?Tivemos, nesse período, alguns avanços e algumas derrotas. O importante é que continuamos organizados, olhando na mesma direção?Caros companheiros do cinema. Aproveitamos o intervalo dos feriados para algumas reflexões sobre os primeiros meses do Cinema no novo governo. Todos nós jádemonstramos o suficiente que torcemos pelo êxito dessa gestão, para o bem dopaís e do povo brasileiro. E, especialmente, todos queremos o êxito do cinema brasileiro, pois com isso contribuímos para o avanço do processo democrático, direito à cidadania, elevação da auto-estima e para a própria soberania nacional. Temos todos, cada um à sua maneira, trabalhado àrduamente para isso, e o CBC vem tentando juntar as forças com as demais lideranças do cinema e a organização de todas as entidades cinematográficas. Tivemos, nesse período, alguns avanços e algumas derrotas, como já pudemos avaliar. O importante é que continuamos organizados, olhando na mesma direção, embora com alguns desencontros sobre o como atingir nossas metas.
Novo Governo
Da parte do Novo Governo, esperávamos uma receptividade a tudo o que vínhamos sonhando de melhor para o cinema: democratização, transparência de critérios, desconcentração de recursos, regionalização da produção, atitudes firmes para a retomada do nosso mercado, acesso do conjunto da população aos nossos filmes e abertura das TVs para o cinema brasileiro independente e programação de TV regionalizada. Enfim, um programa para uma década provàvelmente, mas que acreditávamos pudéssemos estarjá nos primeiros 100 dias, em marcha decisiva nessa direção, com a parceria governo/sociedade civil organizada, via entidades de classe reunidas – especialmente através do Congresso Brasileiro de Cinema, que tem um caráter federativo, congregando aquase totalidade das entidades ligadas ao audiovisual brasileiro em termos de território e segmentos…
Resultados
Pois bem, temos hoje o Ministério da Cultura (MinC) nos abrigando, comojá há alguns anos, preparando-se para iniciar uma reforma que irá transformar sua organização interna, onde o cinema contará com um órgão que se denominará Instituto Nacional do Audiovisual , conforme proposta que o ministro Gilberto Gil entregou ao ministro Guido Mantega (Planejamento). Consta que essa reforma é inspirada numa proposta elaborada por um trabalho de assessoria que o ex-ministro da Cultura Francisco Weffort contratou no último ano do seu governo. A nova estrutura se constituiria de três Secretarias-fim, transformadas em Institutos, e seriam mantidas duas secretarias-meio. Fala-se também da criação de uma Agência de Fomento no MinC, idéia que já circulava na SAV (Secretaria do AudioVisual) do professor José Álvaro Moisés, e que já constava também da proposta da assessoria prestada pelo Grupo Boucinhas Auditores.
O cinema ficaria com o Instituto do Audiovisual e, se o governo concretizar a decisão do MinC, O Instituto ficará também com a Ancine (Agência Nacional do Cinema), que hoje ainda se encontra na Casa Civil. A Agência seria vinculada diretamente ao ministro da Cultura, mantida sua autonomia e seu caráter excepcional como agência de desenvolvimento e não apenas reguladora. O ministro Gil acenou com a volta da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do audiovisual), com a televisão fazendo parte da Agência, o que pesou muito na mudança de posição de algumas entidades com relação ao consenso inicial de alocar a Ancine no MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio). O ministro, conforme informou o Secretário do Audiovisual Orlando Senna, só estaria esperando a aquiescência da classe quanto à vinda da Ancine para o MinC para iniciar as gestões cinema/TV.
A SAV, futuro Instituto Nacional do Audiovisual, manteria pràticamente as mesmas funções (as que chamamos “cinema cultural”) e teria o CTAV (Centro Técnico Audiovisual) vinculado a ela. Encontra-se em discussão a vinculação à SAV da Cinemateca Brasileira, hoje ligada à Funarte.
As relações internacionais ainda estão nas atribuições da Ancine e da SAV, os festivais nacionais na SAV e os internacionais na Ancine – esse assunto ainda dependendo de uma conceituação mais precisa. Os cargos de dirigentes dos organismos de cinema vêm sendo na maioria preenchidos por nomes indicados pelo setor, contando com o apoio da classe. O programa da Comissão Cultural do CBC foi aceito pela SAV, dependendo agora de implementação das medidas propostas ainda no IV Congresso.
