“O Brasil é um desses laboratórios do capitalismo contemporâneo, onde as indústrias criativas florescem e começam a ser apropriadas pelo comum, mas também é um território de conflitos, onde se criminaliza a cultura da difusão e da cópia e a produção vinda das periferias”, afirma Giuseppe Cocco.

O auditório de Agência de Desenvolvimento da Amazônia, em Belém do Pará, foi palco do encerramento de um ciclo. Pelo menos para os pesquisadores Giuseppe Cocco e Ivana Bentes, organizadores do Seminário Internacional “A Constituição do Comum”, e mais de trinta intelectuais, políticos, e pesquisadores da área. O Seminário, que passou por quatro capitais (Vitória, Rio de Janeiro, Salvador e Belém), resultará em um livro, ainda sem data para a publicação.

Pensar a comunicação e a cultura associadas ao desenvolvimento que se combina com o pensamento democrático. O debate busca ampliar o conceito de cultura para além da produção cultural e das linguagens artísticas, entendendo a cultura como o conjunto de produções simbólicas, que se expressa também como cidadania e economia.

Com a proposta de refletir sobre as relações de trabalho, produção cultural e trabalho informal, em um novo cenário das transformações do capitalismo e suas conseqüências sócio-econômicas, o seminário, segundo avaliou Giuseppe Cocco (UFRJ), está alcançando seus objetivos. “Em linhas gerais, me parece que avançamos na direção de uma reflexão das questões de cultura, das redes, das comunicações e, pois, da TV Digital, da propriedade intelectual, dos movimentos culturais”, disse em entrevista à jornalista Ana Paula Conde (leia a entrevista na integra).

“Além disso, o seminário objetiva a ampliação do público-alvo das políticas de ações, passando este a ser o cidadão e não apenas o artista e/ou produtor cultural. E, ainda, pensar não mais a produção e a difusão direta do Estado, mas a criação favorável à ampliação da produção, difusão e fruição pela sociedade”, completou o professor.

Ivana Bentes, diretora da Escola de Comunicação da UFRJ, analisou que o Seminário aponta o lugar estratégico que os meios de comunicação e a Cultura ocupam no capitalismo cognitivo (também chamado de Economia do Conhecimento, o conceito revê modelo da teoria econômica e tem nas novas tecnologias de comunicação e informação a base de uma nova formação social). Estes meios conduzem para o mundo das especializações, e mobiliza o amador universal (o cidadão que se apropria das tecnologias e das linguagens técnicas), o comunicador social, o jornalista cidadão e a potência criadora das periferias.

Laboratório do capitalismo
“O Brasil é um desses laboratórios do capitalismo contemporâneo, onde as indústrias criativas florescem e começam a ser apropriadas pelo comum, mas também é um território de conflitos, onde se criminaliza a cultura da difusão e da cópia, se criminaliza o ‘precariado cognitivo’, e a produção vinda das periferias”, considerou a comunicóloga.

Outro intuito do seminário, fomentado pelo Programa Cultura e Pensamento do MinC, era o fomento de um mercado independente baseado ao acesso e utilização de novas tecnologias. Sobre este panorama, o professor da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), José Antonio Martinuzzo, comentou: “O uso intensivo de tecnologias de comunicação e informação, além do capitalismo global, são algumas das marcas desse tempo, que exige novas formas de atuação e articulação política”.

O secretário do Governo do Pará, Cláudio Puty, chamou a atenção para o dever do Estado sobre a democratização da comunicação. “A conseqüência disso pode ser a mobilização maior da sociedade, por meio da facilitação do Estado em proporcionar um novo ambiente em que a informação circule de maneira democrática e clara”.

Resistências Culturais
No documentário “Encontro com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá” (Silvio Tendler, 2007), baseado na obra do geógrafo mineiro, “Por uma outra globalização” (Milton Santos, 2000), as formas de produção cultural independentes são desmistificadas pelo olhar da objetiva.

Nas periferias, e por meio de acesso de conhecimento e divulgação, há produção cultural. Longe da grande mídia e confeccionadas de forma amadora e brava, essas ações denominadas por Cocco de “reservatórios de mobilização produtivas”, cobrem o que está longe das pautas dos jornais e tevês.

O processo histórico de nova reorganização geopolítica mundial, denominado de globalização (ou mundialização) tem sido apontado como um não-lugar, ou um espaço policêntrico, em que periferia e centro se misturam de forma sistemática. Nas palavras do Cocco: “As redes se integram sem respeitar fronteiras, de maneira horizontal e difusa. Elas atravessam os muros das universidades, dos bairros, das regiões e dos países. E esse movimento encolhe as distâncias”, afirma.

Novo paradigma de trabalho
Giuseppe Cocco costuma afirmar que não é o trabalho que está desaparecendo, mas sim o seu estatuto e o seu conteúdo que estão mudando radicalmente. Sobre esse aspecto, o pesquisador teoriza sobre a necessidade de repensar as formas de remuneração e de proteção trabalhistas.

Segundo ele, essas mudanças tornaram as relações mais fragmentadas, apesar de mais livres. Influenciado pela forma de trabalho da área cultural, o mercado de trabalho aderiu à forma de contrato por produtividade na relação entre empregador e empregado. “O trabalho na área cultural é produzido por projetos (contratos). O que antes era específico dessa área, é hoje a condição paradigmática do trabalho em geral”, afirmou o sociólogo.

“É por isso que a produção da cultura aparece como paradigmática: ela depende da agregação de valor aos suportes materiais e organização colaborativa e em rede do trabalho. Ao mesmo tempo, a cultura aparece como a fronteira de constituição do comum”, acrescentou Cocco.

Saiba sobre a Universidade Nômade, projeto de Giuseppe Cocco.

Eduardo Henrique Brandão


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