Uma reflexão sobre a falta de visão da música brasileira como setor estratégico para o país

Estudo recente encomendado pelo Sebrae demonstra que o maior motivo de orgulho do brasileiro, ao contrário do que se imaginava, não é o futebol: é a música. É ela que aparece para 65% dos entrevistados como fator máximo de alta auto-estima do povo.

E não sem razão: no mundo inteiro, a música brasileira é reverenciada e admirada, é elemento primordial da formação de uma imagem positiva do País, é um fator de atração inequívoca pelo Brasil. Através dela e de sua força, cada vez mais,  estrangeiros se interessam por nossa terra, pelo estudo de seu idioma, de sua cultura, cada vez mais se viaja ao País reforçando a economia do Turismo (para não irmos muito longe, basta analisarmos a importância dos recursos advindos do nosso Carnaval).

No entanto, embora seja um dos maiores patrimônios do país e elemento fundamental na formação e afirmação de nossa identidade, a música brasileira vive à deriva, entregue à sua própria sorte e talento, e aos departamentos de marketing de grandes gravadoras e das empresas que investem em cultura através do mecanismo da renúncia fiscal.

Excetuando-se talvez  a Lei de Incentivos Fiscais de 1967, que permitia que o ICM devido pelas gravadoras fosse aplicado na produção nacional ( e que foi uma das responsáveis  pelo grande boom de produção da música nacional, que colocou o Brasil em segundo lugar no mundo em termos de produção e consumo de música própria – em um patamar de 75%, atrás apenas dos EUA), o Brasil nunca conheceu uma política efetiva e específica voltada para a sua  música.

Talvez por seu forte potencial de mercado, criou-se a ilusão de que a música brasileira não necessitaria ser alvo de uma política de governo para sua produção, difusão e comercialização. O tempo porém encarregou-se de demonstrar que essa concepção era falsa, e traria grandes prejuízos para uma das mais fortes expressões de nosso povo.

Quando falamos genericamente em “música brasileira” ou em uma” política para a música” , devemos saber que estamos lidando com uma questão muito complexa, que envolve várias dimensões dessa importante atividade econômica e cultural.   Talvez, o mais importante em um primeiro momento seja modificar o paradigma segundo o qual a cultura é mera coadjuvante no jogo da política brasileira. Desconhecer o papel estratégico da atividade cultural , e mais ainda, seu papel econômico,  é um erro  que precisamos urgentemente corrigir.

Os sucessivos governos têm mostrado dificuldades em compreender a dimensão da atividade cultural e sua importância para nossa sociedade . Tal dificuldade se faz patente em algumas questões básicas como a própria dotação orçamentária da União, muito aquém do mínimo sugerido pela Unesco de 1% para a Cultura.  Ou ainda por uma presença frágil do MinC em questões fundamentais para a nossa cultura, como por exemplo a discussão do conceito que vai nortear a programação das TVs e rádios públicas.Sem verba suficiente e sem participação mais decisiva em questões vitais, o MinC tem dificuldades pra levar adiante as grandes tarefas que se fazem necessárias.

Reflexo dessa falta de estrutura, a música está hoje circunscrita a um departamento dentro da Funarte, o Cemus,  que deveria dar conta da política pública para a música no país. Ora, confinar essa tarefa em um pequeno centro sem recursos próprios, sem estrutura físíca e nem recursos humanos compatíveis, vem a ser um sub-dimensionamento inaceitável da atividade musical em nosso país. Até porque, tal atividade envolve setores muito diversos, o que lhe confere uma complexidade muito grande, e exige, evidentemente, uma estrutura igualmente complexa para lidar com todas as suas facetas.

Reverter esse quadro e demonstrar que a música precisa sim ter um espaço na agenda política do País, é tarefa primordial de todo artista preocupado com os rumos de nossa música e com os rumos do Brasil.

Cristina Saraiva


editor

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