Ninguém contesta os avanços da política cultural brasileira. A sociedade brasileira finalmente se viu reconhecida nos discursos entusiasmados, ideias inovadoras e programas ousados, sintetizados e apresentados à socieade por Gilberto Gil. Visualisamos pela primeira vez cultura ocupando um lugar estratégico na política, no plano de governo e no projeto de desevolvimento do país. Mas ainda estamos muito longe de ver isto virar realidade.
1. EDUCAÇÃO: todas as pesquisas de opinião colocam a educação como o principal desafio do Brasil. A pergunta que devemos reponder é: o que a cultura pode fazer pela educação? Como transformar as nossas escolas (atrasadas, sem qualquer perspectiva de encantar, atrair e reter crianças e jovens) em centro culturais, de convivência, de troca e de livre expressão?
2. COMUNICAÇÃO: vivemos um debate intenso sobre regulação e democratização dos meios de comunicação. Qual a contribuição das políticas culturais para promover a participação crescente da população no processo de mediação e difusão de conteúdos? Como contribuir para a garantia da ampla liberdade de expressão, sem coibir os meios existentes, mas garantindo a inserção de novos agentes comunicadores na sociedade?
3. INFRAESTRUTURA: o presidente Lula prometeu construi 1 mil novos centros culturais, sobretudo nas cidades com baixo IDH. O projeto das BACs foi abandonado antes de ser implementado e o único edital para este fim saiu no último ano de mandato. Ou seja, a maior parte da população brasileira é privada dos serviços culturais, tão essenciais quanto os de educação, saúde e segurança. Isso impede que os agentes culturais de todo o país façam suas obras criativas circular, inibindo o mercado e as possibilidades de diálogo da nossa rica diversidade. Isso não é culpa da Lei Rouanet nem da iniciativa privada. É responsabilidade do Estado. Qual a política do Brasil para a infraestrutura de cultura?
4. FINANCIAMENTO: o maior vício da relação entre governos e agentes culturais é o clientelismo, a política de balcão, a lógica de projetos e abordagem setorial (que além de privilegiar o corporativismo e o já falado clientelismo, reforça a abordagem meramente econômica, além de fechar as portas para as novas linguagens e possibilidades artísticas que não se encaixam em nenhum setor organizado). Precisamos repensar o modelo de financiamento público, abarcando as várias nuances e necessidades culturais da nação, desde a INFRAESTRUTURA, passando por investimentos ESTRUTURAIS, como corpos estáveis e ações locais, a exemplo dos Pontos de Cultura. Além disso, é preciso incentivar o MERCADO e o empreendedorismo, pois há uma série de atividades culturais que poderiam sair da tutela do Estado, dando espaço para a crescente e infindável produção cultural de todo o país. Por último, precisamos de um política de financiamento à INDÚSTRIA CULTURAL brasileira, com empréstimos subsidiados e redução de impostos. A solução proposta pelo atual governo, o Procultura, em vez de atacar o problema, que é complexo e difícil, cria um arremedo estatal grotesco de um sistema que já se mostrou ineficiente e insuficiente.
5. GESTÃO: o maior problema do Ministério da Cultura não é saber o que fazer, mas como fazer. A falta de prioridades e metas factíveis, a ciência da falta de estrutura. O abismo entre o que se propõe a fazer e o consegue realizar torna-se o maior calcanhar-de-Aquiles da cultura, não somente desta atual gestão. As saídas são improvisadas, sem metodologias e planejamento. Programas são criados e abandonados no meio do caminho. Mais tarde são retomados do zero, reinventados como se nada tivesse sido realizado.
6. CULTURA VIVA: o programa Cultura Viva merece um destaque especial. Uma excelente ideia e uma proposta inovadora que se tornou um problema incontornável para inúmeros agentes culturais. Por má gestão governamental, muitas organizações culturais (avalio de 80% dos atuais Pontos) sofrem algum tipo de pendência administrativa, de falta de recebimento, contas vetadas, inadimplência. Até as mais estruturadas sofrem com a burocracia estatal. As menos estruturadas tornam-se inoperantes. O primeiro desafio é sanar esses problemas. Depois, precisamos retomar a força dos Pontos de Cultura, com mais inteligência, colaboração e reinvenção da relação do Estado com as organizações culturais. Em primeiro lugar devemos reconhecer os milhares de Pontos de Cultura existentes no país, não só aqueles que recebem dinheiro do governo. Minha conta é que existem cerca de 150 mil (e não os atuais 2 mil). Depois, precisamos redimensionar o programa para atuar com esses 150 mil, senão a relação do governo cai no mais baixo nível de clientelismo existente. A própria Dilma disse em campanha que não é favor de projeto-piloto, mas de políticas abrangentes e direitos universais, não direcionados a poucos (que se tornam privilegiados).
