Convenhamos que é uma ótima ideia “produzir e alimentar um blog durante um ano, com publicação diária de vídeos inéditos; atrair aproximadamente 6.000 (sic) visitantes diariamente; estimular a formação de público de leitores; estimular a discussão, na rede, sobre poesia e literatura; propiciar o contato e interação de jovens com literatura brasileira; estimular artistas de diferentes áreas a produzir conteúdo baseado em poesias e textos; produzir material audiovisual de grande qualidade técnica e artística; reunir uma equipe altamente capacitada e experiente para realizar o projeto; multiplicar resultados, estimulando o compartilhamento do conteúdo dos vídeos em outras redes, como YouTube, Facebook, Twitter e Orkut”.

Originada dos calendários destacáveis com frases e imagens diárias, a ideia de postar na internet vídeos diários gratuitamente, com uma artista do quilate da cantora Maria Betânia e em paralelo promover a discussão e a difusão da poesia sob todas as formas, é um pequeno ovo de Colombo.

Aí está uma ideia que eu gostaria de ter tido.

Junte-se a isto uma produtora (Conspiração) de reconhecido e exemplar portfólio. Temos então um projeto cultural na lei do audiovisual bem-sucedido?

Não.

Antes falta o dinheiro que só virá se os produtores conseguirem convencer alguma empresa a apoiar o projeto repassando parte do seu imposto a pagar.

Bastou, no entanto, que se divulgasse a aprovação do projeto pelo Ministério da Cultura e sin sala bin, num passe de mágica, tivéssemos uma enorme e furiosa batalha na internet com acusações, insinuações, discordâncias. Mágoa, muita gente magoada. Muita inveja. Um sofrimento de fazer dó. Palavrões no twitter xingando a cantora, ministro da Cultura, ódio represado.

É assustador.

Tem alguma coisa muito errada neste processo.

Desde quando a cultura no Brasil não precisa de incentivos e apoio do Estado? Tente qualquer um ir a uma empresa e oferecer um projeto cultural qualquer sem incentivo e veja se consegue.

Pode ser até que a Maria Betânia e a Conspiração Filmes consigam convencer agências e empresas e patrocinarem o blog com verbas próprias. Ótimo. Seria maravilhoso para a cultura e para a poesia.

E qual o problema do recurso ser incentivado? Neste caso, deve ser incentivado porque basta olhar o que as empresas – o mercado – têm feito pela poesia no Brasil. Perguntem aos poetas o quanto de dinheiro conseguiram privadamente para viabilizar suas ideias nos últimos 20 anos.

Além das suposições de praxe das relações entre a cantora irmã e a ministro irmã, insinuações de protecionismos, a guerrilha também põe em xeque os valores apropriados no projeto, colocando no rol das atividades criminosas ganhar-se dinheiro com o sucesso, com o resultado de anos de trabalho.

Vamos a uma curta análise. Quanto representa de trabalho pesquisar e definir 365 poesias, selecionar trechos, estudar o autor, estilo, atmosfera proposta por poema, definir 365 diferentes interpretações, estudar decorar e ensaiar algo em torno de 1.095 minutos de texto (18 horas aproximadamente)? Quanto representa de trabalho responsabilizar-se por tudo isto mantendo padrões de qualidade, acompanhando as intermináveis horas de edição, de pós-produção? Quanto representa a associação da imagem pessoal da artista ao projeto?

As perguntas acima referem-se exclusivamente a questões de direção artística do projeto.

Pois bem. Várias pessoas criticaram os valores atribuídos ao trabalho da intérprete e diretora. Houve até quem dissesse que se fosse outro nome, o projeto não seria aprovado. Ou ainda que o valor é muito alto e que a cantora não vale isto. A fila de absurdos vai além, discutindo-se inclusive se os prazos de dedicação ao projeto valem isto ou aquilo. As mesmas pessoas que aceitam com tranquilidade o valor da marca de um refrigerante, ou de um tênis famoso, são incapazes de atribuir valor à “marca” de um artista, ao seu valor simbólico e, por que não, o seu valor comercial.

Observe como é complexa a questão. Trata-se de discriminação ao contrário. Os críticos da iniciativa fazem uma inversão doentia argumentando que é protecionismo, que o projeto não se sustentaria com um nome desconhecido – este sim merecedor de apoio. Reprovam/condenam o fato concreto da aprovação do projeto lastreado num nome conhecido de inquestionáveis méritos artísticos, de ligação pessoal com a poesia e merecedor de remuneração justa pelo valor que agrega ao projeto. Nesta maneira de pensar, preferem deixar de lado o que é bom, responsável, reconhecido, meritório e valorizar o que é duvidoso, desconhecido. Os críticos desta iniciativa esquecem que também na cultura há um processo em curso. O que é novo deve ser incentivado na medida do seu tamanho.

Há poucos dias recebi um comentário discordando de um texto que publiquei onde ressaltava serem necessários cursos de preparação de gestores que considerem os princípios gerais da economia, da administração pública, acrescentando que, mesmo cumprida esta etapa, precisaríamos dar tempo a estas pessoas adquirirem experiência/vivência de gestão. Para alguns, basta um indivíduo fazer um curso e estar pronto para ser gestor de um projeto, uma empresa, um órgão governamental. Parece que não entra na cabeça das pessoas que maturidade artística, administrativa é importante e que, sobretudo na atividade cultural, erudição se obtém pela experimentação, repetição, aprendizado.

Talvez a velocidade com que as coisas acontecem na nuvem levem a estes julgamentos apressados. Talvez a falta de balizamento, a falta de quem diga o que é certo ou errado, do que é bom ou ruim, leve alguns a dizerem o que primeiro lhes passa pela cabeça. Devem também existir outros que, sem qualquer pudor, criam ou aproveitam a onda para fazer prevalecerem seus próprios interesses, mas isto é outra história.

O foco aqui é este fenômeno de distorção de valores, do exagero na crítica, do excesso raivoso.

Situação semelhante acontece com o tsunami envolvendo o jovem cartunista João Montanaro, 14 anos, e sua charge publicada no dia 12/3 na Folha de São Paulo.

Ao desenhar uma onda devastando uma cidade japonesa, escolhendo como tema/modelo uma xilogravura de Katsushika Hokusai criada entre 1830 e 1833, o cartunista foi alvo de elogios, mas de críticas de leitores, sendo inclusive xingado por colegas na escola onde estuda.

Como publicado na FSP de 17/3, o pesquisador Gonçalo Júnior, autor do livro “A Guerra dos Gibis”, “vivemos na era da chatice e do politicamente correto. É uma reação paranoica, o desenho retrata as mesmas coisas que todos estes vídeos que estão no YouTube”.

