A reforma da Lei prometida na campanha de Lula não deve ocorrer nesta gestão. CeM conversou com Juca Ferreira sobre os objetivos com o novo decreto
Até o final desta semana, o Ministério da Cultura (Minc) publicará no Diário Oficial da União um decreto que regulamenta a lei federal de incentivo à cultura, mais conhecida como Lei Rouanet. Nos últimos anos, a produção cultural do país tem sido centrada nas leis, como maneira mais viável de se conseguir recursos e patrocínios para a realização de projetos. Enquanto parece ser unânime a opinião de que as leis tiveram papel fundamental no desenvolvimento da atividade cultural brasileira, elas nao deixaram de sofrer fortes críticas de que o Minc estaria deixando nas mãos das empresas as decisões e os rumos da cultura no Brasil. Diante desse cenário, o novo decreto já chega cercado de expectativas e polêmicas.
Durante a campanha presidencial do governo Lula, uma das promessas para seu mandato foi a de promover uma mudança na Lei Rouanet para corrigir uma série de distorções, o que nunca foi feito desde sua criação, em 1991. No decorrer dos últimos anos, o Minc sob a gestão de Gilberto Gil sinalizou diversas vezes que a mudança estava a caminho de se concretizar. O seminário “Cultura para Todos”, realizado pelo Ministério em 2003, e as conferências de cultura feitas no ano passado tinham como um de seus objetivos estabelecer um diálogo com a sociedade para subsidiar o governo sobre o direcionamento dessas alterações.
O Minc informa que o decreto é apenas o primeiro passo de três etapas de mudanças a serem realizadas na Rouanet. O decreto será seguido por instruções e portarias para adequação aos novos procedimentos, e por último, virá a reforma no próprio texto da Lei, o que só pode ser feito no Congresso Nacional. Como o governo Lula está no último ano de sua gestão e o ano eleitoral não agiliza a aprovação de projetos no Congresso, a probabilidade maior é de que a reforma definitiva na Lei, se ocorrer, será apenas num eventual segundo mandato.
Juca Ferreira, secretário executivo do Minc, afirma que já no primeiro ano de gestão, o seminário “Cultura para Todos” evidenciou que “80% das distorções eram de natureza de operação e manejo, e poderiam ser corrigidas por mecanismo legal, sem entrar no texto da Lei”. Mas por que em quatro anos de mandato o governo não cumpriu a promessa de campanha? “Reconheço que o ideal teria sido que nós tivéssemos encerrado esse primeiro ciclo de discussões já no inicio do segundo ano de governo. Perdemos em tempo, mas ganhamos em densidade e aprofundamento”.
Ele diz que o Minc está tentando corrigir o que é possível no âmbito do Executivo, e que a proposta de projeto de lei vem na seqüência. Mas questionado sobre se isso aconteceria ainda em 2006, ele diz que existe a possibilidade, para logo em seguida reconheçer a dificuldade imposta pelo ano eleitoral.
As mudanças que o decreto traz seguem um direcionamento que o Minc já vem adotando nos últimos anos, de tentar equilibrar mais a distribuição de recursos pelo país e democratizar o acesso da população aos projetos e produtos culturais. Os números alcançados pela Lei Rouanet em 2005 que foram divulgados pelo governo apontam, por exemplo, que 25 estados brasileiros chegaram ao valor máximo de captação desde 2003, e que a Região Norte apresentou um crescimento de 58,40% em comparação com a média 2002/2003. “O decreto já vem emoldurado pela nossa experiência”, afirma o secretário.
A partir de agora, há a possibilidade de que o governo lance editais para aprovar projetos em bloco, definindo previamente o regulamento, criando uma comissão específica de avaliação e buscando empresas parceiras que patrocinem os selecionados. É uma ação que reforça a busca pela descentralização dos recursos, seja por áreas artísticas ou por regiões geográficas.
Mais uma novidade é a exigência de que o proponente apresente um plano de acessibilidade ao projeto ou produto cultural, visando democratizar o acesso da população. Segundo Juca, “no texto da lei não ha restrição a projetos que não geram uma acessibilidade maior ao público.” O decreto estaria então tentando limitar eventos como peças de teatro que consomem milhões em incentivos fiscais e cobram ingressos inacessíveis à maioria da sociedade, sem oferecer nenhum tipo de contrapartida social? Ele admite que também se inquieta com projetos que tenham um “nível de acesso” pequeno e critica: “Todo o conceito da gestão cultural anterior à nossa gestão era voltado para beneficiar os profissionais da área cultural.” Ferreira exemplica, dizendo que era como se o Ministério da Educação criasse medidas que beneficiassem apenas os professores.
Outro ponto importante do decreto é não permitir mais que o captador de recursos seja remunerado com até 10% do valor do projeto. Ele terá que ser incluido nos gastos com despesas administrativas, que são limitadas a 15% do valor total. Ferreira diz que essa é uma distorção da Lei Rouanet apontada por unanimidade já nos resultados do seminário “Cultura para Todos”. Ele afirma que a remuneração anterior de 10% implicava em uma elevação de custos nos projetos aprovados, e que o objetivo é racionalizar e qualificar os custos e gastos dos projetos.
O decreto repercutiu esta semana em matérias de destaque publicadas na grande imprensa. O jornal Folha de S. Paulo noticiou as mudanças em duas matérias intituladas “O circo do incentivo” e “Minc engole sapo e só faz mudanças superficiais”. Já O Estado de S. Paulo ouviu diversos profissionais da área cultural, boa parte deles fazendo críticas às mudanças. Perguntado sobre essas reações negativas, Ferreira diz que fica surpreso e que as desconhece. “Todos reconhecem que fizermos uma mudança significativa no Ministério. A qualidade de atuação do Minc é exemplar em coragem e ousadia”.
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