A diretora Laís Bodanzky, que captou R$ 1,5 milhão para o longa Bicho de Sete Cabeças, não consegue patrocínio para seu projeto Cine Mambembe. Leia entrevista ao Cultura e MercadoPor Sílvio Crespo
O cinema não pode depender apenas do marketing cultural. É o que pensa Laís Bodanzky, diretora do premiadíssimo longa-metragem Bicho de Sete Cabeças. Há cinco anos, ela e o roteirista Luis Bolognesi levam a sétima arte a cidades que não têm salas de cinema. Trata-se do projeto Cine Mambembe, que rendeu um documentário também premiado, mas que nunca conseguiu patrocínio.
Bodanzky acredita que a Ancine poderá oferecer ao cineasta uma boa alternativa ao patrocínio. Para ela, a empresa BR Distribuidora, que desembolsou R$650 mil para o Bicho, de um total de R$ 1,5 milhão captados, é a ?madrinha do cinema nacional?. Leia a entrevista na íntegra.
Considerando todo o processo de inserção no mercado cinematográfico, da aprovação na lei de incentivo até a exibição, onde você sentiu mais dificuldades?
Aprovar na lei não é problema, depende apenas de uma burocracia que deve ser cumprida. A dificuldade é de que o projeto coincida com o raciocínio de marketing de uma empresa. Isso é muito difícil, depende apenas de sorte, praticamente. Há seis anos o projeto Cine Mambembe é aprovado na lei, mas nunca conseguimos patrocínio. Eu não entendo. Nunca coincide de uma empresa estar em um momento em que o projeto faça sentido para ela.
Como o Cine Mambembe vem sendo financiado?
Por exibições avulsas. O Sesc nos contrata para cinco sessões em determinada cidade, por exemplo. Em seguida, uma prefeitura nos contrata para mais cinco, em outra cidade. Depois, é uma associação de bairro. São pequenos pacotes isolados. Mas nós queremos um projeto de longo prazo, pelo menos de um ano, para montarmos uma equipe, uma estrutura. Isso tem um custo.
O nosso projecionista pergunta quantas sessões serão feitas no próximo mês, e eu digo: ?não sei?. Mas ele tem que sobreviver, sustentar a família. Infelizmente, estamos nessa eterna angústia: se o projeto vai ter mais fôlego ou não. Em vários momentos da minha carreira eu senti vontade de desistir.
Para a filmagem do Bicho de Sete Cabeças, você conseguiu patrocínio. Você explica isso apenas pela sorte de o projeto coincidir com a estratégia de marketing do patrocinador?
No caso do Bicho, por meio da Lei do Audiovisual, nosso principal patrocinador foi a BR, a grande madrinha do cinema brasileiro. Patrocina festivais, mostras, longas… Quase todos os eventos de cinema têm o logo da BR. A empresa entrou duas vezes no projeto: na produção e no marketing do lançamento. Ela tem uma política cultural para o cinema como um todo no Brasil; se ela deixa de patrocinar, o cinema brasileiro acaba.
Mas além disso, tivemos um apoio do exterior: a Fabrica Cinema, uma instituição italiana mantida pela Benetton. A Fabrica Cinema co-produz filmes do Terceiro Mundo que, de alguma forma, falem sobre a realidade de seu próprio país. Essa instituição leu nosso roteiro e resolveu entrar como co-produtora, com uma cota tão grande como a da BR. Esse olhar estrangeiro foi muito importante.
Existe um grupo de cineastas que freqüentemente produzem filmes de alcance nacional. Você vê isso como um monopólio do setor?
Não. O que existe são pessoas que estão há anos batalhando para fazer cinema e, naturalmente, dominam mais a política cultural. Porque a vida acaba levando a isso. Quanto mais tempo se está no meio, mais contatos se tem, e mais detalhes podem ser captados da política cultural.
Mas a classe cinematográfica está aberta a novas pessoas. É difícil, claro. O cinema paulista, por exemplo, precisa saber se colocar no mercado. As políticas se concentram no Rio de Janeiro, mas pela história da cidade; o cinema sempre foi concentrado lá. Mas o cinema brasileiro agora está sendo retomado no Brasil como um todo. Há importantes cineastas de São Paulo, do Rio Grande do Sul, de Brasília, do Mato Grosso… Há vários focos no Brasil que estão vindo com tudo.
O Congresso do Cinema Brasileiro, por exemplo, proporciona um diálogo do Brasil como um todo. A política do cinema está preocupada em nascer de forma igual no país todo.
E de que meios os novos cineastas dispõem para entrar no mercado?
Com a retomada do cinema brasileiro, há muitos filmes sendo rodados, o que disponibiliza grandes oportunidades de inserção no mercado. O jovem cineasta pode entrar em uma produção como estagiário, para acompanhar toda a produção. Há dez anos atrás, o jovem não tinha essa possibilidade de trabalhar no filme ?do outro?.
Além disso, ele deve ficar atento às políticas culturais, aos prêmios, incentivos. Todas as políticas têm uma preocupação com o novo cineasta. Por exemplo, elas oferecem uma cota para estreantes ou filmes de baixo orçamento etc.
A partir da década de 90, vários filmes brasileiros tiveram projeção internacional. Além do Bicho, fizeram sucesso Central do Brasil, O invasor e outros. A que você atribui isso?
Acredito que o olhar do filme brasileiro lá fora ocorra pela qualidade do próprio filme. Quando um país tem uma produção constante, naturalmente haverá filmes de destaque internacional. Não que esses filmes sejam melhores, mas têm características de mercado internacional. Esse mercado está atento ao mundo inteiro. Um filme, de qualquer país que seja, se tiver determinadas características, vai entrar no mercado internacional. É por isso que a produção não pode parar.
Qual a sua opinião sobre a Ancine (Agência Nacional do Cinema)?
Ela ainda está se estruturando, mas é muito importante. Hoje, a única forma que temos de produzir um filme é por meio das leis de incentivo, e isso é muito difícil. Não é fácil dialogar com as empresas. Elas não entendem de políticas de cinema. Entendem apenas das suas políticas de marketing internas. Colocar o destino do cinema brasileiro nas mãos dos empresários é um casamento infeliz.
A Lei do Audiovisual é uma porta, mas não deve ser a única. A Ancine, então, vem como uma alternativa de pensar a política de cinema para o Brasil como um todo, para contemplar todo tipo de cinema que deve ser feito.
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