Associação Brasileira de Documentaristas, fundada por Jean-Claude Bernardet, Paulo Emílio e outros, encabeçou a luta pela Lei do Curta e continua buscando novos espaços para o cinemaPor Sílvio Crespo
07/07/2003
Em 11 de setembro de 1973, o presidente socialista do Chile, Salvador Allende, e alguns de seus colaboradores são cercados pelo exército no palácio presidencial e bombardeados pela força aérea. No Brasil, cineastas assistiram ?atônitos? ao episódio, ainda sob a ditadura Médici, durante a Jornada de Cinema da Bahia. ?Queríamos nos manifestar, mas como? A solução foi fundar rapidamente uma associação que estivesse filiada à AID? (Associação Internacional dos Documentaristas).
Quem conta essa história é o professor de cinema da USP Jean-Claude Bernardet, que ?no dia ou no dia seguinte da queda de Allende? fundou a Associação Brasileira de Documentaristas, ao lado de nomes consagrados, como Paulo Emílio Salles Gomes, e outros que mais tarde também bateriam o cartão na história do cinema nacional.
Mutirão
Passados 30 anos, os ?abdistas? fazem um mutirão para escrever um livro narrando a história da associação e tirando uma radiografia do seu atual quadro. Encabeçando esse empreendimento estão a jornalista Maria do Rosário Caetano e os professores Lúcio Villar, da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), e Tetê Mattos, da UFF (Federal Fluminense). O livro terá ainda informações sobre o ingresso de novos sócios e uma bibliografia de referência, com ?tudo que possa orientar um ?abedista? ou pesquisador a respeito dos temas ?curta?, ?documentário? e ?ABD??, diz Rosário.
A organizadora está ouvindo as três gerações: os pioneiros, como Osvaldo Caldeira (primeiro presidente da entidade, diretor de ?O grande mentecapto?), Iberê Cavalcanti (?Terra de Deus?), Guido Araújo e Bernardet; a geração dos anos 80, em que se incluem Jorge Furtado (do curta ?Ilha das Flores? e do longa ?O Homem que copiava?), André Sturm (?Sonhos Tropicais?), Francisco Cesar Filho (?Rota ABC?) e Beto Brant (?O invasor?); e a nova turma, que hoje comanda as 21 ABDs. A idéia é lançar o livro no mesmo lugar onde a associação nasceu, na Jornada de Cinema da Bahia, que este ano acontece de 11 a 18 de setembro. A publicação terá apoio do Ministério da Cultura e será distribuída primeiro às ABDs, aos seus associados e depois ao público em geral.
Radiografia
Nos seus 20 primeiros anos de existência, a ABD era uma soma de várias associações regionais, e não tinha uma diretoria central permanente. Somente em 1993 foi criada a ABD Nacional. Até então, a Associação passou por momentos de dificuldade como o ?desmanche do governo Sarney? e a ?catástrofe Collor?, relata o montador Giba Assis Brasil (de ?O Homem que Copiava?).
Atualmente, a ABD tem 21 entidades regionais espalhadas pelo país, cada uma com sua própria sigla (ABD, APTC, ABCV, ABD e C, Avec e outras tantas). As regionais têm autonomia para desenvolver seus próprios projetos com governos estaduais e utilizar as leis de incentivo. Rosário está colhendo depoimentos de todas essas ABDs para tentar explicar aos jovens como funciona a entidade. Ao contrário do que o nome sugere, não há apenas documentaristas, mas também curta-metragistas (mesmo de ficção) e diretores estreantes de longa-metragem (desde que tenham dirigido no máximo dois longas). Rosário estima que hoje a entidade tenha de 600 a 700 associados.
Vitória
?A aprovação da Lei do Curta, tenho a impressão, foi quase que uma conseqüência direta da fundação da ABD?, diz Giba. A tal Lei do Curta (o artigo 13 da Lei 6281, de 1975), segundo Rosário ?a grande vitória da ABD?, obrigava a exibição de um curta-metragem brasileiro antes de cada longa estrangeiro nos cinemas. Foi uma conquista dos ?abedistas?, que levaram as propostas ao Congresso Nacional.
?A lei não foi revogada até hoje, portanto continua em vigor?, afirma Giba. Mas ele próprio explica que em 15 de março de 1990 o então presidente Fernando Collor de Mello tomou duas medidas que a colocaram em ?desuso?: eliminou o Concine (Conselho Nacional do Cinema, que fiscalizava a Lei do Curta) e a Fundação do Cinema Brasileiro (que operava o sistema do curta-metragem).
Depois disso, a ABD obteve outras conquistas, como os editais do Baixo Orçamento (conhecidos como B.O.) em 2000 e 2001, assinados oficialmente pelo então secretário nacional do Audiovisual, José Álvaro Moisés. Impulsionada por vitórias no passado, conta Rosário, hoje a luta da ABD é pelos ?novos editais de curta e de B.O. e pela conquista de novos espaços de exibição, vitrines que possam ser somadas aos festivais, programas semelhantes ao Curta Petrobrás, ao Curtas na Telas, de Porto Alegre, etc?.
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