A cooperação cultural com base na Economia Criativa traz novos modelos de desenvolvimento e inovação no fazer cultural
Em maio de 2007, será realizado o V Campus Euroamericano de Cooperação Cultural, em Almada, Portugal. Ao escrever algumas sugestões de temas e palestrantes, percebi que alguns fatores são chave para a cooperação cultural e gostaria de compartilhar a reflexão (pedindo licença para ser um tanto didática desta vez).
O Foco
Antes de mais nada. é importante ter consciência que as dificuldades encontradas nas várias áreas da cultura são muitas vezes semelhantes entre si, sendo principalmente ligadas à questões de:
1) Distribuição e fluxo – não apenas de bens e produção cultural, como de idéias e melhores práticas. Geralmente enfatizamos muito a produção, mas a grande questão é garantir a circulação, pois se existe fluxo, a produção automaticamente fica favorecida.
2) Acesso – como tornar visíveis ações e oportunidades e identificar quem está fazendo o quê, onde e como. Em geral, confundimos o disponível com o acessível. Assim, existe muita informação e oportunidade, mas de difícil acesso. Assim como é difícil o acesso a todos os empreendedores culturais das diversas etapas do ciclo produtivo (termo que proponho, mais abrangente do que “cadeia produtiva”) da cultura, espalhados em seus países (sem falar do mundo…)
3) Articulação – soluções só são efetivas se forem sistêmicas e ação sistêmica é dificultada pela falta de integração não só dos setores (internamente), mas das várias instâncias da sociedade que não interagem ,e portanto não conseguem otimizar recursos ou atuar sinérgica e eficazmente.
Quando enfocamos estes tópicos, temos uma perspectiva mais prática pois, compartilhando soluções encontradas para lidar com eles, teremos maior possibilidade de cooperação efetiva. Minha experiência demonstra que quanto mais focarmos em melhores práticas, maior possibilidade de cooperação e concretização efetiva.
É importante ir além de encontros e seminários onde apenas se levantam e discutem problemas e aproveitar a oportunidade do encontro para compartilhar soluções e tomar decisões práticas. Afinal, as soluções trazem em si a reflexão que as originou, com a vantagem que a prática é um passo à frente da teoria.
Economia Criativa e desenvolvimento , um modelo mais abrangente
A Economia Criativa desponta como a grande estratégia de desenvolvimento para o século XXI, oferecendo oportunidades incomparáveis não apenas do ponto de vista econômico mas também do ponto de vista social – causa matricial dos maiores problemas enfrentados pela humanidade. Para que estas oportunidades se transformem em desenvolvimento sustentado e humano e não mero crescimento econômico, é necessário repensar o modelo vigente, originário do hemisfério norte e muitas vezes inadequado ao hemisfério sul. Como uma das coordenadoras do Special Advisors Committee on Creative Economy da South South Coooperation Unit, da ONU, tenho tido a oportunidade de atuar internacionalmente na construção deste modelo, que incorpore antes de mais nada a distribuição e o acesso, uma vez que a Industria Criativa tem seu foco apenas em produção. Além disso, é importante inserir questões voltadas à inclusão social, economia solidária, uso de técnicas e saberes tradicionais, oportunidades geradas pela interface entre instituições da sociedade civil organizada e Cultura, uma área onde o Brasil tem experiência pioneiras para compartilhar.
Inovação, cultura e empreendedorismo juvenil
Apesar de ter a criatividade como essência, muitas vezes as práticas culturais são muito pouco inovadoras na forma, conteúdo, função ou gestão. Por exemplo: viver de fazer teatro através de temporadas de quinta a domingo é praticamente inviável, porém existem mil oportunidades para teatro em outros formatos, como treinamentos em indústrias ou ações em hospitais. Minha prática com governos e instituições de fomento (como o Sebrae ou PNUD) levou-me a desenvolver uma série de estratégias e ferramentas para fomentar esse tipo de inovação, fundamental para poder gerar trabalho e renda para uma crescente (e potencialmente talentosa) geração de jovens . O interessante é que através da ampliação de oportunidades que esta inovação permite, podemos também ampliar o número de pessoas em situação de cidadania plena (e conseqüentemente ampliar mercados) através da inclusão daqueles 60 a 70% da humanidade que estão em situação de exclusão. A economia criativa não apenas oferece condições favoráveis para uma maior mobilidade social como oferece imenso campo, ainda inexplorado, unindo interação social à geração de trabalho e renda. Isso é particularmente relevante em países com alta porcentagem de população jovem (e em sua maioria de baixa renda) cuja exclusão pode resultar em incremento de violência e desagregação.
Outro ponto onde a inovação é necessária é na relação entre as instâncias que compõem a sociedade: governo, empresariado, sociedade civil organizada e empreendedores culturais (aí incluso a academia). São necessários mecanismos e profissionais de caráter transversal que favoreçam a necessária interação, pois ação integrada leva à otimização de recursos e potencialização de resultados.
Esperamos que a cooperação com base na Economia Criativa contribua para a construção de novos modelos de desenvolvimento e para inovação no fazer cultural. E que o Brasil perceba cada vez a importância e o poder estratégico deste setor.
Lala Deheinzelin
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