Ponto de Cultura TV OVO vem fomentando a cena audiovisual no interior gaúcho, com reflexos diretos na comunidade

Maio de 1996. A Associação Comunitária da Vila Caramelo, na região oeste de Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul, iniciava uma oficina de vídeo para adolescentes. A intenção era oferecer aos jovens a oportunidade de conhecer e praticar a arte da produção audiovisual e reaver a tendência histórica de interesse local no segmento. Foi um projeto inovador que parecia um pouco distante da realidade da comunidade. O que não se imaginava é que essa pequena iniciativa iria produzir tantas dúzias de talentos.

No ano seguinte, houve a transformação da oficina em uma associação sem fins lucrativos, e assim nascia a TV OVO. Com muito sonho, nenhum dinheiro e a vontade de construir algo novo, os adolescentes começaram a mostrar e documentar a realidade, as organizações e a cultura da vizinhança. Saído da primeira turma com então 13 anos, o hoje coordenador geral Alexsandro Oliveira rememora todos os passos com euforia. Do primeiro curso com câmera emprestada, passando pelo financiamento do projeto Cooesperança da Igreja Católica para aquisição dos equipamentos, além das salas emprestadas pelo Sindicato dos Bancários da cidade, o crescimento é evidente. E os resultados também. Para fazer frente às necessidades de compra de fitas, por exemplo, os alunos faziam gravações de festas variadas e imediatamente reinvestiam a renda. “No final, conseguimos produzir um novo olhar sobre as comunidades, afinal um projeto cultural é também social, pelo conjunto de relações que constrói”, conceitua.

Ação – O trabalho com vídeo é o foco da ação da TV OVO, mas o objetivo maior é formar pessoas com identidade própria, transformando-as em protagonistas de suas histórias por meio da perspectiva audiovisual. Assim surgem reportagens, documentários, ficções, videoclipes, programas de TV, participação e colaboração em curtas-metragens e cobertura de eventos. “As atividades desenvolvidas proporcionam uma oportunidade de aprendizado aos jovens, mas também potencializam e fomentam a discussão e a reflexão sobre a vida que os envolve. Deixa-se de ser mero consumidor de informação e se transforma em agente e sujeito de comunicação e de cultura”, diz um dos fundadores do projeto, Paulo Tavares.

E parafraseando um dito popular: “não basta produzir, tem que exibir”. Sim, o grupo parte do pressuposto, nem sempre presente na dinâmica da produção audiovisual brasileira, que o trabalho realizado é para ser visto. Têm-se exibições que vão desde simples TVs até projeções em telão, nos salões comunitários, nas igrejas, em escolas ou até mesmo nos espaços públicos. Através de uma parceria com a Fundação Cultural Piratini, transmissora da TVE Rio Grande do Sul, de 1999 a 2003 a TV OVO co-produziu o programa Povo Gaúcho. Foram diversas viagens para mostrar as diferentes culturas que formam o estado.

Em 2001, foi apresentado o projeto “TV OVO no Ônibus”. A idéia é simples: produz-se um programa de TV de 30 minutos mensais, com vários quadros que vão desde reportagens a videoclipes de bandas locais e a exibição é feita de forma contínua em um ônibus, equipado com videocassete e TV. Circulando por diferentes linhas durante o mês, permite que diferentes pessoas e comunidades tenham acesso a sua programação. Realizado em parceria com a empresa Expresso Medianeira, o projeto teve no início o financiamento da Lei de Incentivo à Cultura de Santa Maria. Já em 2003, numa parceria com a Prefeitura Municipal, foi desenvolvido o projeto “TV na Rua”, com oficinas, produção de vídeos e exibição das produções na periferia.

A TV OVO já realizou 16 turmas de oficinas de vídeo. Com média de 30 participantes por ano, vários ex-alunos são ativos prestadores de serviço de produtoras privadas regionais. O coordenador Oliveira é técnico em rádio e televisão de universidade particular nos cursos de Jornalismo e Publicidade, e o instrutor Marcos Borba trabalha no canal a cabo da Câmara Municipal de Vereadores, para ficar em dois exemplos. Hoje, 10 anos depois, eles são ministrantes dos cursos e junto com a equipe, credenciaram a TV OVO como Ponto de Cultura Espelho da Comunidade. Foi um dos 260 projetos selecionados no 1º Edital do Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura. Entre as atividades, estão a realização de oficinas de vídeo para jovens e adolescentes, a produção de vídeos comunitários, o programa TV OVO no Ônibus, o Cineclube Lanterninha Aurélio Itinerante, os núcleos de vídeo comunitário em comunidades e a criação da Biblioteca do Audiovisual, atualmente com 240 volumes.

O Ponto de Cultura já executou a primeira fase do Curso de Capacitação de Agentes Culturais e Produção Audiovisual, que atendeu cerca de 100 jovens e adolescentes, no primeiro semestre de 2006. 74 deles receberam bolsas Primeiro Emprego no valor de R$150 mensais, durante seis meses, como parte da ação Agente Cultura Viva, desenvolvida pelo MinC com o Ministério do Trabalho. Um dos alunos, o estudante do ensino médio Geison Oliveira, confessa ter ficado encantado com o movimento e a operação das câmeras. Como gosta de música, pensa em trabalhar com trilhas sonoras e sonoplastia para filmes.

