Referência em Santa Catarina, Maria Teresa Collares realiza cursos por todo o Estado para suprir a carência de conhecimento dos produtores culturais do interior
Resultados de editais culturais têm o potencial de absorver inteiramente Maria Teresa Collares, 48 anos, produtora cultural florianopolitana. É a hora de avaliar êxitos ou imprevistos de uma missão iniciada há dez anos. Ao perceber na listagem um projeto aprovado de algum município catarinense, vibra, mesmo que não esteja envolvida diretamente com o assunto. Os avanços neste campo no Estado são visíveis: 12 projetos aprovados na terceira edição do Programa Petrobrás Cultural 2006, três no Programa Caixa de Adoção de Entidades Culturais, dois no Revelando os Brasis Ano 2, do Ministério da Cultura, e 17 no Programa de Apoio a Projetos de Preservação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Uma mítica envolve o nome de Maria Teresa. Apresentada como a mulher que sabe onde o dinheiro está ou como a dona da chave do cofre, a afirmação não é tão disparatada. Agenda cheia, ela é funcionária da Secretaria de Cultura, Turismo e Esporte, atua na Rede de Integração Cultural (RIC-SC), preside a Associação Amigos do Museu Histórico de Santa Catarina, desenvolve atividades junto ao Fórum Permanente de Resgate da Cultura Germânica e é coordenadora de projetos culturais da Associação Cultural Brasil Santa Catarina. Tem também fortes vínculos, há dez anos, com o Núcleo de Estudos Museológicos (Nemu), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Não é pouco. Viagens quase permanentes, reuniões constantes. Entre maio e junho, esteve em Videira, Joaçaba, Araranguá, Criciúma, Blumenau, Joinville, Itajaí, Chapecó, Lages, Porto União, Sombrio e Urussanga, fazendo palestras como gestora de projetos. Conseguir uma vaga neste corre-corre é para poucos, mas ainda assim, feito mágica, ela atende a todos com atenção. Dá retornos, atende telefone, monta oficinas, faz palestras.
Maria Teresa diz que não tem a chave do cofre e nem sabe precisar quantos dos 293 municípios catarinenses conhece. Garante, no entanto, que são muitos: próximos da capital, onde mora, ou não, já esteve em lugares longínquos. Conhece quase todas as maravilhas e dificuldades do universo cultural.
Quando se apresenta nas oficinas e palestras, faz um breve relato pessoal. Entrou neste contexto quando era administradora do Museu de Arte de Santa Catarina (Masc), onde por necessidade, criou-se a Associação dos Amigos do Masc, com a qual começou a montar projetos e buscar parcerias para cumprir com a agenda da instituição. Ao sair, interessada no tema, foi estudar. “Eu precisava aprender a dialogar com o patrocinador, público ou privado”, situa. Fez marketing na Udesc e especialização em estudos culturais na UFSC. Em 1999, no gabinete do vice-governador, assumiu a coordenação técnica no projeto nacional das comemorações para o 5º Centenário de Descobrimento do Brasil para Santa Catarina. Festa das Etnias, nome que o programa ganhou no Estado, a levou para muitas cidades, onde percebeu a enorme carência de informação dos produtores culturais interessados em desenvolver projetos. “Era básico, de não saber por onde começar, para onde encaminhar, a lei de incentivo era uma novidade”, lembra ela.
Essas constatações foram determinantes quando encerraram as comemorações do centenário do descobrimento. A entidade criada para esse fim foi, então, reformulada estatutariamente e ganhou o nome de Associação Cultural Brasil Santa Catarina. O interesse de seus gestores era exatamente o de neutralizar a falta de informações culturais no interior. “Vamos ajudar os municípios a desenvolver projetos e foi isso que a entidade começou a fazer. No início visitamos, sem ônus nenhum, as cidades, apresentando propostas, conhecimento de leis, cursos, seminários”, relata.
