Retomando ao ponto em que já estive, expondo a necessidade de reduzir os debates a respeito da política cultural a verdades mínimas, quero ir um passo adiante nesta bravata, pois acredito que não preciso ir muito longe para chegar a algum lugar. Tratar deste assunto no passado, presente ou futuro, é ao final a mesma coisa, mudam apenas os nomes, localidades e circunstâncias.

Antes da cultura, comecemos pela política, que desde Lúcio Aurélio Cómodo, tornou-se a boa pirotecnia que conhecemos hoje tanto nas campanhas políticas, como nas ações culturais. Este crápula filho do filosofo imperador Marco Aurélio, substituiu o pai destruindo o império Romano entre os anos de 180 à 192, transformando Roma em um grande circo, mas principalmente expondo o povo a barbárie cultural com as lutas de gladiadores, aos quais ele mesmo se juntou para satisfazer seu deleite sanguinário. Alguma semelhança com a atualidade? Resumindo Paul Veyne, autor de Pão e Circo, é isto que restou da política, apenas um espetáculo! Evoco Cómodo, para puxar uma reflexão maior ou no mínimo para incomodar. Política cultural de pão e circo, não vale!

Esqueçam das ações pontuais, eventos, exposições, feiras, financiamento, leis de incentivo, programas, seminários e vamos direto ao ponto, analisando os reais interesses revelados através dos discursos, debates e eventos que se reproduzem por todos os cantos. A política cultural vigente a cada tempo, é, e sempre será resultado da máxima que “O Homem é a medida de todas as coisas” em uma metáfora ao estudo “cânon vitruviano” de Da Vinci. Ou seja, é sempre o interesse do homem, seu espelho. Este desejo é descrito pelos autores clássicos da política Hobbes e Maquiavel, considerados entre aqueles que melhor fizeram justa medida ao homem, em outro sentido ao que de suas genitálias, mas, de seus defeitos em oposição às qualidades, naquilo que chamamos da natureza humana. Não podemos esquecer da natureza dos interesses, como ponto de chegada, ao afirmar que a política, independente ao tempo em que esta posta, é sempre pautada naqueles interesses que tragam vantagens imediatas aos que saibam fazer valer a sua voz, ou espada. Cultura é poder!

O conhecimento da política cultural, acumulada nas últimas décadas, nada mais é que a especialização destes interesses. À medida que as informações contribuem para aquisição de uma visão crítica, formulando teorias, que possam gerar condições para a cultura ter papel estruturante para a humanidade, menos ela cumpre esta função, graças à sobreposição de interesses, entre a sociedade, o estado e o capital. Na mão do homem esta informação desaparece, em sua essência restando apenas seu reflexo, para que nenhum outro homem a use.

Esta sobreposição de interesses formatou um único discurso que desde então soa mais alto, levando a mensagem a distancias enormes, cada vez mais longe das suas funções originais, da cultura enquanto elo social. Por conseqüência desta repetição, outra verdade não tem vez, com a estagnação de qualquer debate a cerca desta, que não seja, indústria e cultura de massas.

As repetições dos interesses de alguns, cem mil vezes a mesma coisa, conquistaram ineptos agentes, que repetiram com cem mil vozes à mesma coisa, engrossando o coro alienante: “Queremos esta política cultural, que atenda a indústria cultural”. Mesmo que a maioria não consiga captar o que significa esta frase, nem mesmo compreender seus efeitos, ou, aquilo que é o mais importante, enxergar a quem serve? Ainda assim ela foi dita, e agora é a única verdade. Por isso tem sido sistematicamente sobreposta à reverberação, sujeitando a palavra ao eco, a todo custo, por aqueles que querem abafar as vozes que se levantam para dizer outra coisa. Colocando no mesmo balaio, a cultura em um debate transversal com a diversidade cultural, indústria cultural e política cultural. Pois a cultura para estes, é democrática, não precisa ser debatida separadamente. Hora, tudo isso é a mesma coisa! Não?!

Ao contrário, devemos separar se necessário, ao confrontar as idéias rasas que não provocavam surtos filosóficos, no máximo espasmos. Inverter este cotidiano imediato, individual e materialista… ou seja, “o ser”, da ação, vista pela perspectiva mais pragmática e positiva. Combater o óbvio, esse pensamento comportamentalista que gruda quem nem merda nos sapatos, como a musica desta indústria, com refrões de musicas alienadas, porem reveladoras, como aquela profética que diz “cada qual no seu quadrado; cada qual no seu quadrado!”. Perfeita ao ilustrar o enquadramento social, combinando convergência, individualismo e degeneração cultural. Este é o resultado da política cultural, o espírito do tempo, a medida e espelho do homem.