Atualmente, está sendo realizada a segunda fase, com três novas turmas iniciadas em agosto, nas comunidades de Nova Santa Marta, Nonoai e Cohab Fernando Ferrari, atendendo cerca de 80 jovens. Um dos atuais monitores, o jovem técnico em informática André Campanhol, é recém-saído dos treinamentos. Estimulado pelas oficinas, encontrou no grupo sua identidade e já faz trabalhos free-lancer para produtoras. Seu objetivo é atuar profissionalmente como editor, e ele já está pesquisando qual o curso de graduação em cinema mais próximo.

Está prevista ainda uma turma do curso na Gare da Estação Ferroviária, atendendo jovens e adolescentes em situação de risco, pelo projeto “Estação da Paz” das Secretarias de Cultura e de Assistência Social de Santa Maria. Como contrapartida deste convênio, a TV OVO vai poder utilizar quatro salas na Casa de Cultura da cidade, e fazer a instalação de estrutura de mais cinco sedes distintas. “O aval institucional do Ponto de Cultura foi fundamental pra esta idoneidade”, atesta Oliveira.

Cineclubismo – O cineclubismo também faz parte desta história. De 97 a 99, a TV OVO e os seus jovens auxiliaram na execução do Otelo Cineclube, projeto cultural do Sindicato dos Bancários de Santa Maria e região.

Em 2001 e 2002, a TV manteve o Espaço Cultural TV OVO e o Cineclube Porão, junto à sua sede. As dependências foram colocadas à disposição da comunidade para mostras de artes e outras iniciativas culturais. Atualmente, participa da coordenação do Cineclube Lanterninha Aurélio, projeto da Cooperativa dos Estudantes de Santa Maria, também empreendendo sessões de cinema itinerantes, em escolas, vilas, bairros e distritos de Santa Maria e outros municípios da região.

Mas a turma do TV OVO não pára. É colaboradora de outros feitos, sempre considerando que o veículo audiovisual é ferramenta indispensável para a valorização da história da comunidade e para a descoberta de novas formas de produção. Eles são co-promotores do Festival Santa Maria Vídeo e Cinema (SMCV), cuja quinta edição ocorreu em  julho passado. Foram inscritos 20 curtas santa-marienses.

Repercussão – Todo esse panorama de dedicação e aperfeiçoamento traz um reflexo direto na comunidade. A Universidade Federal de Santa Maria abriu um curso de extensão em cinema digital. Desde sua criação, em 2002, foram realizados onze curtas metragens por cerca de 250 alunos, a maioria deles premiados em festivais de cinema do país. Segundo o cineasta e um dos coordenadores de curso, Sérgio Assis Brasil, com a chegada do Festival a cidade firma-se como um importante pólo de produção audiovisual no estado. “A TV OVO está inserida neste contexto. Principalmente,  sem esquecer o social e o ético, o que faz dela muito mais do que uma produtora de vídeo”, atesta.

O curso de artes cênicas da instituição não fica atrás. A edição deste ano teve um índice de 8 candidatos/vaga, superior a várias profissões tradicionalmente mais procuradas, para credenciar-se como um curso de conceito MB (quatro estrelas), pela análise do Ministério da Educação, e portanto, entre os cinco melhores do país. Na última formatura em março deste ano, levou ao mercado 34 novos atores e diretores.

Para organizar este novo contingente de trabalhadores especializados, a sociedade civil também se articula. Foi criada em abril de 2002 a Estação Cinema – Associação dos Profissionais Técnicos de Santa Maria. Entre os objetivos, consta a instauração de  tabela própria de pagamentos, já em uso. O grupo ainda é responsável por mostras de produções santa-marienses na busca de maior interlocução com o público. “Uma das marcas da entidade tem sido a busca pela descentralização de projetos e incentivos. o que já tem se transformado em realidade”, atesta um dos gestores e também diretor geral do SMCV, Luiz Alberto Cassol.

Incentivo – A Prefeitura Municipal de Santa Maria, que possui uma lei de incentivo à cultura baseada em renúncia fiscal de IPTU e ISSQN desde 1996, também está atenta às movimentações audiovisuais. Sua última reunião de análise, em novembro de 2005, aprovou cinco projetos de cinema e vídeo, que estão em processo de captação e realização: os filmes “A Filha do Coronel” e “Clô, Dias e Noites”, a finalização do filme “Fome de Quê?”, o Cine Itinerante Claquete e ainda o próprio Santa Maria Vídeo e Cinema, numa previsão total de investimento de cerca de R$188.000.

Rodrigo Cogo


editor

1Comentário

  • Marcos André Carvalho Lins, 12 de outubro de 2006 @ 21:37 Reply

    quando o povo quer , o povo pode. Eis a maior prova. A nossa economia é criativa, e a nossa criatividade gera um ciclo econômico orgânico. o Estado tem apenas que ser receptivo.

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