Mercado Internacional de Televisão, realizado em São Paulo, colocou em pauta a produção audiovisual independente no Brasil
A produção audiovisual nacional independente foi o foco maior de atenções no 1o MITV – Mercado Internacional de Televisão, realizado em São Paulo nos dias 05 e 06 de junho e que tentou aproximar o Brasil (e a América Latina) do mercado externo. O evento sediou ainda o 7o Fórum Brasil de Programação e Produção, uma série de palestras e debates com a presença de diversos nomes nacionais e internacionais.
O MITV abriu alguns espaços diretos de contato entre os produtores nacionais e o mercado global de televisão. Nas sessões de screenings, emissoras e produtores independentes puderam apresentar suas produções para o mercado e compradores. Já nos pitchings, doze projetos previamente selecionados foram defendidos perante uma banca de profissionais do Brasil e do exterior, um procedimento habitual nas feiras internacionais de conteúdo. Houveram ainda as sessões de “30 minutos”, onde executivos do mercado expuseram aos produtores suas necessidades e maneiras de viabilizar um projeto.
Manoel Rangel, diretor da Ancine (Agência Nacional do Cinema), fez a primeira apresentação pública do projeto de lei que o governo enviou ao Congresso na semana passada, para alterar a Lei do Audiovisual. A proposta lida com um dos grandes gargalos do setor audiovisual (a falta de mecanismos de financiamento para a produção independente), criando o artigo 3o-A, que possibilita que canais abertos e programadoras de tv por assinatura invistam 70% do imposto de renda devido sobre a remessa de lucros ao exterior na co-produção de obras audiovisuais brasileiras de produção independente (exceto novelas). Embora a idéia já esteja sendo festejada pelas produtoras, há boas chances de o projeto não ser uma prioridade de aprovação neste ano eleitoral.
A produção regional foi debatida por representantes de três emissoras locais: a TV Bahia, a TV Rio Negro (Amazonas) e a RBS (Rio Grande do Sul). Cláudia Lima, Gerente de Negócios de Conteúdo da TV Bahia, demonstrou que para essas emissoras, a lógica é diferente da TV tradicional. Apenas 5,47% da receita do canal vem dos comerciais. A maior renda vem de alternativas como a comercialização de espaço para produtoras independentes (que recebem em troca um mix de comunicação que aumenta a visibilidade) e a produção de programas “customizados” (como o registro de eventos). A criação de “arquivos” audiovisuais locais é outra possibilidade de exploração comercial, defendeu Gilberto Perin, Diretor do Núcleo de Programas Especiais da RBS, uma afiliada da Rede Globo que já vendeu programas para o Canal Brasil e o Canal Rural. “O público gosta de se ver no ar”, ele afirmou.
A afirmação de Perin parece ter encontrado eco em Leonardo Monteiro de Barros, sócio da Conspiração Filmes. No painel “Os caminhos da co-produção”, ele falou sobre a série “Mandrake”, que sua produtora realizou em parceria com a HBO, na primeira vez em que o artigo 39 da MP 2228-1/01 foi utilizado no país. A audiência fez a HBO subir do 16° para o 2° lugar de audiência no horário. “Esse resultado mostrou que a programação local faz o mercado crescer e dá dignidade à produção nacional”, disse Barros.
E a julgar pelo que se ouviu no evento, ainda há muito o que explorar no mercado de desenvolvimento de conteúdos. Roberto Lestinge, Diretor de Expansão Internacional da Bandeirantes, afirmou que há uma grande demanda por material brasileiro no exterior, que não vem sendo suprida e às vezes nem imaginada. Ele citou um canal de tv francês que está interessado em produzir um documentário sobre as relações entre Belém do Pará e a Guiana Francesa. “O documentário é um filão inesgotável”, afirmou. Caíque Severo, Diretor de Inovação da DM9DDB, disse que as agências de publicidade precisam de roteiristas e produtores para as novas mídias audiovisuais E Charles Zamaria, do Bell Canada Fund, lembrou que por mais que a tecnologia esteja evoluindo, ela sempre precisará de conteúdo para existir.
Durante os debates e palestras do Fórum, algumas tendências e constatações se destacaram. Conheça algumas delas:
-a falta de mecanismos de incentivo dificulta que os produtores independentes no Brasil viabilizem co-produções internacionais – falta dinheiro para oferecer como contrapartida ao parceiro estrangeiro– e que as emissoras de TV, apesar da necessidade de conteúdo, fechem mais parcerias com a produção independente
-faltam profissionais qualificados para a produção independente televisiva
-os mecanismos de incentivo à produção audiovisual independente no Brasil e na América Latina privilegiam o cinema
-os programa para a TV precisam ser pensados de maneira a gerar conteúdo para outras plataformas como DVD, internet e celulares
-o desenvolvimento de conteúdos audiovisuais precisa considerar a interação com o público (especialmente o jovem), que cada vez mais busca novas experiências e não apenas o papel de consumidor
-boa parte dos projetos apresentados às emissoras de tv aberta demonstram desconhecimento da grade de programação e falta de adequação ao perfil e público do canal, o que freqüentemente inviabiliza as parcerias
-as TVs regionais precisam encontrar outras formas de sobrevivência financeira que não a venda de espaço publicitário, que é considerado um modelo esgotado
-a concorrência pelo financiamento externo se reflete na falta de articulação entre os países da América Latina no desenvolvimento de projetos conjuntos
O projeto de lei 59/03, da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB/RJ), garante espaço para produtores regionais e independentes, mas quinze anos após sua apresentação, ainda não foi aprovado, em um caso sintomático das dificuldades encontradas pela produção audiovisual independente no Brasil. Um abaixo-assinado foi encaminhado há poucos dias ao Senado Federal, reinvindicando a aprovação imediata de um requerimento da senadora Ideli Salvatti (PT/SC), que solicita regime de “urgência urgentíssima” na votação.
André Fonseca
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