Neste caso, o mais provável é que os críticos não conseguiram atingir o nível de leitura proposto pelo desenho. Para entender o que foi feito é necessário um mínimo de alfabetização para as artes e a capacidade de perceber que o cartunista pegou um ícone da arte japonesa, justamente uma gravura representando uma onda e acrescentou destroços. Por pura ignorância, alguns furiosos não o condenaram por plágio. Definitivamente aquele não era um trabalho de humor e esta foi a leitura rasa que levou à condenação do autor.

Ou seja, este caso e o outro são situações diferentes, mas a mesma matriz de falta de bom senso, de excessos desnecessários.

O projeto cujo título é o mesmo deste artigo, é bem-vindo. O mundo precisa mesmo de poesia.

Quando a argumentação é baseada em berros, não há o que contra argumentar. Quando uma sociedade começa a espernear aos chutes e pontapés é recomendável o recuo, sob o risco de todos colocarem a mesma carapuça de burrice dos que fazem a crítica.


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Diretor de ópera, cenógrafo, produtor cultural e membro da ABPO - Associação Brasileira dos Profissionais de Ópera.

25Comentários

  • Daniel, 17 de março de 2011 @ 13:53 Reply

    Assim que li sobre essa polêmica toda entrei ansiosamente no “Cultura e Mercado”, ansiava por um comentário sensato. Eis que finalmente o encontro. Parabéns!

  • Carlos Henrique Machado, 17 de março de 2011 @ 14:14 Reply

    ANA DE HOLLANDA O BBB-THANIA E SEU BLOG

    A questão não está na só na Bethania ou em Ana, mas na Lei Rouanet que já nasce viciada e, portanto, beneficia a cultura de um sistema sem integridade, sem caráter, arrogante, além de desprezar a opinião da sociedade, porque corre nos corredores frios da zona do meretrício que é a máfia tributára o que está por trás de toda o extraordinário escândalo que é a Lei Rouanet. O problema é que esta lei criou uma linguagem própria, uma abrangência de si e tornou o incentivo a projetos culturais em componentes permanentes em substituição às políticas públicas de cultura sem paralelo no mundo cultural do planeta.

    Nenhum dos dois, Bethania e MinC estão fora da lei que tem em sua ancestralidade a paternidade de Collor e que os economistas da cultura corporativa criaram um estilo próprio em todo o universo cultural brasileiro para que pudesse reduzir a pó todo o pensamento a partir dos seus desenhos e planos estratégicos.
    A Lei Rouanet criou, além de muitos absurdos, uma nova relação de gueto e estrelato. Isso era considerado publicamente tolerável porque ela está a serviço do “berçário” dos novos gênios da cultura brasileira. A Lei Rouanet com sua lógica econômica, criou uma indústria de empregos temporários, ou seja, ficcionais com remuneração inflacionada, sobretudo para os produtores-captadores (hoje até com associação) a partir da indústria de projetos, o que tornou esta lei legendária para os corporatocratas e suas doutrinas neoliberais. O que não ajuda em nada neste momento a compreender esta questão é que no governo Lula, Gil e Juca trabalharam para derrubá-la e, agora, no MinC de Ana de Hollanda a veneta da ministra logo na primeira entrevista, antes mesmo de assumir a pasta, avisou de sua deslocação, usando os mesmos argumentos para travar as reformas da LDA para também travar as reformas da Lei Rouanet. E aí ela entrou no centro do roda-moinho com o episódio da Bethania.

    Este é o problema, Ana está amarrada a esta questão e não há nada que a liberte deste suplício, pois ela se fez de pedra e mesa com sua onipotência para sustentar os benefícios dessa escandalosa lei. Então, transformou-se em um rolete de fumo. O que é na verdade R$1.800mil de Bethania perto do que arrecadou Jabor? Só com Eike Batista ele captou um valor cinco ou seis vezes maior que este, porque Jabor em entrevista manejou seu punho e sacudiu os ombros visivelmente se lixando para a opinião pública e dando uma resposta definitiva… “é mais ou menos pr aí, uns 12milhões” talvez mais (só do Eike), desdenhou Jabor. Tudo isso para expor um sopro de sua “genialidade” e sua bonita intenção de mostrar o que é viver de fato da “suprema felicidade” de uma lei.

    Ana, na sua primeira entrevista, puxou a brasa para a sua sardinha e, sem gentileza ou amabilidade tentou fazer da primeira coletiva, sentada à mesa, um pano verde, dizendo-se convencida de que as reformas da LDA e da Rouanet tinham caido ali, pois ela tinha um royal street flash na manga contra as propostas de Juca Ferreira. Este é o toco trágico em torno da questão da Bethania. Ana blefou e, agora, vai pagar todas as contas daqui por diante.

    O Itaú Cultural erguido na AV. Paulista, por exemplo, ensinou a muita gente como criar asas com os ingênuos recursos públicos vindos da Lei Rouanet. O Instituto Millenium usa e abusa de qualquer valor para fretar seus “intelectuais”, todos os recursos saídos do bolso do coitado do Zé Caipora que somos todos.

    Todas aquelas beijocas que assistimos nas revistas de premiação de cinema com tapete vermelho e tudo nos coquetéis da Hollyood brasileira vem da pura covardia do planeta Rouanet a partir da meiguice de milhões extraídos do bolso da sociedade. A plebe aqui é quem paga as contas do ídolo heróico. E não adiantou a legião de revoltados que sistematicamente combatem a lei anos a fio porque a mídia dos Marinhos e Civitas têm suas fundações que passaram a existir a partir da Lei Rouanet que não foi feita pra beneficiar criaturas humanas.

    Lembram-se do levante do Canecão feito pelos medalhões da Globo logo no começo da primeira gestão de Lula? Lembram-se de Cacá Diegues dando tapas na mesa e exigindo seus privilégios em frente ao Gushiken? O problema é que agora Ana de Hollanda colocou as suas impressões digitais contra as reformas que estavam sendo discutidas com a sociedade. E aí bastou vestígio do seu nome cada vez mais criticado por um rosário de questões para que a veneta da sociedade a colocasse no centro desse turbilhão, melhor dizendo, no centro do pilão para socar a sua imagem junto com a de Bethania. Este é o risco de uma coletiva fúnebre e caricatural que Ana de Hollanda deu com sua religiosa veneração ao Ecad e seus sutís medalhões, dando uma de adolescente deslumbrada, com ar sisudo e ideias anacrônicas.