A Medida Provisória 2228 – que institui o novo Modelo Institucional do Cinema , está aguardando votação no Congresso Nacional, e deverá incorporar proposta de revisão apresentada pelo governo, através do MinC, levando em conta contribuições da classe. Uma primeira análise desenvolvida por um grupo de produtores e diretores foi submetida recentemente a um fórum ampliado de representantes que incluía dirigentes da ABD (Associação Brasileira de Documentaristas), da Apaci (Associação Paulista de Cineastas), Abraci (Associação Brasileira de Cineastas), Sicav (Sindicato da Indústria Audiovisual), personalidades como Luiz Carlos Barreto, Nelson Pereira dos Santos, Zelito Vianna e Paulo Thiago, entre outros. Nesse momento, o MinC está analisando sugestões apresentadas e com abertura para receber outras sugestões diretamente dos setores. Por volta de 20 de maio, será repassado para conhecimento de todos a proposta de alterações na MP, a ser encaminhada ao legislativo. Nesse ínterim, o CBC recomenda que as entidadesencaminhem suas sugestões específicas à SAV / MINC, dando conhecimento ao CBC.
Prepara-se a alteração dos nomes que integram o Conselho Superior de Cinema. Fala-se em nomear um representante dos produtores, um dos realizadores, um dos documentaristas e curtametragistas e um do CBC. Discute-se também a presença de um representante dos exibidores e distribuidores. Os técnicos reivindicam assento através do Sindicine, do Stic e da Associação Brasileira de Cinematografia (ABC). Há quem sugira que pelo menos 2 membros sejam da sociedade civil. Pela proposta contida na MP, esse Conselho seria constituído por 7 Ministros e 5 representantes da atividade.
Portanto, há que pensar em como compatibilizar as propostas e decidir sobre uma composição do Conselho para que ele possa se efetivar e iniciar o exercício de suas funções. Quanto à operação concreta das instituições cinematográficas federais, nesse período, temos que a SAV se encontra ainda sem recursos orçamentários, pois que até agora não foram liberados. Este ano, o Minc contava com um orçamento de aproximadamente 240 milhões de reais para todos os segmentos da cultura, mas em função de um contingenciamento, esse montante está reduzido para aproximadamente 170 milhões.
A Comissão de Cultura da Câmara Federal estava tentando liberar 10 milhões deste orçamento a pedido do ministro Gil. A nova política para incentivos das estatais estásendo definida pela Secom (Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica) e acompanhada pelo Minc e pela SAV. Embora haja instruções de não paralisar nenhuma operação, a verdade é que as empresas estatais informam que estão aguardando a definição das novas orientações do governo. Na última reunião do Comitê das Estatais, foi constatada a falta de entendimento comum entre as partes: Secom, MinC, empresas ? e decidiu-se suspender os encontros até que se chegue a um denominador comum.
Essa situação está paralisando as decisões sobre o incentivo para o audiovisual e um dos setores que já sente dificuldades de prosseguir com as programações são os festivais de cinema. A produção nova também se ressente de falta de decisões, o que pode comprometer a existência de filmes finalizados no próximo ano. Nesta última reunião do Comitê das Estatais, em que o secretário-executivo do MinC, Juca Ferreia, participou, o secretário Orlando Senna, alertado da situação, solicitou que fosse flexibilizado pelomenos o atendimento a esse setor, para não inviabilizar a realização das mostras e festivais do primeiro semestre. A continuidade das reuniões do Comitê está na dependência de um encontro entre os ministros Gushiken (Secom) e Gil.
O pleito do Minc é ficar com metade do recurso previsto para oincentivo cultural originário das Estatais. Ou seja: R$ 300 milhões, dos quaiso cinema está reivindicando R$ 100 milhões. A Ancine continua ainda na CasaCivil, aguardando sua alocação definitiva, e atuando modestamente dentro dos espaços que lhe outorga sua autonomia. O tempo que decorreu entre janeiro e meio de abril, essa situação provisória, dificultou a completa implementação face às indefinições e gestões quanto ao seu destino, que ainda não foi concretizado. As operações desenvolvidas pelo MinC para alocar a Ancine frustraram a expectativa que a classe vinha alentando de abrir um novo espaço, na direção do desenvolvimento da atividade, fortalecendo a atuação na busca dos mercados interno e externo, crescendo em competitividade.
