Jordi Pascual fala sobre a Agenda 21 da Cultura, o primeiro documento com vocação mundial que compromete as cidades e os governos locais com o desenvolvimento cultural
A Agenda 21 da Cultura é o primeiro documento com vocação mundial que estabelece as bases de um compromisso das cidades e dos governos locais para o desenvolvimento cultural. Jordi Pascual é coordenador da organização mundial Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU), que adotou a Agenda 21 como um documento de referência dos seus programas em cultura e assumiu um papel de coordenação do processo posterior à sua aprovação em maio de 2004, em Barcelona, pelo IV Fórum de Autoridades Locais pela Inclusão Social de Porto Alegre, no marco do primeiro Fórum Universal das Culturas.
Ele é também pesquisador em políticas culturais, desenvolvimento local e relações internacionais, tendo atuado na Universidad Autónoma de Barcelona, na Fundación Interarts e no Instituto de Cultura del Ayuntamiento de Barcelona.
CeM: Por que a Agenda 21 da Cultura é uma ferramenta valiosa para o desenvolvimento cultural das cidades?
JP: As cidades promotoras deste documento, criado no IV Fórum de Autoridades Locais pela Inclusão Social de Porto Alegre, acreditaram que era importante ter um texto de referência para o desenvolvimento cultural local, principalmente por que não havia um texto assim até então. Umas das principais contribuições da Agenda 21 é o pioneirismo desse texto. O mundo da cultura trabalha com um excesso de idiosincrasia e individualidade locais, como se a cultura fosse algo extraordinário, incomparável…quer dizer, abordável somente a partir de parâmetros locais ou nacionais. Hoje sabemos, de um ponto de vista conceitual, que os direitos culturais são imprescindíveis para o desenvolvimento humano, e que as políticas públicas para a cultura são necessárias para garantir esses direitos. De um ponto de vista técnico, sabemos que os organismos internacionais são necessários para compartilhar a informação e que acertar pactos internacionais pode ajudar a se dar maior importância a certos temas. De certa maneira, a Agenda 21 pode ser entendida como uma oportunidade para reforçar as politicas culturais locais. Mas cada cidade e governo locais devem decidir se a Agenda é uma ferramenta valiosa para seu desenvolvimento cultural.
CeM: Como funciona na prática a Agenda 21? A CGLU acompanha o trabalho das cidades que adotaram a Agenda, verificando se ela está sendo realmente praticada pelos governos locais?
JP: A UCGL acompanha o processo na medida do possível. Ela criou um grupo de trabalho cuja responsabilidade é a difusão e implementação da Agenda 21. As cidades e governos locais que aderirem à Agenda podem confirmar sua adesão para a CGLU, para que esta possa atualizar a lista de adesões. Ainda assim, o grupo de trabalho de cultura da CGLU se propôs a apresentar dois documentos em outubro deste ano. O primeiro seria um guia para a implementação da Agenda em uma cidade, e o outro, um marco referencial baseado na Agenda, que permitiria às cidades enviar um relatório anual de suas políticas e programas culturais.
CeM: No Brasil, se imagina que na Europa as questões culturais estão bem mais avançadas, mas no entanto vocês também estão lutando pelo desenvolvimento cultural…
JP: O conceito de desenvolvimento cultural, como entendo, tem a ver com a promoção dos direitos culturais e com a participação dos cidadãos na vida cultural de sua cidade. Com certeza é verdade que na Europa há uma maior oferta e consumo culturais, mas não estou certo de que o bem estar cultural na Europa, atualmente, seja muito alto, pois se perdeu muito capital social que possibilita esse bem estar.
CeM: Como o setor cultural de cada cidade pode fazer para os governos locais se comprometerem com o desenvolvimento cultural?
JP: Minha opinião pessoal é que o papel da sociedade civil nessas estratégias é fundamental (entendo a sociedade civil no sentido amplo, incluinso as associações e movimentos sociais). Sem demandas dos cidadãos para que a cultura tenha um papel mais importante na articulação de nossas cidades, será muito difícil que os governos avancem nessa direção. Os temas relacionados com o meio-ambiente, ou com os direitos humanos, têm avançado graças às iniciativas da sociedade civil e a uma parceria de longo prazo com os governos. Hoje, o papel dos governos locais é fundamental, pois a sociedade pede informação, interação e participação. O setor cultural de cada cidade pode construir plataformas e propor programas para a cultura a médio e longo prazos, com uma noção clara de co-responsabilidade com o governo local. Convém ao setor cultural colocar a cidadania no centro de suas estratégias.
CeM: Um dos princípios da Agenda 21 da Cultura fala sobre a necessidade de criar condições para a paz juntamente com as estratégias de desenvolvimento cultural, para erradicar expressõs de intolerância como guerras e terrorismo. A Agenda 21 poderia ser implementada no Oriente Médio, por exemplo? Que resultados ela poderia atingir em cidades dessa região, tomadas pelo fanatismo religioso?
JP: É muito difícil responder esta pergunta, pois não conheço bem a situação no Oriente Médio. Estou certo de que nas cidades dessa região existem muitas iniciativas pela paz, e que o setor cultural é muito ativo nelas. Essas cidades foram durante muitos séculos um exemplo marcante de convivência, e creio ser possível que ela volte a existir no futuro.
CeM: Um dos compromissos da Agenda 21 é garantir o financiamento público da cultura mediante os instrumentos necessários. Como conseguir isso em cidades de países como o Brasil, onde a verba governamental para a área cultural é sempre escassa e sujeita a variações constantes?
JP: No Brasil, como em todos os países do mundo, são necessários acordos a longo prazo para a cultura, com o maior consenso político possível, e que incluam o maior número possível de representantes da sociedade civil. Esta tem um papel fundamental, pois se conseguir um acordo comum, é mais provável conseguir que os governos se juntem a essa iniciativa.
CeM: O senhor acompanha a área cultural no Brasil? Qual sua visão a respeito?
JP: Conheço muito pouco o Brasil, e me parece um país com imensas possibilidades, que exerce um papel de liderança em muitas iniciativas no campo da cultura. Por exemplo, a liderança dos municípios brasileiros no processo de redação da Agenda 21 é um feito indiscutível. O texto aprovado não teria sido o mesmo sem a liderança de Porto Alegre, assim como do Recife e outras cidades. As iniciativas ligadas à propriedade intelectual que o Ministro da Cultura recentemente empreendeu me parecem muito novas.
CeM: A ratificação da Convenção da Unesco pela Diversidade Cultural parece estar caminhando a passos lentos. Como anda o processo na Europa?
JP: O processo é lento, mas certo. Atualmente cada país está seguindo seus processos internos, tanto na esfera parlamentária como na governamental. Creio que existe uma coordenação entre os países membros da União Européia para ratificar a Convenção em conjunto. Minha fonte favorita de informação sobre esse tema é o boletim editado pelo governo de Quebec (s://www.diversite-culturelle.qc.ca).
Conheça a Agenda 21: s://agenda21cultura.org
André Fonseca
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