    Agora, com a língua amolada da sociedade, Ana virou picadinho de fumo junto com Bethania e acaba pagando a conta de uma lei imoral que já está aí há vinte anos e que fez a horta de muito marmanjo do show businnes comprar coberturas na delfim Moreira e cia.

  • Juliana, 17 de março de 2011 @ 14:17 Reply

    Desculpa Cleber, mas discordo de você. Na minha opinião a questão não é o blog e nem a Maria Bethânia, que por sinal acho uma artista fenomenal. O grande problema é o valor, ele é sim, muito elevado. Sabemos que produzir um vídeo para postar num blog é fácil e barato, inclusive feito por qualquer um hoje em dia. Claro que a qualidade de muitos deixa a desejar… No entanto o que me parece injusto é uma verba tão alta ser aprovada para um blog, quando inúmeras produtoras menores e desconhecidas conseguem sofridos R$ 30 ou R$ 40 mil para produzir um filme, pela mesma lei. É injusto que milhares de grupos de teatro desconhecidos sofram para conseguir um minimo de apoio para existir. Fica realmente dificil concorrer com um projeto que tenha Maria Bethania, Andrucha e a produtora Quitanda como proponentes.

  • Cleber Papa, 17 de março de 2011 @ 16:01 Reply

    Cara Juliana,
    Vc tocou nos pontos nevrálgicos desta questão. A produtora apresentou um projeto, o MinC analisou,fez os cortes que achou devidos e aprovou o incentivo. A partir daí, o projeto cai na vala comum da mendicância. Terão de passar o pires como todos nós.
    Chances de sucesso? Alguma. Garantia? Veja o que tem sido feito pela poesia até aqui no Brasil e vc tem uma pálida idéia do problema.

    De toda maneira, não acho que o problema deva girar em torno de quanto cobra a Maria Bethânia por um show ou para fazer 365 vídeos de 3 minutos. Acho extremamente perigosa esta discussão. Leva facilmente para comparações distorcidas.

    A concorrência como você disse é difícil mesmo. Não será vetando a Bethânia que menos cotados terão mais chances. Isto é ingênuo.

  • Chico Ferreira, 17 de março de 2011 @ 19:06 Reply

    Lamentável a nota da Monica Bergamo, esta sim teria que se redimir, dar maiores explicações sobre o projeto e não fazer matérias sensacionalistas.
    Vindo a gerar centenas de críticas a Bethânia e a Lei Rouanet, que foi quem salvou a área cultural brasileira nos últimos anos e além de projetos culturais de altíssimo nível gera milhares e milhares de empregos.
    Fazendo um desfavor para as leis de incentivo e tirando qualquer crédito que elas tenham.

    Discordo da quantidade de vídeos,do cachê da Bethânia, o Minc poderia ter sugerido diminuir a quantidade de vídeos com a finalidade de baratear o projeto.
    Mas se pensarmos que são 365 vídeos daria um custo de 3.500 por vídeo, o que não é nada para uma produção AUDIOVISUAL, além de divulgar a poesia e poetas brasileiros além do que quem trabalha com a Lei Rouanet sabe que existem uma série de custos com captação de recursos, administração, prestação de contas, divulgação…
    Blog é democratização do acesso podendo estes vídeos serem usados em sala de aula e chegar em qualquer lugar do Brasil.

    80% dos projetos não captam recursos e dos 20% que captam, 90% deles não consegue o dinheiro total do projeto e sim somente uma parte.

    A jornalista deveria se preocupar em fazer matérias que somassem para a boa realização das leis de incentivo que nem o Cultura e Mercado faz e não que só prejudicasse a Lei e pessoas sérias que trabalham na área.
    Matérias sobre:
    A dificuldade da captação de recursos para projetos menores, tetos de valores para areas culturais, fundo nacional da cultura, a nova lei que esta no congresso, pq a musica popular cai no art 26 e instrumentais e peças de teatro, livros de baixissimo nível estão no art 18, captação de recursos via orgãos ligados ao governo que em breve serão os 10 maiores captadores de recursos, acabando com o dinheiro do mercado para outros projetos…

    Apesar de tudo a Lei Rouanet tem funcionado e evoluído em algumas partes
    E a Lei Estadual que não aprova 80% dos projetos estes reprovados por critérios esdrúxulos de um funcionário e não critérios da Lei.

    E a Lei Municipal de SP que serviu de exemplo para dezenas de outras Leis, foi responsável pela realização de milhares de projetos e nos últimos anos graças ao nosso Secretário Municipal Kalil vem desparecendo cada vez mais.

    Salve a poesia

  • Renata, 17 de março de 2011 @ 20:50 Reply

    enquanto isso, os professores continuam ganhando super pouco… tendo que se virar pra se manterem atualizados e alimentados (pq os dois com aquele salario é quase impossivel)
    enquanto isso, o governo não permite que as apostilas utilizadas na escola publica paulista tragam textos de autores atuais, pois não se dispoe a pagar pelo direito autoral…
    enquanto isso, milhoes continuam sem acesso a internet

    vamos lá divulgar a cultura então! mas só a maria bethania conseguirá verba pra isso tá?

    dois pesos e duas medidas, sempre….

  • gil lopes, 18 de março de 2011 @ 13:15 Reply

    Tudo ridículo, como de resto tem sido … Dilma, Ana e Bethânia, orgulho do Brasil. O que não presta na Lei é a falta de privilégio para o conteúdo nacional, a falta de perspectiva de que a questão cultural ocorre na presença do produto estrangeiro que é hegemônico no mundo. Como vamos potencializar nosso conteúdo, dar a ele forças para conviver com a cultura global, como vamos produzir direitos…é mais do que inconveniente, é deprimente observar o movimento de grupelhos que se acham, forçando a mão em cima do governo, tentando desestabilizar, passar por cima do novo governo, que é legítimo, foi eleito democraticamente e tem todo direito de governar convivendo com as diferenças. Mas o que se vê é outra coisa, deprimente…enfim, não passarão.

  • px silveira, 18 de março de 2011 @ 16:50 Reply

    estão demonizando a bethânia e se esquecendo que assim (os da cultura) damos um tiro no pé. primeiro porque a lei rouanet em todos os seus anos de funcionamento jamais atingiu seu teto anual de renúncia, portanto, este projeto não é excludente e não está tirando do projeto de ninguém. e falo como um ex-membro da cnic. (“80% dos projetos aprovados não captam recursos e dos 20% que captam, 90% deles não consegue o dinheiro total do projeto e sim somente uma parte”, registrou o leitor chico ferreira).
    outro ponto é que existe sempre aquela invejazinha de se estar no lugar de quem está ganhando, bem brasileira. bethânia não tira o lugar ao sol de ninguém, pelo contrário, com suas idiossincrasias tem extrapolado a atuação de uma intérprete da mpb e prestado um relevante serviço à divulgação dos poetas e da poesia. coisas que não têm preço. o mercado que as regule, lembrando que a lei rouanet (de renúncia de parte do imposto a pagar) é feita exatamente da ideia do lucro. porque seria diferente? temos medo de quê?

