“O sentido histórico da sociedade civil organizada só virá quando provamos a que viemos”. A frase é da diretora executiva da Associação Brasileira de Organizações (Abong), Vera Masagão, convidada do debate “O papel das organizações sociais nas políticas das cidades”, promovido pela Fundação Tide Setubal no último dia 29/4, para discutir a cena do movimento social brasileiro.
Além de Vera Masagão, o encontro também contou com a participação da presidente dos Conselhos da Fundação e do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Maria Alice Setubal, do secretário-geral do GIFE, Fernando Rossetti, e do celebrado arquiteto e urbanista, Francisco Whitaker.
Mesmo retirada de seu contexto, a frase de Vera leva a considerações oportunas sobre a legitimidade do chamado terceiro setor. Sabendo que as organizações sociais devem, impreterivelmente, se ater a quesitos como transparência, boa governança, estar a serviço do bem comum e avaliação desde sua criação, as discussões, durante o debate, se centraram na importância política que elas conjuntamente possuem.
A começar por dados de contexto, como os apresentados por Fernando Rossetti: logo após a nova constituição (1988) até os anos de 2002, o número de organizações social triplicou, chegando a 338 mil (dados Fasfil). Esse “boom” não apenas fortaleceu a assistência social, mas também a movimentação pela defesa de direitos no Brasil (que corresponde a 18% desse montante).
No entanto, na visão dos participantes do evento, apesar do crescimento, a sociedade civil organizada ainda precisa fortalecer a sua atuação política. Isso porque a população perde cada vez mais espaço nesse âmbito, devido a um esvaziamento das responsabilidade de grande parte de sindicatos, tal como de partidos políticos, cujas preocupação e decisões são pouco pautadas no espírito público ou no que é interesse do país.
Na opinião de Masagão e Whitaker, o campo social pode assumir esse papel, em especial por sua diversidade e capacidade de cooperação e trabalho em rede. O urbanista deu como exemplo o Fórum Social Mundial, que ajudou a fundar. Segundo ele, o que permite o evento continuar (começou em 2001) é o permanente contato e trocas que as mais diferentes organizações e ativista que compõe o movimento possuem.
Para fortalecer a sociedade civil organizada brasileira para uma ampla atuação política, é preciso antes estimular a diversidade de investidores do país. Foi o que apostou Fernando Rossetti, ao apresentar a síntese da Visão para o Investimento Social Privado para 2020, no Brasil.
O documento, segundo o secretário-geral, ambiciona para a próxima década um setor relevante e legítimo, abrangendo diversos temas, regiões e públicos, formado por um conjunto sustentável e diversificado de investidores. Como ações prioritárias, o documento defende, por exemplo, incidir no marco regulatório no terceiro setor. “A legislação brasileira não incentiva a criação dessas formas de filantropia. Pelo contrário, além de toda a burocracia, taxam sua criação”, lembrou Rossetti.
A Fundação Tide Setubal comemorou seus cinco anos de atuação em São Miguel Paulista, em São Paulo, com lançamento do livro “Fundação Tide Setubal: Identidades Territoriais e Comunidade Local. Uma história de pensar e fazer junto”, que apresenta desafios, conquistas e aprendizados acumulados na trajetória em prol do desenvolvimento sustentável da região.
Dividida em três capítulos, a publicação resgata a história do bairro da zona Leste paulistana, e a inspiração para a criação da entidade, apresenta sua trajetória e analisa desafios e conquistas. Desde 2005, a Fundação desenvolve programas e projetos de educação, cultura, esporte, lazer e geração de renda com foco na juventude, na família e na comunidade, buscando dialogar com as políticas públicas. Mais de 12 mil pessoas já participaram dessas atividades.
Também é intensa a programação cultural promovida pela Fundação, que envolveu, desde 2006, cerca de 100 mil pessoas em eventos abertos e gratuitos, como Encontro de Cultura Caipira, Festival do Livro, Encontro de Cultura Hip Hop.
A finalidade da publicação, que conta com depoimentos de moradores e fotografias atuais e históricas do bairro, é sobretudo dividir as lições aprendidas nos cinco anos em São Miguel.
Resumidamente, alguns aprendizados neste percurso são:
• Construção de vínculos de confiança – escuta e respeito como alicerces de uma trajetória: no início dos trabalhos no território, no contato direto com adultos e jovens em situação de vulnerabilidade, a palavra respeito foi encontrada em todos os depoimentos, dado que revela a importância da construção de relações próximas, baseadas na escuta, no diálogo e na atitude respeitosa.
• Transparência, prestação de contas e apartidarismo, diferenciais na ação da Fundação na comunidade: todas as ações são divulgadas a todo público de forma transparente, mostrando à comunidade um modo de agir mais democrático. Para estabelecer a confiança local, abrir espaços de diálogo e possibilidades de ações conjuntas, também foi importante assumir uma posição apartidária, mas sem abrir mão do papel político no território.
• Aprendizados sistematizados e saberes compartilhados: a sistematização permite a reflexão sobre o fazer. Em cinco anos, foram 10 livros publicados sobre os diferentes projetos. Sua disseminação contribui para a criação de uma rede de conhecimentos no território, catalisando novas ações.
• Parcerias, mediação e articulação de ações e políticas no território: sem parcerias na execução de projetos, seja com ONGs locais ou poder público, não há empoderamento da comunidade, nem desenvolvimento local. É igualmente fundamental articular poder público e comunidade, exercendo um papel de mediação nesse processo de busca da garantia dos direitos da população. Além da importância da participação popular, nessa tarefa, a lição aprendida é a necessidade de acompanhamento, de persistência e de cobrança contínua para garantir a vontade da comunidade.
*Com informações do site do GIFE