7. BANDA LARGA: a nova presidenta foi visionária ao apontar que o seu governo será reconhecido pela universalização da banda larga, com caráter público e acesso irrestrito aos cidadãos. Considero esta a mais importante ação governamental para reduzir o abismo do acesso à cultura, garantia mínima dos direitos culturais previstos na Consituição Brasileira. O desafio da cultura é como introduzir os cidadãos ao mundo da Internet, oferecendo oportunidades além dos estímulos das grandes corporações de mídia e entretenimento, que afugentam o cidadão numa lógica do consumo e do espetáculo.
8. MEMÓRIA: mais do que nunca precisamos dar ouvidos a intelectuais como Marilena Chauí, Darcy Ribeiro, entre vários outros, criando condições de recriarmos nosso mito fundador, a partir do protagonismo das nossas diversas matrizes culturais, do índio, negro e novos imigrantes, que transformam o Brasil numa das mais diversas e complexas sociedades da atualidade. Reconhecer, valorizar e aprimorar as políticas para a memória é fator fundamental para o desenvolvimento da nação brasileira.
9. DIREITOS CULTURAIS: garantir a todos o acesso à cultura e a livre expressão é condição básica para o desenvolvimento humano. Isso se dá na escola, mas também nos centros culturais, bibliotecas, lan houses, espaços de convivência, terreiros, igrejas, praças públicas. O Estado não pode se furtar a cumprir este dever constitucional, que é primordial para o projeto de futuro do país. O mais antigo direito cultural, garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, é o direito autoral, que precisa encontrar seu equilíbrio entre a garantia de acesso e a subsistência dos artistas e empresas culturais.
Complete a lista no campo de comentários!
A JLeiva Cultura & Esporte lança nesse mês a pesquisa inédita Cultura nas Capitais. O…
Fonte: Ministério da Cultura* O Ministério da Cultura atingiu 100% de transparência ativa de acordo…
Até o dia 10 de fevereiro, a sociedade terá a oportunidade de participar da escolha…
O Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic) estará aberto a partir…
O Instituto Cultural Sicoob UniCentro Br está com inscrições abertas em seu edital de seleção…
Estão abertas, até 04 de fevereiro, as inscrições para o Edital Elisabete Anderle de Estímulo…
View Comments
A anti política cultural no Brasil está centrada na valorização do produto cultural importado em detrimento do nacional. Se impõe através da midia e da vanguarda do processo tecnológico, se utiliza periodicamente do câmbio a seu favor e mais recentemente do incentivo fiscal dado pelo governo via Lei Rouanet e Leis estaduais de isenção de ICMS. Goza portanto de vantagens comparativas e usufrui o mercado brasileiro de forma hegemônica.
A anti política cultural no Brasil não dá resposta para a debacle da música nacional, a mais importante manifestação cultural brasileira. Derrotada a economia da música no país, a anti política cultural brasileira trata de aproveitar o vazio ampliando a participação e presença do produto estrangeiro.
Não há política nacional alguma que não seja a de enfrentar a anti política cultural estabelecida entre nós e que nos impõe perdas significativas.
"Dilma Rousseff eleita, precisamos pensar nos novos desafios culturais de seu governo, já que a campanha se configurou como um ambiente de debate infértil".
Leonardo
Gostaria, a partir deste trecho acima, de colocar as questões de políticas públicas de cultura e a demasiada visão dos amantes dos processos corretivos, o que, a meu ver, é um verdadeiro erro.
Você, assim como muitos, classifica que a campanha se configurou como um ambiente de debate infértil. Eu vejo o oposto, uma imagem clara e bastante producente que pode nos trazer ricas reflexões. A primeira delas é a de revelar uma sociedade livre de se transformar em uma teocracia e de se deixar dominar pelos fanatismos doutrinários que, na maioria dos casos, estão mais a serviço de grandes grupos expansionistas que andam pelo mundo do que propriamente a seitas ou religiões. Isso é motivo de comemoração. Essa nossa religiosidade macunaímica, meio lá meio cá, é extraordinária, pois liberta.