  • Cleber Papa, 18 de março de 2011 @ 19:57 Reply

    Cara Renata,
    Uma coisa nada tem a ver com outra. Salário de professor, acesso à internet, ampliação e reforma dos aeroportos, construção de estádio, são todas questões que precisam ser resolvidas, cada uma na sua seara.

    No que concerne ao episódio em questão, o que chama a atenção é a fúria raivosa e a ignorância com que o tema foi (está) sendo tratado.

    O tratamento que está sendo dispensado à cantora Maria Bethânia, à Ministro da Cultura Ana de Holhanda é desrespeitoso e desleal.

    Maria Bethânia e qualquer artista brasileiro tem o direito de pleitear recursos via leis de incentivo. No caso em questão, pela Lei do Audiovisual, cujo fórum é a Ancine e não a CNIC (o MinC já explicou isto de maneira meio torta).

    Uma parcela dos raivosos – culturetes de primeira hora – diz que as leis de incentivo deveriam ser para os jovens talentos. Um equivoco absoluto: jovens talentos NÃO conseguem que empresas “patrocinem” seus trabalhos usando os incentivos fiscais ou não. Isto é obrigação do Governo através dos programas de fomento, editais etc.

    Cabe ao Governo – trata-se de franquia de direitos (sabe aqueles tais direitos sociais e políticos que incluem Cultura, Educação, Saúde e Sustentabilidade Ambiental?)- o investimento direto em Cultura, o desenvolvimento de políticas com programas multidisciplinares e multifacetados.

    De resto é preciso bom senso. A crítica pela crítica é destrutiva. Os artistas brasileiros em todas as áreas precisam ser estimulados a produzir mais aqui e fora do Brasil. Isto não é apenas uma questão de sobrevivência, mas de estratégia de desenvolvimento. A exportação de cultura é um valor econômico. As indústrias criativas, incluindo moda, design, arquitetura etc. são importantes.

    Longe de penalizarmos Maria Bethânia, deveríamos promover outras iniciativas similares.

  • Cleber Papa, 18 de março de 2011 @ 19:59 Reply

    Caro Gil,

    O convite para aquelas respostas continua de pé.

  • Lenon Rodrigues, 18 de março de 2011 @ 23:12 Reply

    Antes de tudo quero dizer que adoro Maria Bethânia e a considero uma das melhores cantoras do Brasil. Isso não a faz uma divindade intocável e inquestionável. Isto não a faz tampouco mais importante para a cultura brasileira do que Lia de Tamaracá, Zabé da Loca, Patativa do Assaré entre outros.

    Eis uma das melhores críticas sobre esta polêmica toda no endereço abaixo:
    sss://www.cinemaemcena.com.br/pv/BlogPablo/post/2011/03/16/Por-que-o-MinC-esta-certo-em-autorizar-Maria-Bethania-a-captar-13-milhao-para-seu-blog.aspx

    Não vou me repetir muito sobre o que está escrito no texto do link acima. 1,3 milhões para um projeto como este é um absurdo sim. Sobretudo os 600 mil na “diretora de arte” (ler o texto acima). O que este projeto tem de legal, tem de imoral. Não falo da proposta, que é digna de ter o nosso dinheiro público investido nela, mas sim do que foi apresentado como quantia necessária para executá-lo. Não há fama e importância artística que a justifique. Levando em consideração também os números expostos pelos comentários acima, acerca da captação de recursos, ainda sim é absurdo e não se justifica. A questão não é se ela vai ou não captar esta quantia, mas sim a de propor esta quantia e o MinC autorizar.

    A poesia popular Nordestina agoniza e continua desconhecida, mal divulgada no Brasil inteiro. Se Patativa do Assaré estivesse vivo, talvez escreveria uma belíssima poesia denunciando este absurdo. Não cobraria um centavo por isto.
    É a tal questão da transposição do Rio São Francisco: enquanto o governo apresentou um projeto bilionário para “resolver” o problema da seca em algumas micro-regiões Nordestinas, mais de 400 projetos alternativos mostravam que com apenas poucos milhões poderia-se resolver este problema com maior eficiência e alcance.
    Qual é o objetivo de um projeto como estes? Promover, estimular e democratizar o acesso à poesia ou promover (ainda mais) a imagem de Maria Bethânia como um dos maiores ícones da música brasileira?
    Pois então, 1,3 milhões de reias poderiam ser divididos para pequenos projetos mais democráticos, mais eficazes, que contemplasse um número maior do poetas, com a mesma ou melhor eficiência no objetivo de divulgar e estimular o interesse à poesia. Com certeza haveria também um lugar para Maria Bethânia apresentar seu projeto, porém sem esta megalomania orçamentária.
    Quem me dera se meu desconhecidíssimo amigo, grande poeta, anônimo pai de família Tone Ely pudesse ter pelo menos uns poucos mil reais para poder fazer mais pessoas se emocionarem com suas lindas poesias.

  • Lenon Rodrigues, 18 de março de 2011 @ 23:19 Reply

    ah, por favor, considerem o que está escrito no texto do link citado por mim em meu comentário acima para criticá-lo e respondê-lo, pois faço das palavras do autor do texto as minhas.

  • Cleber Papa, 19 de março de 2011 @ 18:48 Reply

    Caro Lenon,

    Opiniões divergentes são necessárias. Excessos não. Com um pouco de bom senso e um mínimo de capacidade crítica, a leitura dos comentários do blog que vc citou nos leva a perceber o quanto de irracionalidade está conduzindo esta questão, ficando a dúvida quanto a quem interessa toda esta bobagem?
    Para vc analisar outro ponto de vista, veja o blog do Jorge Furtado sss://www.casacinepoa.com.br/o-blog/jorge-furtado/gritaria-contra-o-blog-de-maria-beth%C3%A2nia-%C3%A9-uma-mistura-de-ignor%C3%A2ncia-preconceit

    O texto que vc citou erra logo de saída (corrige depois) ao auxiliar a confusão dizendo que é Lei Rouanet (não preciso explicar isto, não é?). Depois questiona, questiona. Por que e para quê?

