Arthur Nestrovski e José Miguel Wisnik discutem a relação entre educação e música e destacam sua qualidade de conduzir através do diálogo com o novo Por Deborah Rocha
Música e educação
Passada uma semana do início do Seminário Internacional de Educação e Cultura organizado pelo SESC de São Paulo, os tons deixados por Arthur Nestrovski e José Miguel Wisnik no debate do dia 21 de agosto ainda ressoam naqueles que se sensibilizaram ao ouví-los. A exposição de suas idéias deu-se na parte da tarde do evento após uma apresentação de música do Trio Mehmari. Entre sons de violino, violoncelo, piano e bateria, os jovens músicos mesclaram repertórios eruditos e populares em composições inusitadas e bastante gratificantes. O papo que se seguiu a eles foi igualmente enriquecedor.
Condução humana
Propondo-se a estabelecer a relação entre música e educação, Arthur Nestrovski, professor titular de literatura na PUC/SP, articulista e crítico musical da Folha de S. Paulo, autor de, entre outros, ?Notas Musicais ? Do Barroco ao Jazz?, deu início ao debate buscando a etimologia da palavra educar. A palavra, segundo ele, vem de ?educhere? que, ao contrário de ?seduchere?, significa conduzir para a direção certa. Pode também ser vista do ponto de vista de um substantivo agrícola, no sentido de cultivo da alma e de colheita de bons frutos.
Patrimônio
Neste sentido, Nestrovski enfatiza a riqueza particular do patrimônio musical brasileiro e sua potencialidade para conduzir e educar. Propõe uma situação imagética em que mestres como Villa Lobos ou Pixinguinha não tivessem nascido. Neste cenário, uma lacuna singular estaria certamente formada no repertório musical no Brasil. Lamenta, portanto, que a música ainda não tenha entrado no curriculum escolar, salvo algumas exceções. Para ele, não basta somente escutar e fazer música, é preciso igualmente falar e discutir sobre ela.
Trilhos musicais
José Miguel Wisnik, compositor, ensaísta de cultura e professor de literatura na USP, autor de, entre outros, ?O Som e o Sentido?, aproveita a questão etimológica da palavra educar e acrescenta que a música, uma forma de contato muito sútil com o mundo, tem um duplo poder: o de encaminhar e o de seduzir. Da mesma forma que ela ensina, ela ?tira do trilho, apaixona?, diz Wisnik.
Erudito e popular
O compositor, então, coloca a questão do limite entre o erudito e popular. O que é música alta e baixa?, indaga. Cita a tradição reflexiva e transcendente da música ?alta? na pólis grega em oposição ao apelo somático e sensual da música ?baixa? feita por escravos e mulheres da mesma época. Fala também dos projetos introduzidos por Mário de Andrade e Villa Lobos para a formação e consolidação de uma nova música brasileira, de uma cultura musical erudita alicerçada na aliança entre música de concerto e música popular folclórica. Seus projetos, porém, foram barrados pela indústria cultural ou música popular urbana de massa.
Novos paradigmas
A Bossa Nova, neste sentido, veio produzir um novo paradigma da linguagem cancional que desfaz a dicotomia entre boa e má música e oferece novas possibilidades musicais. A Tropicália, da mesma forma, mostrou-se um exemplo de música popular de massa que era, ao mesmo tempo, formadora de um tipo de educação sentimental.
Claves de escuta
Esta reserva cultural tem, portanto, nas palavras de Wisnik, enorme valor educativo. Ao contrário da instantaneidade e do imediatismo da música produzida na indústria cultural, a ?boa? música transcende o exercício do diálogo inerente à condição humana. Neste sentido, o cruzamento de diversas linguagens musicais possibilita ao ouvinte diferentes claves de escuta, variadas disposições de espírito, que formam uma audição reflexiva e dialógica, aberta para o novo, para o diferente. A relação entre música e educação torna-se evidente.
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