Ao mesmo passo, vimos uma outra parcela da sociedade reagir com veemência contra esse apelo nitidamente jogado na campanha pelo declarado apoio da mídia ao candidato José Serra. E aí, Leonardo, vamos compreender que a sociedade se impôs diante dos abusos da concentração de informações, a qual podemos classificar como monopólio das manchetes e escândalos, já que estão nas mãos de apenas quatro famílias, ou seja, precisamos, antes de falar em liberdade de imprensa, respeitar a liberdade de expressão e opinião da sociedade, e isso só se faz com a política de democracia no meios de comunicação, melhor dizendo, expandir o máximo os espaços, os canais de transmissão para conseguirmos o tão sonhado direito à pluralidade de ideias.
Nesta eleição o povo brasileiro, ao reagir contra a força da mídia e seu jogo de manipulação, mostrou, sobretudo uma vitalidade cultural extraordinária. Então, fica bastante explícita a soberania cultural do cidadão brasileiro. O samba da bolinha do Tantinho da Mangueira virou um sucesso por descadeirar a armação da mídia. Basta agora para termos de fato políticas públicas, respeitar essa inegável força dos ventos que, historicamente sempre determinou os rumos da nossa cultura.
O que tivemos até então são as instituições formais se negando a seguir o traçado determinado pela sociedade. Digamos que é preciso construir mais pontos sem nós, sem grades, sem donos e, sobretudo sem orientações pedagógicas no que diz respeito a qualquer apelo de enxergar a cultura pela lógica das técnicas, pois essas nos deram muitos técnicos e poucos artistas para criar ou para fomentar através de sua sensibilidade as manifestações que a sociedade exige como exigiu nas urnas.
A sociedade deixou claro que não aceita qualquer cabresto, mas, sobretudo que ela valoriza a nossa cultura festeira de comunhão sem a necessidade de comungar com nenhum papa de nada.
Você tem razão Carlos. A grande mídia se perdeu e se igualou, em termos de responsabilidade civil, aos aventureiros da web. Sem dúvida foi um grande aprendizado. Pode ter sido o tiro de misericórdia... Mas, em contrapartida, não houve um veículo sequer que tenha conseguido fazer uma discussão aberta, democrática e livre. Ou estava de um lado, ou do outro. E falavam sempre para os convertidos, cada um na sua. Nós, aqui do outro lado, temos o direito de ler tudo e fazer o nosso juízo. Mas precisamos garantir a todos essa capacidade. Vamos debater! Abs, L
Caro Leonardo Brant,
Obrigado por mais essa oportunidade de canal aberto às discussões culturais. Recomendo à tod@s a leitura do livro Ponto de Cultura, o Brasil de baixo para cima, de Célio Turino. Nesse livro ele conta toda a saga trilhada para dar início à esse projeto que já ganha a atenção de diversos países da América Latina e também da europa. Claro, nenhum programa é perfeito pois é feito por inperfeitos humanos, mas vale a pena ver como na sua base, simples e direta, há a possibilidade de se implantar um programa que parte da valoração da cultura brasileira, com injeção de recursos direto na fonte (não dando muitas oportunidades para desvios). Certo, existem muitos pontos com problemas jurídicos e atpe de entendimento maior dos preceitos do Programa Cultura Viva e ponto de Cultura. Mas é gratificante omar conhecimento e vivenciar que é possível se fazer programas que tragam à luz o potencial do povo brasileiro que se reinventa através de seus fazeres culturais e suas tradições. Que possamos fazer crescer esses nove pontos indicados para início de discussões e que façamos pressão no governo para que cada vez mais a Cultura possa tomar seu lugar de norteador de um povo. A educação nesse país poderia se tornar bem melhor se experimentasse o Tripé do Programa cultura Viva e dos Pontos de Cultra. Seria uma inversão de valores imenso! Seria um ótimo exercício para acabarmos com essa lógica que "educação é para lançar jovens no Mercado".
A vida é gratuíta, bela e dinâmica: isso é cultura! Abraços e boa sorte sempre!
Exatamente Leonardo.
Como não tivemos um debate qualificado na midia industrial de lado a lado, a sociedade se encontrou nos blogs, porque ali ela pode exercer o direito de se manifestar.E isso foi "bala de prata" que determinou o resultado das eleições.Foi a propria sociedade brasileira e sua cultura,que pode produzir um ambiente rico e plural fora desta civilização artifilializada pela midia.Abração.