    Você mesmo acha um absurdo a remuneração da cantora:
    Direção artística: R$ 100.000,00
    Seleção de textos e pesquisa: R$ 135.000,00
    Atuação em vídeos (365 videos): R$ 365.000,00

    Começando de baixo. Vc acha R$1.000,00 por gravação como intérprete um absurdo? Lembre-se que é preciso decorar os textos, encontrar uma linha de interpretação para cada um etc. Ah. Estamos falando de Maria Bethânia (não sou consumidor de suas gravações, mas reconheço-a como uma indistinguível expressão representativa do que há de melhor na música popular brasileira), cantora que possui uma carreira sólida, de reconhecimento nacional e internacional, que realiza um trabalho de difusão cultural (no caso do projeto) abrindo mão de todo e qualquer direito de interprete relativo). Parece-me um valor bastante adequado.

    Da mesma maneira, R$ 369,86 me parece uma remuneração justa para quem realiza um trabalho de pesquisa e de seleção de poesias de autores de língua portuguesa (brasileiros e outros países), certamente selecionados por uma lógica curadora etc. que certamente serão em número muito maior do que os 365 poemas que serão gravados.

    Nesta mesma direção, me parece bastante razoável R$ 273,97 para a direção artística de cada vídeo, considerando que serão vários meses de trabalho entre a criação, pré-produção, ensaios etc. até a gravação que deverá consumir alguns meses de trabalho. Lembremos que 365 vídeos de 2 minutos resultam em 12 horas de material final editado, o equivalente a uns 4 filmes de 2 horas.

    Com má vontade, tudo o que estou escrevendo é um absurdo. Com bom senso, faz muito sentido, não faz?

    Pois bem, para encerrar, mais duas observações.

    Tenho a certeza, de que existem inúmeros artistas (em várias áreas) necessitando de recursos para apresentar seu trabalho. Não é disto que estamos falando. Para estes artistas desconhecidos de qualquer idade, são necessários programas específicos já que o mercado não os incorporará através das leis de incentivo vigentes (que, aliás, são inadequadas, carecem de revisão etc.). Esta reivindicação precisa ser feita e o blog que vc citou não está atuando nesta direção.

    Finalmente, acho uma temeridade, ignorância, incompreensão, analfabetismo funcional, em pleno século 21, imaginar-se que o artista precisa expor sua arte de graça para platéias a ou b. O trabalho do artista, qualquer que seja ele, precisa ser remunerado e para isto existem três fontes: o estado diretamente ou através de incentivos fiscais via mercado (leis de incentivo), as empresas com verbas de marketing (ação praticamente inexistente no Brasil, porém importante de cotistas em regime de permuta). o público através de ingressos. Portanto, sem fantasias, mas pé na realidade, o artista só pode se remunerar por este caminho. Isto não significa que, por decisão individual, cada um deixe de participar de alguma ação social, mas esta á uma questão de foro interno. Na vida prática, esta das contas a pagar, roupas, comida, impostos etc, o artista precisa ser bem remunerado e os critérios são bastante sofisticados. Mas isto é objeto de outros textos no futuro.

  • Alessa, 19 de março de 2011 @ 19:56 Reply

    O CNIC sempre aprovou projetos com valores similares, referentes a nomes famosos desde que existe.Ivete Sangalo e Caetano foram dois nomes famosos que tiveram projetos de valores até maiores aprovados,na administração anterior.Como muitos outros.
    O CNIC também sempre aprovou uma maioria de projetos que não se referem a famosos.
    Nunca isso causou escândalo, ninguém se preocupava.
    Mas agora a moda é jogar pedra na Ministra Ana de Hollanda.Então sai a mídia em uníssono fazendo escândalo, sem nem se preocupar em saber o que é o CNIC, como é composto e qual os procedimentos que adotam, etc etc. Ridículo.

  • Lenon Rodrigues, 20 de março de 2011 @ 0:11 Reply

    1 – Já tinha lido o blog de Jorge Furtado com o devido bom senso aconselhado por você. Continuo acho um absurdo. Não creio que o blogueiro tenha sido irracional, ao contrário, foi bem metódico em dissercar e analiza o projeto.

    2- Se você parar para pensar bem, não serão 365 direções de arte diferentes, mas uma direção de arte para 365 vídeos de 2 minutos mais ou menos, por mais que os vídeos sejam diferentes. Nas filmagens, ela não interpretará 365 vídeos por dia. Se brincar, poderá interpretar todos estes em menos de 2 meses. Ela interpretará “cenas”. Ela não passará 365 dias trabalhando neste projeto. Continuo achando um absurdo 1,000,00 reais por cena. 135 mil reais para seleção de textos e pesquisa também é exagero. Creio até que com o acervo pessoal de Bethânia, uma mulher tão apaixonada pela poesia e envolvida com esta arte, creio que já esteja quase pronto e consolidado para a escolha e interpretação de muitas das poesias.
    Com todo o bom senso e sem má vontade: é um absurdo. Dá pra fazer um trabalho de ótima qualidade com muito menos.

    3- Não estou de má vontade com ninguém. Nem motivos tenho para isto. Minha vida cotidiana, minha opinião não alcança a realidade deste meio artístico. Passa muito longe dele. Sou apenas um cidadão brasileiro dentro de seu direito e obrigação de opinar sobre acontecimentos envolvendo a política e a cultura de meu país. E, de minha parte, reinvidico como posso políticas públicas, do MinC ou de qualquer ministério, justas e democráticas, seja em conversas de bar, comentários em blog, escolha de pesquisa e ações acadêmicas como meu mestrado, ou a hora de escolher em quem votar… enfim, não estamos aqui pra falar de nós mesmos… :)

    4- “Finalmente, acho uma temeridade, ignorância, incompreensão, analfabetismo funcional, em pleno século 21, imaginar-se que o artista precisa expor sua arte de graça para platéias a ou b.”
    Se você se referiu a meu comentário, creio que foste infeliz. Não afirmei em nenhum momento que o artista não deve ser remunerado pelo seu trabalho, ao contrário, sou totalmente a favor que o artista seja justamente remunerado. O que contestei e o que a maioria dos opositores contesta foi o valor do projeto, sobretudo o valor referente a Bethânia. Ainda mais com dinheiro público.

    Pra finalizar, quero dizer que há a possibilidade de, se este projeto for realizado, eu mudar completamente de idéia e defender com unhas e dentes o porquê de este projeto ter saído tão caro assim. Para isto, este projeto terá que ter um impacto e um alcance sociais verdadeiramente democráticos. Não vamos nos iludir e pensar que o simples fato de ele estar disponível de graça na internet será o suficiente para isto. Espero que ele prove que realmente tenha valido isto e que, pagar tão caro pelo nome de Bethânia tenha sido um diferencial para o objetivo de democratizar o acesso à poesia, de fazer com que os brasileiros conheçam e gostem de poesia. Espero que tenha um impacto social e cultural nas proporções do dinheiro investido. Tenho lá minhas dúvidas se isso pode realmente acontecer, mas mesmo assim, estarei pronto pra mudar de idéia. Veremos!

