A possibilidade de mudança começa na definição da pauta, que precisa ir além da agenda cultural, dizem especialistas que participaram do Colóquio Rumos Jornalismo Cultural, realizado em São Paulo pelo Instituto Itaú Cultural.

Em que medida a busca incansável dos veículos de comunicação por audiência e leitores compromete a qualidade do jornalismo? Num cenário de enxugamento de profissionais nas redações e muitas pautas impostas pela indústria cultural, como manter a independência de interesses comerciais e praticar um jornalismo comprometido com a sociedade?

Essas questões nortearam os três dias do Colóquio Rumos Jornalismo Cultural, realizado em São Paulo pelo Instituto Itaú Cultural, entre 6 e 8 de dezembro. Voltado para estudantes e professores de Comunicação Social, o encontro indica que a notícia, vista como produto de consumo, raras vezes tem a preocupação de surpreender. E isso também vale para a cultura.

Na mesa de abertura do Colóquio, sobre webjornalismo, a noção de jornalismo cultural como entretenimento foi facilmente justificada por Cuca Fromer, gerente de projetos editoriais do Portal Terra Brasil: as fofocas e os temas trash estão entre os assuntos mais procurados.

Segundo ela, o programa Big Brother é uma das grandes audiências de todos os portais brasileiros. Para manter a média de 10 mil “cliques” por minuto na capa, não interessa ter um jornalista especializado na área cultural. O Terra prefere associar-se a outros sites e blogs responsáveis por coberturas segmentadas, a exemplo do Terra Magazine e do ABC da Saúde.

Os sites parceiros, no entanto, são sempre monitorados. “Há um controle. Se ele publica algo horrível, vamos ligar e falar para tirar”, disse Cuca, destacando que o portal não admite temas muito polêmicos ou que incitem manifestações preconceituosas. A prática faz parte da estratégia para conquistar credibilidade entre os leitores, vista por ela como o principal desafio da Internet. Mesmo procurando equacionar as 40 chamadas da capa entre “o que tem audiência e o que realmente importa”, ela admite que o objetivo é conquistar todo tipo de público. “Se você tem duas horas para navegar na Internet, nós queremos essas duas horas pra gente”.

Além da alfafa
As pesquisas de audiência feitas pelos portais remetem a uma prática bastante conhecida dos veículos tradicionais. A revista Veja, por exemplo, já fazia pesquisas de opinião junto aos leitores na década de 1970. Dez anos mais tarde, segundo o jornalista e escritor Humberto Werneck, aumentou o detalhamento das perguntas com o objetivo de “recortar o leitor ideal”. Na ânsia de ser subserviente a um público específico, esses veículos preferem dar, todos os dias, o mesmo “montinho de alfafa”.

Na sua palestra sobre jornalismo cultural, Werneck lembrou que o leitor somos nós: “Temos que surpreender e desagradar, sair da leitura burocrática e medíocre”.

A possibilidade de mudança começa na definição da pauta, que precisa ir além da agenda cultural. Para Werneck, um olhar apurado para a atualidade deve ser a principal fonte de reportagens – e, neste ponto, os textos do norte-americano Gay Talese servem como referência. “Ele sempre lançava pautas inusitadas, porém tudo abaixo do seu nariz”, disse ele, retomando textos consagrados do livro Fama & Anonimato.

Lembrando períodos mais instigantes da imprensa brasileira, Werneck lembrou que toda pauta precisava se constituir como fenômeno. “É o inverso de lançar tendências, que é uma absoluta fabricação da realidade”, disse, lamentando que os jornais raramente investem em pautas que demandem investigação e longos períodos de apuração.

Os desafios apontados por Werneck não são exclusividade da imprensa brasileira. Presente na mesa sobre ética no jornalismo cultural, Pablo Guimón, editor do suplemento semanal do jornal espanhol El País, disse enfrentar problemas semelhantes. “Ao contrário de outras áreas, que devem correr atrás da notícia, o jornalismo cultural precisa escolher o que irá negar. O perigo é que suas decisões contentem mais a indústria cultural do que o leitor”, disse.

Exemplos disso são as entrevistas agendadas por assessorias de imprensa e viagens patrocinadas para shows e exposições.

Um contraponto ao debate ficou a cargo de Tutty Vasques, que mantém um blog no portal do Estadão e colabora com a revista Piauí: “A falta de ética jornalística pode ser confundida com pobreza”. Com poucos profissionais empregados, muitos se tornam dependentes da indústria de divulgação e fazem apurações superficiais. Dessa forma, as redações deixam de pautar a cultura. Esse jornalismo, definitivamente, não vive de encantamento.

* pauta compartilhada na rede 100canais

Júlia Tavares – rede 100canais


editor

2Comentários

  • Augusto Machado Paim, 10 de dezembro de 2007 @ 20:29 Reply

    Pegaste o sumo do evento, Júlia! Parabéns!

  • Clara Guimarães, 11 de dezembro de 2007 @ 17:31 Reply

    Júlia,
    ótimo texto! Deu vontade de ter participado tbm!

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