Ninguém no meio está comentando, mas a última edição do Edital Natura Musical aconteceu em 2022, onde premiou 30 projetos para execução ao longo do ano seguinte. 2023 foi o primeiro ano em que o edital não abriu desde a sua criação em 2005, após 18 anos de atuação ininterrupta. 2024 será o segundo de sua ausência no mercado.

Criado em 2005, o programa Natura Musical foi idealizado e gerido em parceria com a consultoria de patrocínios Articultura, do consultor Yacoff Sarkovas e, posteriormente, sua gestão foi levada para a agência Significa, do mesmo consultor, até ser incorporado integralmente pela empresa, que estruturou sua equipe de marketing cultural e colocou a frente do programa a executiva Fernanda Paiva, que se manteve à frente da área até meados de 2023.

De 2014 a 2022 o edital incentivou anualmente entre R$ 5 e 6 milhões através da Lei de Incentivo Federal* e de Leis Estaduais de estados como Minas Gerais, Bahia, Pará, Rio Grande do Sul, entre outros. O valor é significativo dentro da realidade brasileira dos editais empresariais, sobretudo dentro do nicho da música popular que é tão pouco assistido por iniciativas do gênero. Programas de patrocínio como este são importantes agentes de fomento, permitindo não só o lançamento de obras relevantes, mas também movimentando uma cadeia de profissionais da música: artistas, técnicos e produtores, além dos tantos mediadores, de estúdios a distribuidoras, além de festivais de música também contemplados pela premiação.

O Natura Musical sempre teve uma ótima repercussão na imprensa, entre artistas e meio cultural. O programa, por sua atuação estabelecida e contínua, se tornou praticamente uma instância de consagração para os músicos. A cantora Roberta Sá chegou a afirmar isso ao especialista Lárcio Benedetti: “A Natura conseguiu tanto prestígio com o programa dela que, para o artista, ser selecionado nos editais da empresa é uma espécie de selo de qualidade”. Seus resultados na imprensa também eram relevantes, a gerente do programa Fernanda Paiva chegou a afirmar durante o seminário da Aberje de 2013 que 30% da mídia espontânea sobre a marca vinha do projeto Natura Musical.

No Brasil a oferta dos editais empresariais tem sido diversa, porém peca justamente pela falta de constância e regularidade, que expõe a fragilidade desse modelo ainda pouco explorado pelo mundo corporativo. Benedetti em seu livro Editais de Patrocínio Empresarial pontua que um bom edital traz diversos benefícios às empresas como: disseminar a política de patrocínio, propiciar ativos de comunicação em diversos momentos (abertura e fechamento da seleção, publicação dos resultados etc.), definir processo e responsáveis pela seleção, orientar o envio de propostas, transmitir imagem positiva associada a igualdade e transparência, entre outros.

Por esses motivos, o setor cultural não pode normalizar o cancelamento de um edital tão importante quanto o Natura Musical. Apesar do programa permanecer vivo por manter o naming right na casa de show que recebe o mesmo nome na cidade de São Paulo, o Natura Musical construiu seu legado a partir de sua agenda de incentivo e de seu edital e ele precisa reviver. 

* Em pesquisa na plataforma de transparência Salic Comparar é possível verificar que a Natura deixou de apoiar projetos através da Lei Rouanet a partir de 2020.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do Cultura e Mercado

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Alice Coutinho é gestora, professora e pesquisadora cultural. Já foi sócia do Cultura e Mercado, e acaba de entregar seu mestrado sobre patrocínio na música.

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