    Em resposta a Alessa:
    Sei que você se referia à opinião contrária geral, à mídia. Mas respondendo por mim, acharia da mesma forma um absurdo dar uma quantia equivalente a Ivete Sangalo e Caetano Veloso se o orçamento proposto por estes estivessem fora da realidade. Acharia da mesma forma um absurdo um projeto de um José da Silva com o mesmo exagero orçamentário. Tem projetos que merecem até mais de 1,3 milhões de dinheiro público. O que, na minha opinião, não é o caso dos 1,3 milhões do projeto de Bethânia.

  • Lenon Rodrigues, 20 de março de 2011 @ 12:00 Reply

    Eis um artigo interessante e sensato de Hermano Vianna que defende o projeto:
    sss://oglobo.globo.com/cultura/mat/2011/03/18/hermano-vianna-colunista-comenta-polemica-envolvendo-blog-de-maria-bethania-924039639.asp

    Realmente é um projeto bonito, interessante, como sempre defendi,vale a pena ser investido nele. Parabéns pela iniciativa digna de aplausos. Mas, peloamordedeus, ela está se autotabelando. Sua parte é absurda. Está superfaturada. Chega! Vamos parar com isto.
    Será que uma construtora X merece mais para construir um viaduto do que uma construtora Y, só porque esta é mais conhecida e está a mais tempo no mercado? Não nos indignamos da mesma forma com projetos superfaturados oriundos de outros ministérios, secretarias de Estado, Municipio? É dinheiro público com o objetivo de suprir uma demanda social. E pronto.
    Será que criatividade está diretamente relacionada a um orçamento maior?
    Eis Tom Zé, sempre inovando com pouco. Sempre criativo. E é, digamos assim, um medalhão da MPB.
    Dá pra enxugar um pouco mais, até mesmo para ampliar as possibilidades de alcance do projeto, até mesmo para renová-lo durante este 1 ano. Há gente da mesma forma talentosa que poderia fazê-lo por menos.
    É dinheiro público. O Estado não pode ver uma pessoa, um projeto mais importante que o outro pelo simples fato de este ser apresentado por um medalhão da MPB. O mercado pode, o Estado não. Todos devem ser tratados como iguais. O que deve ser considerado como diferencial é o alcance social do projeto, a inovação cultural, a importância do projeto para a sociedade.
    Bethânia merece até projetos depois de morrer, para que sua importância na cultra brasileira se perpetue. Assim como muitos outros ícones de nossa cultura.
    Aí sim, caro Cleber, é que peço um pouco de bom senso e peço que não vejas o meu apelo e de muitos outros como má vontade.

  • Cleber Papa, 20 de março de 2011 @ 12:34 Reply

    Caro Lenon,

    Agradeço seus comentários.

    Indiquei o blog do Jorge para termos duas opiniões divergentes de alguém da área digamos assim.

    Esta questão do orçamento extrapola o acho caro ou barato. SE fossem contratados diferentes profissionais para fazer o que a Maria Bethânia se propôs a fazer ou se desde o início do projeto tivessem subdividido os custos em funções diferentes (direção, pesquisa, curadoria etc.) sem detalhar quem faria o quê, provavelmente o projeto teria sido aprovado sem problemas e não estaríamos aqui – de forma salutar, imagino – debatendo este episódio. Se o nome dela fosse apenas um dos nomes, é provável que nada disto teria acontecido. Afinal, é muito bom que se faça um blog de poesia, com difusão nacional e internacional, por gente com reconhecida competência etc.

    O que está em curso neste processo é mais do que isto. Há uma queda de braço que deve interessar a este ou aquele grupo e, todos nós que temos conversado sobre isto, de um modo ou de outro estamos alimentando esta polêmica, ora favorecendo aqui, ora ali.

    O que tenho me proposto a fazer é refletir sobre a natureza destes problemas. Até onde estamos de fato enxergando isto tudo da maneira como deve ser.

    Por exemplo, tem-se falado que o projeto é da Lei Rouanet. A Alessa e você comentam isto. Você percebeu o embroglio já que o próprio MinC se viu obrigado a se desdizer comentando que foi a Ancine e não a CNIC quem aprovou o projeto, pois se trata de Lei do Audiovisual?

    Em se falando de um filme, portanto, continuo pensando no problema que é fazer 4 horas de programa em 2 meses. Qualquer pessoa da área sabe que para filmar 12 horas de vídeo, é possível fazer isto em 30 dias com folga, num set fixo. Em dois meses, melhor ainda. Em três perfeito. Afinal, recitar poesia, qualquer um faz e rápido.

    Bingo. Aí está o que me incomoda. Esta necessidade de depreciar (não estou falando de você, ok?) o trabalho dos outros, dizendo com arrogância que “eu sou capaz de fazer isto melhor”. Isto li em vários lugares, de várias maneiras.

    Alguns jornais, algumas emissoras dizem “realmente é muito caro”.

    O que é isto? Salvaguardado o direito de qualquer um dar a sua opinião, este espaço e outros servem para debater – apesar de não encerrar a questão.

    Qualquer análise mais precisa levará ao entendimento de que a remuneração de um profissional autônomo, qualquer que seja ele, inclui despesas correlacionadas (aluguel, despesas de saude, previdência privada, alimentação, transporte, comunicação etc.) e isto precisa ser apropriado de alguma maneira. Ou é de se supor que esta pessoa por ser um artista precisa trabalhar sozinho sentado numa rede? Ao se atribuir remuneração ao artista, no caso – o projeto erra ao não detalhar possibilidades. A cantora interprete será remunerada como pessoa física ou jurídica? Nos valores estão incluídos os impostos relativos? As despesas adicionais previstas em lei?

    Nada disto está sendo falado ou pensado. Não tenho procuração para defender o projeto. Falo apenas em nome do conceito.

    Por quê é caro? Por que eu acho, ou porque tem gente que fazia de graça, ou ainda por causa de um venerável dos anos 20, não importa, estes não são argumentos. Sempre que se mexe no “bolso” de alguém, mesmo com o argumento do ser dinheiro público, devemos ficar atentos, pois normalmente o prejudicado é a própria cultura.

    Como você pondera de forma sensata, temos que ver o resultado. É isto.