A crítica deve parecer aos olhos de alguns injusta, descabida e para outros, ameaçadora. Portanto proponho, nem mais nem menos, se não podem apresentar caminhos mais justos, ao ponto que a função de suas exposições, transponham a “falação”, levando efetivamente a ação, que se calem! Assim pelo menos param de reverberar a política “do ser” ignorando o “dever ser”, para deixar que outros defendam a cultura do “ser” a partir do “dever ser”. Ou seja, substituir o pensamento anterior, pela lógica que induza a estrutura a uma mudança de paradigma, devendo esta ser orientada pelo justo e não pelo possível. Da filosofia, até a ação é um longo caminho, esta nova motivação parece mais orientada ao confronto, busca da autoconsciência dos agentes sociais enquanto elos transformadores e multiplicadores destas palavras, sendo verdadeiros agentes culturais. Os outros que me perdoem, mas de hoje em diante serão chamados de agentes dês-culturais!

Esta transformação é fundamental no nível interior dos indivíduos, a partir desta aquisição de uma perspectiva filosófica, sociológica e política para a cultura. Porem a mudança de discurso de alguns, não reflete em uma mudança da maioria, que ainda ouve o discurso, apenas pelo discurso. No campo da cultura de massas, o que importa são números, resultados e estatísticas vazias que apenas pretendem legitimar a cultura como adereço dos veículos de comunicação. É nisto que se funda o discurso! A comunicação apenas pretende preencher o vazio existencial para contribuir com o condicionamento do ser humano em trabalhador, mantendo a ordem e o poder do estado. Por isso as perguntas clássicas: Quem manda? Como manda? Nunca são feitas, porque invariavelmente são seguidas de uma reflexão que revela a intenção da cultura imposta, que esta, na verdade pretendente ser o poder. A indústria cultural e o poder econômico agem em harmonia com o estado. A cultura, graças a total dominação dos campos está a serviço destes grupos, ou, apenas na melhor das hipóteses é administrada pela corrente jurídica, pautada nos interesses do poder coercitivo e manutenção da ordem. Todas, ao final são parceiras ao legitimar a exploração da economia sobre a sociedade. Nesta altura o poder e a cultura revelam-se a mesma coisa.

Portanto a pergunta que não quer calar: A quem serve esta política cultural oferecida pelo estado? Pode ser respondida com a simples observação de quem está à mesa conversando. O que é oferecido, definitivamente não é posto de bandeja pra ser debatido com quem mais precisa. Convidados à mesa, apenas os escolhidos. As sobras? Distribuídas entre os populares da base ideológica, militantes e figuras exóticas que possam ser expostas como representantes da diversidade cultural, não em respeito ao fato de serem detentores de outros conhecimentos e realidades, mas apenas tratadas como aberrações do circo, necessárias ao espetáculo. Mesmo assim ainda insistem em tratar a política cultural neste país como algo diferente de dominação estrangeira da barbárie, para a barbárie e pela barbárie.

Seria o caso, a esta altura, perguntar, se esta política que supostamente nos traz benefícios através de direitos e deveres, se revela uma troca justa? Um compromisso firmado entre todos. Mas porque apenas nós temos que acreditar e fazer a nossa parte? Se o outro lado não ira cumprir a palavra! Trata-se de uma relação de Dádiva no conceito de Mauss? Ou, uma Dádiva Simulacro? Aquela que nos aprisiona!

Que política cultural é essa? O que pretendem? O que deveria ser uma política cultural de verdade? Existe política cultural alem dos interesses vigentes? Das ilusões de dominação e poder? Existe uma política cultural que seja algo alem do que a manutenção do poder do estado?

Para facilitar a resposta a este dilúvio de perguntas, recorro novamente à história. Primeiramente citei um Romano, agora utilizo uma ilustração dos Gregos. O berço da civilização ocidental, onde a mitologia transformou pessoas comuns em imortais, sacramentou a história com a mentira universal que nos afaga, ilude e conforta. Onde se revelou a aptidão humana a gostar de dramas, lá foi registrado o dito popular que resiste ao tempo, desde a guerra entre Esparta e Tróia, a lição de que devemos desconfiar de tudo que seja humano. Desconfiar, ainda mais de um presente de Grego. Todo presente exige uma troca, e toda ação tem uma intenção. Daí a idéia de que o homem tem em suas medidas algo a esconder.

Da Vinci, ao se inspirar em Protágoras (filosofo Grego) estava certo? O Homem é a medida de todas as coisas? Se for, devemos refletir sobre os homens que definem os caminhos da cultura, pois neles residem todas as medidas! Todos os homens do estado em suas medidas são homens do presidente.

Logo apresento a primeira redução a que me propus. A política cultural não é a cultura! Política é manutenção do poder! E cultura, neste contexto é apenas instrumento de poder!


Pesquisador, escritor e agitador cultural. Diretor do Musin - Museu do Som Independente. Membro do Conselho Nacional de Políticas Culturais/MINC (2010/12). Facebook: www.facebook.com/manoel.j.de.souza.neto

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