Sempre esqueço. Parabéns e obrigado por esse espaço e pelas suas "provocações". Abc
Muito bom artigo. Direto ao ponto, sem rodeios. Concordo sobre os Pontos de Cultura e Banda Larga. Mas o melhor ponto, para mim, é sobre a memória.
Leonardo
Se me permite, gostaria de pontuar que o maior desafio que temos pela frente é a reforma da cultura do velho Estado. Então, tomo emprestada a frase de Gil Lopes:
"A anti política cultural no Brasil está centrada na valorização do produto cultural importado em detrimento do nacional".
O problema é saber o porquê de aceitarmos tão passivamente essa sórdida política. Infelizmente são os nossos cardiais e seus academicismos universais com um pensamento adiposo depositado morbidamente no corpo obeso do velho Estado imperial que se inspiram até hoje no rei glutão, D. João.
Uma extraordinária música como é a brasileira, dentro dos nossos "reformatórios acadêmicos" de última instância, tratar esse manancial de sons como uma antessíntese e impor uma doutrina da cultura pela moral, pelas tradições e pela família, cabe na cabeça de quem?
Dia desses vi uma entrevista com um dos nossos regentes universais em que pude constar o que eu sempre soube, a deformação dos conceitos que o Estado lhe deu como base de pensamento. Do alto de sua diplomação e de batuta em riste, ele fez um desenho sobre os aspectos da música brasileira que beira a um ecatombe, mas o Estado lhe garante vultosas somas para proferir bobagens "eruditas", a estupidez pedagógica de se auto-negar, de se auto-destruir, pois assim terá garantido pelo velho Estado um plano de carreira com todos os direitos e privilégios.
Enquanto não mergulharmos de cabeça num estudo profundo para trazer à luz o que de desastroso essa cultura da coroa nos impõe, ficaremos aqui marginalizados pelo Estado tentando erguer algo no espeaço que nos resta, vivendo do zigue-zague típico de caminhos de boi, enquanto a estrada real se mantém como a grande atração oficial do estrangeirismo "universalizante".
Creio ser este o grande desafio que o governo tem pela frente, o de impor uma agenda nacional dentro dessa malta acadêmica que não faz outra coisa que não seja a negação do Brasil como principal conceito pedagógico.
A manifestação mais importante contra a anti política cultural brasileira foi dada na eleição do presidente Lula. O sapo barbudo foi imposto a muito custo pela maioria da nação e foi aceito para não governar, subestimaram os "companheiros" e o verdadeiro contra golpe quem deu foi Lula e o PT e teve o custo de um mensalão. De novo, contra a anti política cultural o país vota com Lula e elege Dilma. Não aceitamos passivamente, estamos francamente em oposição a anti política que nos domina, mudá-la depende dos avanços em vários setores. No âmbito fiscal deve se centrar forças para impedir que o produto importado tenha a mesma isenção fiscal que o nacional. É inaceitável. A construção do país democrático vai auxiliar o processo de questionar as bases de suporte da anti política cultura no Brasil. A luta cultural é constante, diária e não tem fim.
A redação de Os nove desafios culturais é digna de aplauso. Isto é iniciativa valentemente aberta. De tudo quero registrar meu apreço pelo plano Mais cultura, que contemplaria toda e qualquer classe social ao acesso à cultura. No entanto tem sido mais um desvio de verba cultural para o social. Há a inversão, talvez uma mistura que deve agregar verbas... Repudio a pouca importância e centralização dos pontos de cultura, considerando que há vaidade sobrando e muita ação de trabalho social beneficiente, desfocando o aspecto cultural. Isto é uma perda para a cultura nacional, já que não estamos "tratando" de saúde, educação, segurança, assistência social, que já têm canais que estabelecem verba para o desenvolvimento político.__Acredito que a revisão ao Plano mais cultura / Pontos de cultura, somará muito às ações propostas em "Os Nove desafios culturais", ora discutidos.
Só um adendo sobre BANDA LARGA, tomando suas palavras
"Considero esta a mais importante ação governamental para reduzir o abismo do acesso à cultura"
Não se reduzirá apenas o abismo do acesso à cultura, mas do acesso a educação, à comunicação, e a conquista da tão sonhada igualdade de oportunidades, mesmo com o google e a verizon querendo acabar com isso através da suspensão da neutralidade de rede, a internet trata todos como iguais, daí que alguém conectado está no mesmo patamar/tamanho que um gigante corporativo ou um órgão estatal, e essa quebra de hierarquia é a melhor coisa que ocorreu e ficou evidente neste século.
@gledsonshiva