    Você,ao final da discussão, deixou no ar uma indagação que é a essência do fazer cultural: como saber se não fazer?

    O intangível é o que norteia a realização na área da cultura. Imagine alguém tendo que decidir entre dois projetos de um espetáculo de teatro, por exemplo. Qual deve ser aprovado? Qual garantia temos de que ficará bom? O que mais interessa ao público?

    De certo modo, o mesmo acontece com a escola pública. Você comentou que faz um mestrado. Digamos que seja numa universidade pública. Por que você? Por que devo assumir, como quem paga impostos, que você merece fazer um mestrado custeado pelo governo, com dinheiro público portanto? O que me garante que você será útil no futuro para a sociedade? Que certeza temos de que você contribuirá para o desenvolvimento, aprendizado da sociedade e que sua produção terá algum interesse?

    A rigor, é a mesma coisa. Estamos falando de direitos e da relação entre o indivíduo e o estado.

    Podemos discutir as leis de incentivo, como sugere a Folha de São Paulo no seu editorial de hoje? De fato devemos obrigar que a Lei Rouanet seja destinada exclusivamente para projetos que ninguém aprovaria em condições normais pela sua total inadequação ao chamado “mercado patrocinador”? Neste caso, o que entraria na cesta básica dos projetos incentiváveis?

    Você percebe que estamos longe de uma posição definitiva a respeito, mas falar exaustivamente sobre isto pode ajudar a criar formas de balisamento.

    Apropriando parte de suas palavras, vamos aguardar o resultado, ver o que eles conseguem captar e, finalmente, observar o projeto finalizado. Como saber se não fazer?

  • Lenon Rodrigues, 20 de março de 2011 @ 13:37 Reply

    “Ao se atribuir remuneração ao artista, no caso – o projeto erra ao não detalhar possibilidades. A cantora interprete será remunerada como pessoa física ou jurídica? Nos valores estão incluídos os impostos relativos? As despesas adicionais previstas em lei?”

    Exatamente isto. Faço de sua sensata observação a minha. O povo brasileiro é desconfiado por natureza e pela própria história do país de tudo que seja relativo à movimentação de dinheiro público. E com toda razão.
    A polêmica pode ter ido além do que deveria, mas é importante o debate.
    Sobre a relação entre indivíduo e Estado, também concordo contigo. Deixei um comentário depois, com um link para um artigo de Hermano Vianna, acho que não foi publicado antes de sua resposta e você, por este motivo, não deve tê-lo lido antes de responder ao outro. Pois então, não importa quem seja este indivíduo, ele deve ter direitos e deveres iguais. Seja no meu processo de seleção para ingressar em uma universidade pública (no meu caso uma universidade pública francesa, mas o conceito é o mesmo), seja para definir o valor de um projeto cultural proposto ao MinC.
    Seria então honesto e sensato da parte do MinC e dos proponentes detalhá-lo a sociedade, centavo por centavo, para sabermos o porquê de 600 mil para Bethânia.
    Seria honesto também, por exemplo, averiguar o relato do blogueiro lá do qual enviei o link, referente a contratação de uma agência de conteúdo para celular, para ver se é verdade mesmo e se for pedir explicações ao proponente do projeto.

  • Bruno Cava, 20 de março de 2011 @ 13:49 Reply

    Um escândalo. Não tenho problema em Bethania ganhar 600 mil reais para declamar poesia num blogue. Mas tenho, sim, quando esse dinheiro é público. A comissão aprovou uma planilha com um salário de marajá. Dá mais que o dobro do salário mais alto pago pelo poder público, o de ministro do STF.

  • André Souza, 20 de março de 2011 @ 16:29 Reply

    O projeto vazou na internet, e lendo-o, uma porção de argumentos usados pelos defensores caem por terra.
    sss://www.implicante.org/arquivos/projeto_bethania.pdf

    O projeto pode estar de acordo com a lei (que é antiquada), mas é imoral. Uma artista do calibre dela tem obviamente o poder de captar a verba sem a necessidade de dinheiro público.
    No corpo do projeto diz-se que a GNT (canal da Tv por assinatura que pertence ao grupo Globo) já demonstrou interesse em exibir os vídeos. Isso mostra que ela não “cairá na vala da mendicância”, e que o dinheiro público irá financiar a programação de uma grande rede.

    O orçamento chega a ser vergonhoso. O valor do site é absurdamente inflacionado. E eu adoraria saber quem são os “consultores”, que irão levar 30 mil.

    O fato de ter sido aprovado apenas mostra o quão ultrapassada e carente de reformulação está a lei.

    Defender o projeto usando como argumento a qualidade artística dos envolvidos é desviar o foco, é uma falácia. Ela pode ganhar 6 milhões para arrotar na internet, mas que não seja do dinheiro público.
    Tudo que ela fez em cima de um palco ou atrás do microfone é irrelevante, diante de tamanha falta de ética.

    O povo brasileiro foi quem a transformou no que ela é. Esse projeto é uma ofensa a esse povo, é como cupir no prato em que comeu.

  • Rafael, 20 de março de 2011 @ 23:19 Reply

    O estilo “politicamente correto” e a ideologia “dos fins que justificam os meios” encontram-se em várias passagens do texto principal. Só podia dar no que deu: o autor assusta-se com a indignação pública a respeito do mal uso do dinheiro público. No entanto, o fato realmente assustador é a proposição imoral da Bethania, aquela que alguns escondem por trás de uma “poesia necessária”, essa coisa falsamente imaculada. Tristes trópicos. Salvem-nos poetas!…com suas próprias vozes.

  • Cleber Papa, 21 de março de 2011 @ 12:18 Reply

    Caro Rafael,

    A sua leitura que levou a achar detalhes “politicamente corretos” ou ainda “dos fins justificando os meios” é particular sua, claro, e não necessariamente a expressão do que penso a respeito do assunto. Apenas respondo porque acho justo debater com quem gastou um tempo para escrever. Perfeito.

    Acho que há certa confusão entre “politicamente correto” e respeito ao outro. Respeito, tolerância, diálogo, são parte de um comportamento que me parece civilizado no sentido mais amplo da palavra (sem nada a ver com cosmopolitismo ou coisa parecida). Neste episódio específico, vi, li e ouvi coisas que são deprimentes, num nível inaceitável para aquilo que se presume seja necessário numa sociedade intelectualmente sólida. Não consigo aceitar um profissional postando palavrões no Twitter, ou em blogs, xingando a Ministro da Cultura, a presidente ou coisa parecida. Evitar isto para mim não é ser “politicamente correto”. É o mínimo que se espera numa sociedade que se diz democrática.