Enquanto o lado eminentemente cultural do cinema, no MinC, disputaria seu espaço com as outras atividades culturais do país, o lado industrial estaria no MDIC, que conta com um orçamento de dois bilhões e quatrocentos milhões de reais, para o desenvolvimento da indústria e comércio externo. O que a Agência nesse período conseguiu concretizar foram os acordos de co-produção com a Ibermidia e com o Icam (Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimedia) de Portugal, tendo duplicado o número de filmes em co-produção através do Instituto de Cinema Português: dois majoritàriamente brasileiros e dois majoritàriamente portugueses.
A Agência conta com aproximadamente R$ 20 milhões para investir no fomento,distribuição e produção de filmes, e já tem arrecadado em torno de R$ 7milhões em contribuições, que foram diretamente para o Tesouro Nacional, voltando na forma de orçamento, totalizando este ano um montante de mais ou menos R$ 49 milhões. A despesa prevista para manutenção e administração será por volta de R$ 5 milhões, maisfolha de pagamento e mais R$ 3,6 milhões de promoção e comercialização internacionaldo cinema brasileiro; para fiscalização, um montante de R$ 1,6 milhão. Com a Ibermedia também está sendo preparado um encontro de co-produtores europeus a se realizar em junho em Portugal. A Ancine conta agora também com uma assessoria parlamentar que acompanha todos os movimentos dos projetos de lei que interessam à atividade, informando sobre o andamento dos mesmos por intermédio de um boletim, via Agência, que chega ao CBC para divulgação a todas as entidades e deve em breve constar dos sites da Ancine e do CBC.
Próximos desafios
O setor aguarda a adequação da cota de tela (número mínimo de filmes brasileiros que as salas devem exibir por ano) ao novo momento político cinematográfico e a necessária redefinição da média de público por sala, para assegurar, através de um instrumento legal, a permanência dos filmes brasileiros em cartaz enquanto cumprirem a freqüência média de público. Aguarda também o estabelecimento dos mecanismos de fiscalização que garantam o cumprimento das medidas de defesa do mercado e de arrecadação das contribuições estipuladas, além do estabelecimento das relações com a televisão aberta e por assinatura, garantindo a regionalização da produção e da programação, bem como o espaço para ocinema brasileiro de produção independente.
Ainda através de acordos, o setor espera aumentar a visibilidade do filme brasileiro, interna e externamente, reforçando a tendência de crescimento do diálogo cinema / público, atingindo o povo brasileiro como um todo. Faz-se necessário garantir a participação incentivada das empresas estatais para continuidade da produção de filmes, com critérios transparentes que atendam a um planejamento de crescimento progressivo, com vistas a atingir um volume de oferta de títulos voltados para o mercado de salas, conforme metas estabelecidas nas propostas elaboradas pela classe. O setor aguarda também a revisão da MP 2228, para votação no Congresso Nacional, incluindo as reivindicações de cada segmento, levando ao fortalecimento do mercado e buscando a isonomia com setores de outras atividades.
Interlocução da classe com o governo
Com relação à interlocução da classe com o novo governo, ela não foi ainda claramente definida nem estruturada, tendo o secretário da SAV, Orlando Senna, se declarado favorável a que ela se desse através do CBC. Se isso ainda não se concretizou, deve-se em grande parte à continuidade de certas práticas que privilegiam as atuações personalizadas e pontuais, e que atravessam a interlocução coletiva e que estão sendo toleradas por instâncias do governo, bem como a alguns questionamentos quanto ao peso diferente das entidades na representação da classe e ao questionamento quanto aopróprio papel do CBC enquanto espaço de representação.
Acreditamos que cabe ao CBC encaminhar uma proposta ampla, que contemple todas as questões acima tratadas, para chegarmos a um bom termo através de uma solução negociada. É isso que tentaremos através dos novos encontros programados pelo CBC.
Assunção Hernandes é presidente do Congresso Brasileiro de Cinema.
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Assunção Hernandes