O Cultura e Mercado entrevista o professor da USP Teixeira Coelho, que participa do projeto de criação do sistema de informações. Ele explica quem será beneficiado e comoO professor Teixeira Coelho, coordenador do Observatório de Políticas Culturais da Universidade de São Paulo, participa da elaboração do sistema de informações que a Unesco e o Ipea pretendem desenvolver. Ele reunirá os pontos do banco de dados que mais interessam para fazer um projeto, que será apresentado ao novo governo.

Coelho afirma que há alguns problemas básicos a serem resolvidos, como a definição dos indicadores utilizados, de quem colherá os dados e quem os interpretará, qual a importância da base de dados, como as experiências de outros países podem ser úteis etc. Para definir tudo isso, serão reunidos e analisados os papers de cada conferencista.

Leia entrevista concedida a Leonardo Brant, presidente do Instituto Pensarte, e a Sílvio Crespo, do Cultura e Mercado.


Leonardo Brant: Quais serão as áreas culturais abrangidas pelo banco de dados?
Teixeira Coelho: Há algumas áreas prioritárias que o banco deve cobrir, como o consumo cultural ? quanto cada cidadão gasta com cultura e em que área ?, a renda cultural ? quem vive de cultura no Brasil e quanto ganha ? os gastos das cidades. Na França, assim que foram divulgados os gastos de cada cidade, aquelas que menos financiavam a cultura começaram a investir mais.Além disso, é importante tentarmos inserir indicadores culturais na medição do Índice de Desenvolvimento Humano. Vamos discutir quais serão esses indicadores. Faremos, também, estudos setoriais; em artes plásticas, por exemplo, veremos quantos artistas atuam no Brasil, quanto esse mercado movimenta etc.

Brant: Até agora, os estudos do setor cultural tomam como base a produção. Uma das novidades que a Unesco e o Ipea trazem é inverter o caminho e estudar aquele que recebe?
Sim. A idéia é fazer uma pesquisa bastante ampla, abrangendo não apenas quem produz, mas todos os que recebem a cultura. Não queremos trabalhar com amostragem, e sim com toda a população, como um recenseamento. Perguntaremos a cada indivíduo se ele toca algum instrumento, se costuma ler e escrever etc. Queremos cobrir não apenas a cultura formal, pois quase tudo o que se faz no setor cultural brasileiro é informal.

Brant: uma vez levantados os dados, de que forma eles podem ser trabalhados?
As aplicações são enormes. Os dados são importantes para traçar um mapa bastante claro do significado econômico da cultura. A partir daí, será possível fazer intervenções na realidade. Teremos mais clareza das medidas que poderão ser tomadas para que as pessoas tenham uma idéia cultural melhor da sociedade. Conseguiremos, ainda, localizar mais precisamente os problemas das leis de incentivo, identificar os setores que mais necessitam de uma política cultural etc. O banco de dados permitirá coordenar e prever os acontecimentos do setor cultural.

Sílvio Crespo: Haverá um levantamento de dados pensado especificamente para os produtores culturais?
O grande instrumento do produtor cultural é o mapa de consumo cultural. Com o mapeamento, ele poderá saber quanto cada faixa da população consome em bens culturais, e que tipo de bens. Isso vai reduzir o amadorismo das decisões empresariais do pequeno produtor, e permitirá a eles descobrirem os vazios do mercado a serem explorados.

Brant: As leis de incentivos dividem a cultura são divididas em áreas, como dança, música, artes plásticas etc, e concedem mais benefícios a algumas delas em detrimento de outras. O sr. concorda com essa divisão?
A área cultural era altamente complexa. Até meados do século passado, as políticas culturais trabalhavam sobre o conteúdo: apoiava-se, antes de mais nada, o que era considerado bom. O que se sucedeu a isso foram as políticas culturais formalistas, que não se preocupam nem com conteúdo nem com gênero. Preocupam-se apenas em criar os mecanismos, como se fossem estruturas vazias, em que, depois, as pessoas preenchem como quiserem. O problema é que quem acaba preenchendo essas estruturas são apenas os segmentos mais organizados.

Para amenizar o problema, o governo pode coordenar a concessão de benefícios das leis. Se uma área está sendo mais beneficiada que os demais, o governo pode oferecer mais incentivos aos setores em defasagem. Ao lado disso, alguns governos resolvem privilegiar uma área por considerarem estratégica cultural ou economicamente. O audiovisual, por exemplo, é um setor estratégico tanto do ponto de vista econômico, porque nos Estados Unidos é a segunda maior indústria, como do social, uma vez que devolve às pessoas a sua identidade.

Crespo: A grande indústria cultural já faz um levantamento de dados próprio, por meio de pesquisas de opinião, para investir no ?produto? que mais oferece retorno. Quando o pequeno produtor tiver acesso a dados como esses, ele não corre o risco de adotar os mesmos métodos da grande indústria e começar também a ?fabricar? produtos em massa e padronizados?
Sim. Mas a arte sempre foi atrelada ao mercado. Michelangelo trabalhava para um mercado que dizia: ?você deve pintar os santos com essa cor específica?. Entretanto, o que ocorre é uma coincidência entre o que o artista quer fazer e o que o público quer receber. Nesse caso há um casamento fortuito.

Crespo: Se os produtores orientarem seu trabalho somente pelo público consumidor, eles não podem deixar de apostar no novo, no inusitado, essencial para o desenvolvimento da arte?
Podem. Mas ninguém pode olhar para um quadro estatístico de um ano e dizer que encontrou a receita. As estatísticas só têm significado depois de um determinado período. O produtor não pode estudar o censo de um ano e dizer: ?agora eu sei aonde vou investir?. Na verdade, o primeiro levantamento já pode ajudar, mas esse mapa vai se formar em longo prazo.

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