    Estes comportamentos que tentam se impor aos BERROS estão mais próximos do fascismo que qualquer outro.

    Também coloco em discussão toda vez que leio frases que tentam atribuir “imoralidade” ao outro, sem uma análise detalhada do problema, como você faz no seu texto.Acha imoral? Pegue os números detalhados e me diga onde está errado a luz dos preços de mercado, da Ancine etc. Lembre-se que já apontei acima que acho o orçamento frágil, porém compreensível. Duvido – veja bem: Duvido – que toda esta celeuma aconteceria se fosse um projeto dizendo que seria contratado “artista de reconhecida popularidade a definir”. Há uma carga grande e truculenta de outros juízos nesta história.

    Já disse que não tenho procuração para defender este ou aquele, nem me presto a este serviço. Apenas estou aproveitando o tema para discutir vários assuntos relacionados. Veja as afirmações abaixo. Leia atentamente.

    Qualquer artista no Brasil, qualquer produtora, qualquer empreendedor na área da cultura, tem o direito de fazer uso das leis de incentivo existentes no país para financiar seus projetos, da maneira como entende ser adequado realizá-los, com os meios e condições que achar convenientes, com orçamentos que lhe sejam adequados, dentro nas normas vigentes. Ao mesmo tempo, dentro dos limites da lei, o Ministério da Cultura, através de suas comissões, deve analisar, propor modificações, cortes e aprovar ou não projetos dos citados, como manda a lei.

    Isto está claro? Se não estiver, escrevemos de novo.

    Ao invés de se perder tempo com a discussão da “moralidade”, “imoralidade” etc. de um artista (que sequer é proponente do projeto) você não acha que está na hora de retomar a discussão das Leis?

    Finalmente, não concordo com você que no meu texto esteja expresso que acredito “nos fins justificando os meios”. SE por algum momento transpareceu isto, peço retificação. Foi erro involuntário do escriba. Não acredito nesta premissa, apesar de acreditar também que em alguma situação filosófica sobre algum outro tema possa acontecer da afirmação ser válida.

    Leia, se você tiver interesse, a Folha de hoje onde há uma análise muito sensata a respeito do episódio.

  • Edy Souza, 21 de março de 2011 @ 14:12 Reply

    Eu tive essa idéia.
    Mas eu não sou a BETANIA.

    sss://www.youtube.com/watch?v=PIQcapuBdRw

  • André Souza, 21 de março de 2011 @ 23:56 Reply

    Cleber, provavelmente a crítica ao uso do termo “imoral” foi pra mim.

    Eu repito: esse episódio é cheio de imoralidade.
    A lei permite que todos os artistas inscrevam projetos e os tenham analisados, sem discriminação. Ótimo!
    Agora, supor que o referido orçamento seria aprovado caso não fosse de quem é (e sem a proximidade da artista com gente de dentro do ministério), é ingenuidade. E não me refiro somente ao cachê dela.

    Aprovar esse orçamento é imoral. Usar de sua influência para conseguir aprova-lo também é imoral.
    A lei, tão defendida por você, pressupõe o bom uso do dinheiro público. Pois bem, um site neste valor já diz tudo. O resto do orçamento “fala” sozinho.

    A artista não é a proponente, mas basta olhar os projetos da proponente no MinC para ver que TODOS os apresentados pela empresa têm a Bethania como artista principal. Isso também já invalida o que você diz a esse respeito.

    Retomando a discussão sobre a lei, ela virou um frankenstein, pois tenta fazer o impossível: colocar todos os segmentos do mercado cultural dentro de um só mecanismo.
    Mas isso já foi debatido até a exaustão, nós do ramo já sabemos de cor a receita, e o Cultura e Mercado teve papel fundamental na formação dessa consciência na classe. Acontece que tem muita gente grande se beneficiando com esta bagunça, como a querida Bethania e outros de menor repercussão.
    Não é perseguição a ela nem a seu gênero de música. Também já assisti concertos de música clássica que devem ter custado seus 40 mil do nosso dinheiro, com umas 20 pessoas na plateia, pois todos sobem no palco já (bem) pagos, e não há motivação para atrair mais público.

    Não me leve a mal, não tenho a intenção de ofendê-lo em momento algum, mas me decepciono em ver artistas defendendo a postura da “musa” e o mecanismo podre que permite essa (e outras) vergonha acontecer embaixo do nosso nariz.

  • Rafael, 27 de março de 2011 @ 20:00 Reply

    Caro Cleber, agradeço a sua atenção e seus esclarecimentos.

    Mesmo assim, reafirmo a minha posição a respeito da imoralidade dos rendimentos que a Bethânia e seus produtores propõem neste projeto. Aliás, continuaria achando imoral se fosse proposto por qualquer outro cidadão esperto. No caso dela, acho duplamente imoral porque ela não precisaria usar dinheiro público advindo de renúncia fiscal para levar a cabo um bom projeto de difusão de poesia.

    Tampouco concordo com sua afirmação de que qualquer produtor tem direito de fazer o que quiser desde que siga as regras da lei. Pensar assim é transformar o exercício da cidadania num conjunto de procedimentos técnicos, dentro das leis. Veja o que fazem os corruptos do parlamento, do executivo, do judiciário e do mercado: barbaridades dentro da lei.

    Certamente você não concorda com os desmandos dessa gente, então não entendo porque você pensa em meias medidas. É preciso berrar mesmo, xingar, espernear porque isso significa protesto. E protesto não é uma coisa comportada. Você já esqueceu?!

    No caso da Bethânia, o escândalo veio a tona porque há uma disputa de poder no MinC. De qualquer forma, não dá pra engolir a justificativa do baixo custo unitário dos vídeos com a qual você concorda. Isso é conversa pra boi dormir. Se há produção em escala, como defende a tropa de choque da Bethânia (Hermano Viana e Jorge Furtado, quase babando) é surpreendente não existir “economia de escala” na remuneração da “smart-diva”. D-U-V-I-D-O que a remuneração de assistentes e aspones deste projeto bárbaro tenha a mesma característica que a remuneração da Bethânia. Certamente foram achatadíssimos em razão da escala. Você é produtor e sabe muito bem como fazer isso.

    Concordo com você que a sociedade precisa discutir o aprimoramento da lei. Esse escândalo e os berros que tanto te afetam ajudam a fazer isso.

    Por quê, por exemplo, os orçamentos de todos os projetos não são expostos publicamente, pra todo mundo conhecer? Se isso acontecesse, você teria que comprar um tapa ouvidos, pois a berraria seria ampla, geral e provavelmente irrestrita. Mas tranquilize-se porque o fascismo quando chega, chega silencioso.

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