidente do CIMJ (Centro de Investigação Media e Jornalismo) e  autor de livros como “A Negociação entre Jornalistas e Fontes” (Minerva, 1997), “Os Novos Media e o Espaço Público” (Gradiva, 1998), “As Vozes da Rádio, 1924-1939” (Editorial Caminho, 2005) e “A fonte não quis revelar” – um estudo sobre a produção das notícias”, a ser publicado neste ano. É ainda co-autor de “O Estudo do Jornalismo Português em Análises de Caso” (Caminho, 2001) e “Rumo ao Cibermundo?” (Celta, 2000). Entre 2003 e 2005 foi director da revista MediaXXI.

CeM: Como surgiu a idéia de fazer um blog focado nas indústrias culturais?

RS: O blog começou como uma ferramenta de apoio aos meus alunos de mestrado, pois leciono uma disciplina chamada “Novas tecnologias e indústrias culturais”. Quando acabavam as aulas, sentia que uma ou outra matéria não fora dada convenientemente, e eu escrevia alguns apontamentos. À medida que os meses foram passando, alarguei a temática inicial para outros assuntos ensinados e discutidos na universidade, como consumos culturais, análise de notícias, alguma contextualização da publicidade e leitura de livros. Comecei a receber informações de leitores, e até envio de livros, alguns deles das áreas em que trabalho.

Ao mesmo tempo, estendi o conceito de indústrias culturais, seguindo textos de Patrice Flichy, Bernard Miège, Enrique Bustamante e David Hesmondhalgh (formas culturais reprodutíveis e mercantilizadas em série) ao de indústrias criativas, na senda de John Hartley, de modo a abranger atividades como teatro, turismo e consumos em centros comerciais.

Com o decorrer dos anos, fui conhecendo a rede de blogueiros nas áreas de jornalismo e cultura, através de colóquios e almoços ou jantares em vários pontos do país. Mais recentemente, um convite vindo de Santiago de Compostela para participar de um congresso de livreiros me permitiu teorizar melhor sobre o assunto.

CeM: Qual o panorama atual das indústrias culturais em Portugal?

RS: A indústria do livro atingiu um bom momento, apesar dos problemas econômicos. Vende-se muita literatura light e autores como Paulo Coelho e Dan Brown. Mas as ciências sociais e humanas, principalmente no jornalismo e nas ciências da comunicação (incluindo a edição de revistas), também são áreas em desenvolvimento, embora com tiragens pequenas (500 a 1.000 exemplares). No campo dos jornais, há um recuo idêntico ao de outros países europeus e dos EUA. Considera-se que o recente fenômeno dos jornais gratuitos (Metro à frente) e da internet tiraram leitores dos jornais pagos. Está havendo um debate público, em que os empresários e os acadêmicos explicam a tendência de queda e buscam encontrar antídotos (muito em breve sairá um livro, coordenado por Paulo Faustino, onde se analisa a imprensa portuguesa e o impacto do alargamento da União Europeia para 25 países). Curiosamente, a “imprensa cor-de-rosa ou de coração” (ligadas a programas de televisão e fofocas de personalidades fabricadas na televisão) tem tido sucesso.

No território da indústria fonográfica, a porcentagem de música portuguesa é pequena em comparação com a produzida fora do país, para além da pirataria, problema que corrói toda a indústria, como ocorre em todo o mundo. Recentemente, foi promulgada uma lei para execução obrigatória de cotas de música portuguesa nas rádios. A música brasileira tem muito acolhimento em Portugal, ajudada pelas novelas e por shows (como o Rock in Rio – Lisboa, em que há artistas como Yvete Sangalo, Pitty, Marcelo D2 e Jota Quest). O rádio é um meio muito pulverizado, principalmente pelas estações locais (cerca de 350, igual ao número de municípios). O investimento publicitário – fundamental para o bom exercício de um meio de comunicação – fica abaixo do investimento na televisão, jornais e outdoors.

A televisão é o meio mais consumido em Portugal, principalmente os canais abertos. Mas os canais a cabo têm entre 10 e 15% de audiência. Novelas (brasileiras na SIC e portuguesas na TVI, as duas emissoras privadas), reality-shows (o Big Brother foi um sucesso em todas as edições) e concursos são os favoritos, em especial no horário nobre.

CeM:  Existe uma indústria audiovisual em Portugal? Como esse setor vem sendo financiado e qual a média de filmes produzidos anualmente no país?

RS: O cinema ainda é muito encarado como arte e não indústria cultural, e tem tido problemas de exibição e de número de espectadores. Sendo uma atividade cara, os doze a catorze filmes produzidos anualmente são apoiados por uma entidade estatal, o ICAM (Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimedia).

CeM:  Apesar da proximidade lingüística, o Brasil ainda tem pouco acesso à cultura portuguesa. Não faltam mais ações de intercâmbio cultural entre os dois países?

RS: Faltam, apesar da permanente boa-vontade expressa por dirigentes políticos de ambos os países. Os livros, por exemplo, chegam ao mercado do outro país a preços elevados, devido aos impostos alfandegários. E os preços do livro português no Brasil aumentaram após a introdução do euro no nosso país (que aliás, aumentou os preços em geral). Já no território da música e do teatro, no lado português, isso não se nota, uma vez mais devido à continuidade de exibição das novelas da Globo, vistas desde 1977, quando a televisão ainda transmitia em preto e branco e era estatal. No teatro também tem havido boas produções, principalmente apresentadas em Lisboa e com sucessos consideráveis. Como exemplo, Miguel Falabella e Cláudia Raia fizeram aqui duas temporadas da mesma peça, devido ao sucesso da primeira vinda.

CeM:  Como a cultura brasileira é vista em Portugal?

RS: Muito bem. Primeiro, a língua. Depois, a alegria. Em terceiro lugar, a comunidade brasileira que vive e trabalha em Portugal. Música, novelas, jogadores de futebol, cinema (com alguns sucessos, mas menos freqüentemente) e literatura são algumas das boas exportações do Brasil para cá (certamente com desequilíbrio da balança de pagamentos para o nosso lado), seguidas pelas campanhas de turismo para o Brasil.

CeM:  Portugal foi um dos países que assinaram a favor da Convenção da Unesco sobre a Diversidade Cultural. Como está o processo interno de ratificação desse documento? A União Européia tem aproveitado devidamente sua força conjunta para combater a hegemonia cultural dos EUA?

RS: Não tenho acompanhado a discussão. Portugal é um pequeno país de grande unidade (linguística e racial), mas integrado num espaço europeu de múltiplas línguas e culturas, embora ainda relativamente isolado (apesar do cosmopolitismo de parte das suas elites e das comunidades de trabalho brasileiras e do leste europeu). No cinema, por exemplo, ao longo dos últimos anos funcionou um programa, Media, que foi depois ampliado para um segundo programa de apoio à produção cinematográfica, cujo objetivo era exatamente o apoio à diversidade. Mas a questão não está na agenda política e cultural.

s://industrias-culturais.blogspot.com


editor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *