Publicaremos a partir desta quarta-feira (dia 31) o especial Jornalismo Cultural em Pauta, um conjunto de artigos contemplados pelo edital Cultura e Pensamento, do Ministério da Cultura, que propiciará o debate virtual, ao longo de seis meses, com publicações quinzenais, do tema visto sob a ótica da extensão da pauta cultural, principalmente de sua parcela quase sempre alijada da cobertura da imprensa.

Considerados os aspectos de distribuição geográfica e de uma necessária preponderância de propositores advindos da academia, convidamos dez professores universitários (dois internacionais, Itália e Alemanha, dois do Sul do Brasil, dois do Sudeste, dois do Centro-oeste, um do Nordeste e um do Norte) e dois artistas (um do Norte e um do Nordeste). O atendimento a este requisito acompanhou-se de um estudo detalhado dos corpos docentes das Universidades, notadamente as Federais, em busca de pesquisadores que pudessem suscitar debate ligado à temática geral proposta e a seu recorte específico.

O debate está aberto com uma análise do campo de abrangência do Jornalismo Cultural, a tematização da editoria e o papel predominante na formação dos leitores. Debateremos também a compreensão da palavra cultura, em sua dimensão antropológica e na das humanidades clássicas; cultura erudita em contraponto à cultura de massa e à cultura popular, seus aspectos lato e stricto, efêmero e permanente, de criação e de produção, erudito e popular, a produção jornalística e a intelectual, numa reflexão da produção jornalística cultural, bem como das suas estratégias discursivas. Defendemos que o Jornalismo Cultural pode cumprir não só o papel de difusão da informação, mas também crítico dos fatos e acontecimentos que circundam a cultura, procurando compreendê-lo como um espaço de cultura como conhecimento, capaz de despertar o prazer pela leitura, e não somente pela necessidade funcional de informação. O Jornalismo Cultural transborda a análise e a divulgação dos produtos da chamada cultura ilustrada (literatura, pintura, escultura, teatro, música, arquitetura, cinema) e abrange a cultura popular, o comportamento, além das ciências sociais, ajustadas ao campo da produção jornalística. Assim, realiza a difusão e a análise crítica das culturas – formatando um fórum público de manifestação do pensamento.

Em seguida, demonstraremos como a cobertura jornalística da chamada área cultural, realizada pelos meios tradicionais de comunicação, é deliberadamente voltada para o mercado e para o consumo de produtos culturais. Jornais impressos, revistas, TVs abertas e fechada, as rádios, divulgam prioritariamente os eventos que estão diretamente ligados à venda de bilheteria e produtos, consagração de “ídolos e artistas” e, atuam no surgimento de modismos ou “ondas” que buscam promover comportamentos e gerar novos tipos de consumo. Ao problematizar a “cultura” que freqüenta as manchetes e páginas de jornais, pode-se dizer que a relação entre cultura e jornalismo é uma pauta a ser recriada, e em muitos casos, criada. E, nesse campo, um ponto que deve ser considerado é que não se trata, então, do “direito ao acesso à cultura”, mas do direito ao “reconhecimento de culturas”. Ter canais e redes que permitam comunicações culturais é muito mais do que tornar visível. É reconhecer as teias sociais criadoras, inventivas de tecnologia social, sem a necessidade de classificar, vender ou promover.

Ainda neste núcleo do debate, novo artigo trará outra questão fundamental do chamado Jornalismo Cultural que é a do exercício crítico por excelência. Uma sociedade sem crítica é uma sociedade morta e, ao abrir mão desse exercício, os jornalistas se tornam apenas porta-vozes da indústria cultural e seus textos subprodutos dela. Cabe à critica decidir sobre dois procedimentos: o do julgamento do valor qualitativo de um produto ou bem cultural ou o do julgamento do valor de mercado. Sempre é bom lembrar que vivemos em tempos pós-modernos, no qual se constata o abandono dos programas ordenadores, legitimadores, atribuidores de valores estéticos e culturais. Expandem-se os sistemas técnicos incontroláveis, o império dos efeitos visuais sobre a narrativa. Com isso, troca-se o sujeito emancipador (dotado de razão, de senso estético e transformador) pelo sujeito falsamente emancipado pelas novas tecnologias. Cabe ao Jornalismo Cultural debater valores culturais, definir critérios mínimos de apreciação de bens culturais e midiáticos, sem se submeter a critérios de mercados.

Particularizaremos esta questão em outro artigo a tratar da tendência atual em reduzir a literatura em segmentos de mercado, pulverizando a corrente central em diversos gêneros de fácil identificação por parte do consumidor. No momento em que a figura do leitor deixa de existir em detrimento da lógica do consumo, é evidente que faz sentido tal fragmentação da produção editorial. Nas lojas de livros, o consumidor seleciona a partir de nichos, como o da auto-ajuda, o esotérico, o místico, a ficção e a não ficção. É evidente que tal lógica de marketing não poderia se limitar ao varejo, ela está presente em toda a linha de produção de um livro, do momento de sua concepção ao seu fim como papel reciclado. Neste admirável mundo novo literário, é natural que certos nichos oscilem na cotação da bolsa de valores livrescos. É muito comum ouvir de editores que os livros sobre o Oriente Médio estão na moda, ou livros que replicam algum filme ou programa de televisão vendem acima da média. Por isso não devemos nos espantar que hoje no Brasil a grande imprensa prefira dar mais espaço à indústria cultural, à moda e ao consumismo.

Debateremos a seguir, extraída da experiência do presente, a fluência cada vez mais intensificada e acelerada de informações, num movimento que se dá contra o tempo, contra a própria idéia de presente. Esse gesto pela imediaticidade entra em ritmo de fluxo: dados e informações sucedem-se em quantidade e rapidez tamanhas que, no conjunto, nada surpreende efetivamente, nada detém, nada contra-inclina o movimento para a resistência ou a reflexão. O esquecimento e o corte, fundamentais para a reflexão e a tomada de posição no mundo, deixaram de ter lugar, atropelados pelo ruído constante. Concomitante à mobilidade do fluxo, ocorre, na experiência do presente, a pluralização das identidades culturais, entendidas como posições de sujeito. A noção de culturas modelares cedeu espaço à diversidade. Cada vez mais, define-se um movimento que tende, às vezes, à diferença, em outras, à hibridez. Delineia-se, aí, um paradoxo: a diversidade cultural é concreta, crescente e é a partir dela que se organiza – ou desorganiza – a idéia de comunidade, implícita na própria noção de cultura. Mas a grande indústria dos jornais, revistas e sites produz suas páginas culturais na dinâmica do fluxo, desfiando assuntos em enfoques rápidos e repetitivos, mobilizada por uma agenda infinita e com vocação de consumo. O próprio consumo, aliás, tornou-se instrumento formador de identidades culturais. É assustador perceber o quanto é a economia, mundializada, quem ajusta o movimento entre a diferença e a hibridez. O jornalismo cultural, que se formou, historicamente, como agente da partilha, perdeu a sua chave (uma perda que se repete entre os discursos da modernidade) e tateia por outra pergunta possível. Uma tentativa: no plano simbólico da cultura, pode a indústria bem tratar singularidade e rede de diferenças?

Mais um exemplo concreto de tema excluído ou vítima de preconceito na pauta do Jornalismo Cultural predominante é o caso do surgimento e desenvolvimento de uma cultura do compartilhamento que vai criando fenômenos de solidariedade ciberespacial que estão recolocando a cidadania no cenário digital, já que direitos consolidados no mundo presencial estão sendo enfraquecidos no ciberespaço. A hierarquia dos direitos está sendo alterada profundamente; o anonimato, valor essencial para preservar a intimidade e a opinião dos fracos diante da retaliação dos poderosos, está sendo atacada pelos interesses de companhias de segurança digital. Enquanto isso, os mais pauperizados são impedidos de exercer o direito à comunicação mediada por computador.

Particularizando também esta outra questão, mais um artigo demonstrará que, na sociedade em rede, tanto podem aprofundar-se as desigualdades e as diferenças no acesso, como emergem possibilidades inusitadas, que, se bem aproveitadas, quebram velhos paradigmas das sociedades puramente territorializadas, presas a idéias e preconceitos embutidos na dualidade centro versus periferia. Esta comunicação, a partir do relato da experiência do blog Jornal da Selva, sistematiza aspectos de construção de textos opinativos em diálogo e interação com um público leitor desterritorializado.

Outro artigo debaterá a regulamentação profissional do jornalista e a sua formação acadêmica no exercício das atividades de produção de conteúdo e de gestão de veículos de mídia comunitária (rádios, jornais e tv a cabo), em oposição ou cooperação com a comunidade envolvida. A cultura será vista como espaço de educação para a cidadania.

A relação entre a Cultura e o Direito parece permeada pelo antagonismo e pela mútua rejeição, já que uma rege-se primária e idealmente pelos signos da criatividade, da dinâmica e da mudança, enquanto o outro é historicamente vinculado às idéias de estabilidade, segurança e manutenção do status quo. Mas existe um sentido inverso a este antagonismo, o de mútuo suporte. Novo artigo buscará, nos planos filosófico e histórico, a gênese destes encontros e desencontros, bem como versará sobre as doutrinas de aproximação, como o ‘culturalismo jurídico’. A abordagem central concentrará esforços no sentido de analisar, em abstrato, a situação presente dos chamados ‘direitos culturais’ na realidade brasileira.

Serão debatidos, pelos convidados internacionais, os grandes equívocos, incluindo os da imprensa especializada, que envolvem a arte e o ensino, o ensino de arte na escola e a visão da arte como panacéia, instrumento de “mágicas” transformações, desde a extinção da violência até a construção da cidadania. A vulgarização e banalização da arte como fetiche e mercadoria, a impossibilidade de ensinar a Arte por tratar-se de uma relação: e relações não podem ser ensinadas só vivenciadas. Teremos ainda a provocativa questão das novas corporalidades dos feitiços visuais, que já foi assunto de conferência da Unesco e habita a mesa de Massimo Canevacci atualmente como tema de sua mais recente pesquisa.

Esta abordagem editorial pretende contribuir com uma provocação que concorrerá para a formação de um raciocínio sistêmico sobre cultura que, perpassado pelo fio agudo do jornalismo, dará ao leitor a ampliação de sua capacidade crítica para a seleção de suas fontes de informação, contribuindo, com forte apelo educativo – já que gerado no seio da universidade -, para a construção de uma sociedade em que a inevitável mediação exercida pelos veículos de imprensa cumpra com seu verdadeiro papel social.

Na dia 7 de novembro, confira Angelita Pereira apresentará os aspectos da cobertura jornalística da chamada área cultural, que realizada pelos meios tradicionais de comunicação, é deliberadamente voltada para o mercado e para o consumo de produtos culturais. Confira entrevista exclusiva.

Os Editores – Cultura e Mercado
confira o especial em s://culturaemercado.com.br/culturaepensamento


editor

2Comentários

  • Moysés Lopes, 13 de novembro de 2007 @ 11:29 Reply

    O erro de digitação no título ficou engraçado…

  • Julio, 30 de novembro de 2007 @ 15:32 Reply

    .

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