Hoje conhece tudo e todos. Indica caminhos cá, acolá, faz entrecruzamentos de projetos e pessoas, auxiliando e ampliando contatos. Fala do incêndio criminoso que devastou o histórico Hotel América, em Três Barras, aponta iniciativas desenvolvidas em Caçador, Araquari, Forquilhinha, Pomerode, Luzerna, Itaiópolis, Chapecó. Com entusiasmo, descreve e relata histórias humanas, de luta em favor da cultura. Os gestores preocupados com o setor, considera ela, estão ficando espertos, têm mais conhecimento, já aprenderam como devem, em caso de denúncias, acionar o Ministério Público e o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan).
Coordenadora de projetos da Associação Cultural Brasil Santa Catarina, Maria Teresa ministra cursos que define como uma “pauleira”: um dia inteiro com agentes culturais, públicos e privados, no qual ajuda a desvendar os mecanismos das leis de incentivo (a federal e a estadual), esclarece os enfoques e suas exigências documentais e de conteúdo, ensina como formatar e encaminhar. Ao mesmo tempo, atende o Nemu.
Lição número um – As “aulas” de Maria Teresa Collares continuam e são cada vez mais procuradas e didáticas. O que é um projeto cultural, indaga ela, buscando e ajudando a encontrar respostas. E alerta: “Só na lida, no exercício, se aprende a fazer. É como a aprender a falar, a escrever. No início é difícil, mas depois só vai”.
Esmiúça também os elementos fundamentais da tarefa. Só passa no teste quem sabe responder as seguintes questões: por que, para quem, como, quanto custa, quando será realizado, quando, como divulgar, tem coerência o projeto cultural? “As perguntas parecem bobas, mas são bem importantes.” E vai citando exemplos de programas bem-sucedidos, outros nem tanto. Com essa plataforma, concretiza o interesse de auxiliar a sociedade civil e pública a desenvolver e realizar programas, atendendo as demandas de produção, divulgação e circulação dos bens culturais.
Pensar no benefício social do projeto é a lição número um. Para ela, é imprescindível ter em mente o artigo 216 da Constituição Federal que trata do pleno exercício dos direitos culturais. O acesso, a democratização é fundamental. É incorreto fazer algo sem pensar no público, que precisa inclusive ser estimado, porque no contato com o patrocinador deve-se, por exemplo, apontar a faixa etária das crianças contempladas. “É missão pensar a integração social, o interesse da empresa, o marketing, a questão institucional.”
Nos cursos, Maria Teresa também desfaz um equívoco, esclarecendo que política cultural é diferente de mecanismos. Para ela, não há uma política de cultura e houve um retrocesso no Estado. “O governo está confuso e confundiu todo mundo, hoje ninguém mais entende como a lei funciona”, lamenta ela.
Eventualmente em suas palestras, aproxima suas atividades, como a da RIC-SC com a do Núcleo de Estudos Museológicos, que existe há dez anos e é exemplo nacional para a política de museus no país. Atuar em rede, de acordo com a gestora, é o grande lance do momento. “Santa Catarina precisa se comunicar, se conectar, se transversalizar”, sugere.
“Pintar o Estado por etnias seria perfeito” – Sobre o mapa da cultura catarinense, diz que é possível fazer um recorte regional a partir das etnias. Há regiões formadas por até quatro representações, como é o caso do Norte. “Quando desenvolvemos a Festa das Etnias pensava-se inicialmente que seriam sobretudo alemães, açorianos e italianos. Nosso levantamento demonstrou 24 etnias formadoras no Estado. Santa Catarina tem uma diversidade étnica e cultural, uma das maiores do Brasil, em função do legado de cada uma.”
Por fim, defende a arte e a cultura como instrumentos de cidadania. Não há, segundo ela, nada mais maravilhoso do que aquilo que brota da alma das pessoas por intermédio da música, da argila, da aprendizagem das técnicas de restauração de paredes murais, da pintura. Crê que quando as empresas perceberem que a cultura é fruto de um todo revelador do social, da educação, da identidade de um povo, o Brasil estará pronto para falar de inclusão. “Todos, então, fariam parte de um único processo, independente daquele que pode pagar um curso de violoncelo, de teatro ou daquele que não tem acesso, mas que pode aprender por intermédio de um projeto que o contemple.”
Néri Pedroso