“O Brasil tem finalmente uma lei do livro e isso é uma notícia importante” O Brasil tem finalmente uma lei do livro (Lei Nº 10.753) e isso é uma notícia importante, especialmente para quem vive e se preocupa com a difusão da nossa cultura. Apesar da necessidade de aperfeiçoamentos, ela vem em boa hora, pois vive-se o momento da universalização do conhecimento, o que requer a fixação de nossos padrões culturais, sob pena da nação perder sua própria identidade como povo.
É sabido que nenhuma lei é completa e nem pode abranger a multiplicidade de problemas que a vida social impõe no dia-a-dia de sua existência. A Lei do Livro não poderia fugir a essa característica dos textos legais, razão pela qual, ela, embora traga pontos positivos, não esgota o assunto nem resolve todos os problemas, apresentando, em alguns artigos, definições vagas que, num primeiro momento, não trarão benefícios diretos ou que, na prática, apresentam difícil concretização.
A lei ainda revela um grave problema ao ter o artigo 10 vetado, que visava flexibilizar a contratação de pessoal pelas editoras, atingindo interesses definidos e práticas usuais, além de princípios já fixados em leis e tratados internacionais de que o Brasil é signatário. É o caso de capistas, ilustradores, redatores e tradutores, os quais, por disposição legal, são considerados criadores e suas obras encontram proteção autoral, não podendo incluir-se, portanto, na categoria de trabalhadores autônomos, o que seria um retrocesso.
O mesmo podemos dizer do dispositivo que manda registrar contratos de cessão na Biblioteca Nacional, dispositivo burocrático totalmente inútil e até mesmo de difícil, senão impossível, aplicação.
Mas a lei é, por definição, mandamento para a ação futura e, por isso mesmo, ganha vida na sua aplicação, sob pena de virar letra morta, o que nenhum de nós – editores, livreiros, distribuidores, autores, representantes de venda direta – deseja sob hipótese nenhuma. Posta para a vida social, analisados seus prós e contras, temos, com a nova lei, apenas o primeiro passo de uma longa jornada que requer o esforço comum para transformar o que o legislador estipulou em ação concreta que aporte resultados práticos.
Esse será o nosso trabalho comum daqui para diante.
Se o artigo 7o da Lei diz que o ?Poder Executivo estabelecerá formas de financiamento para as editoras e para o sistema de distribuição do livro, por meio de linhas de crédito específicas?, é natural que se entenda desde logo que o poder público, considerando a importância estratégica do livro na difusão do conhecimento, dispõe-se a tomar medidas práticas para que o texto legal não se reduza a uma proclamação de boas intenções.
Ao contrário, essa disposição legal completa-se com seu parágrafo, onde o poder público impõe-se a obrigação de ?implementar programas anuais para manutenção e atualização do acervo das bibliotecas públicas, universitárias e escolares?, já que nossas bibliotecas públicas, dentro de um projeto assumido pelos últimos governos, precisam se transformar em grandes centros de agitação cultural e difusão do conhecimento, com acervos novos, constantemente atualizados e que possam, assim, facilitar o acesso ao livro.
É consenso geral que, nos dias de hoje, o Estado moderno não consegue e não tem meios para resolver todos os problemas, pois eles nascem e se multiplicam continuamente. O Estado, além de suas incumbências básicas, é também ? e cada vez mais – um centro aglutinador das comunidades que se mobilizam para complementar a ação pública.
Quando a lei, em seu artigo 13, diz que cabe ao Poder Executivo ?criar e executar projetos de acesso ao livro e incentivo a leitura? e ?criar parcerias, públicas e privadas, para programas de incentivo a leitura? – está, na verdade, convocando a sociedade para fazer deste país, como já foi dito, um país de leitores. A Câmara Brasileira do Livro (CBL) e demais organizações do setor estarão na primeira linha, voluntariando-se para a atividade que a Lei do Livro reclama.
Não queremos ? e não é nossa intenção permitir ? que a lei reste no papel como proclamação simpática, mas sem resultados práticos. A parceria Estado e comunidade é, sem dúvida, a forma adequada para que os problemas encontrem, no trabalho e na cooperação de todos os setores interessados, as soluções mais apropriadas.
Temos uma Lei do Livro. O primeiro passo foi dado. Agora começa a grande jornada para levá-la à prática e transformar a letra do texto em força viva e dinâmica. Este não é apenas um trabalho dos governantes, mas de todos nós.
Oswaldo Siciliano é presidente da Câmara Brasileira do Livro.
*Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de São Paulo, no dia 21 de novembro de 2003.
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Oswaldo Siciliano