A vitória do MuBE – Museu Brasileiro de Escultura Marilisa Rathsam sobre a prefeitura de São Paulo na Justiça pelo direito de manter suas portas abertas, na última semana, traz à tona, além da discussão sobre os limites do público e do privado, o questionamento sobre a concepção de cultura adotada pelo poder público, e, conseqüentemente, pela sociedade como um todo.
Aberto em 1995, o MuBE ocupa, desde 1987, uma área municipal de 7 mil m² no Jardim Europa. Em abril de 2007, o prefeito Gilberto Kassab publicou um despacho no Diário Oficial do Município rescindindo a permissão de uso da área que o então prefeito Jânio Quadros havia concedido à Sociedade Amigos dos Museus por 99 anos, alegando haver um desvio de função nas atividades do museu. A prefeitura considera, baseada em parecer do Departamento de Patrimônio, que foi feito uso indevido do espaço com a realização de feiras comerciais, desfiles de moda e festas que, segundo o secretário de Subprefeituras do município, Andréa Matarazzo, causam transtornos à vizinhança e fogem da finalidade do local. O museu reagiu entrando com mandado de segurança no Tribunal de Justiça de São Paulo para a revogação do despacho, e, no último dia 6, o Órgão Especial do TJSP deu ganho de causa ao MuBE.
Como a concessão do espaço público para o nascimento e funcionamento do museu foi autorizada por lei, em 1986, não é possível rescindir o contrato via despacho, mas apenas por meio de outra lei que revogue a anterior, segundo o advogado Diamantino Silva Filho, especialista em direito público. “O direito de defesa é constitucional”, diz. “Quem disse que os museus, hoje, não podem realizar eventos comercias para se manter? É uma questão que deve ser discutida.”
O museu, que chegou a receber multas da subprefeitura de Pinheiros ao longo dos últimos meses por funcionar sem alvará, alegou que os eventos são necessários para pagar suas contas, cerca de R$ 100 mil mensais gastos com manutenção e funcionários. A fundadora da Sociedade Amigos dos Museus e do MuBE (além de homenageada com o nome da instituição), Marilisa Rathsam, defende a permanência da gestão privada do museu lembrando sua origem, nos anos 1980: “Antes, nesse local seria construído um shopping center. Foi por causa da nossa luta que o museu existe hoje”. Ela também afirma que festas de música eletrônica e desfiles de moda são formas de cultura, por isso não quebrarim o acordo de concessão.
A sociedade afirma que a obra do museu foi paga com dinheiro de doações privadas, enquanto a prefeitura garante ter gasto ao menos R$ 35 milhões, em valores não corrigidos, no local.
Em 2007, quando soube da proposta de interdição da prefeitura, o autor do projeto arquitetônico do MuBE, Paulo Mendes da Rocha, arquiteto que assina projetos de espaços culturais paulistanos como a reforma da Pinacoteca do Estado, o Centro Cultural da FIESP e a Galeria de Arte Vermelho, se disse surpreso com a notícia e declarou esperar “que, pelo menos, a Prefeitura mantenha ali um museu de escultura.” Quando idealizou o espaço, Mendes da Rocha achou na criação de um edifício subterrâneo a solução para a necessidade de aliar um local aberto para exibição de esculturas à construção de um museu em si. Essa iniciativa permitiu que os 7 mil m² de terreno pudessem ser aproveitados como jardim para exposições.
Mas o plano anunciado pela atual gestão da Secretaria Municipal de Cultura em 2007 era de abrigar no espaço a Galeria de Arte de São Paulo, que receberia o acervo da Pinacoteca do Município abrigada no CCSP – Centro Cultural São Paulo. A aquisição dessa coleção teve início na década de 30, pelo então diretor da Bibioteca Mário de Andrade, Sérgio Milliet, e hoje em dia o acervo é alimentado anualmente com obras de artes plásticas selecionadas do Programa de Exposições de Arte Contemporânea do CCSP, por meio de prêmio aquisição.
Seja qual for o desfecho dessa situação, de sua condução dependem também o futuro de outros espaços culturais. Em maio deste ano, em entrevista à revista Carta Capital, o secretário municipal de cultura de SP, Carlos Augusto Calil, quando questionado sobre a interferência pública no Masp, usou o caso do MuBE como exemplo: “O Mube acha que nossas ações são inócuas, mas estou esperando a sentença do juiz. Eu não diria que a prefeitura é tão omissa assim.”
A Secretaria da Cultura ainda não anunciou se vai recorrer da decisão do TJSP.