Plano está em tramitação na Câmara para ser transformado em lei fundamental para a efetivação de políticas públicas culturais no Brasil. Setor cultural precisa provocar o debate público e pressionar a aprovação
O Brasil pode ter uma lei que estabelece um Plano Nacional de Cultura, o que representaria um instrumento estratégico e de longo prazo para a efetivação de políticas públicas culturais, uma das maiores carências do setor no país. Mas em um ano eleitoral, a aprovação dessa lei pode não acontecer, o que torna necessário que a área cultural atente para a importância da questão e não a deixe passar despercebida.
O processo teve início no segundo semestre de 2005,quando o Ministério da Cultura (Minc) realizou diversas conferências municipais e estaduais para debater e propor políticas culturais. O MinC estima que cerca de 40.000 pessoas em mais de 700 municípios estiveram envolvidas, em 25 estados da federação e no Distrito Federal. Foi realizado ainda um seminário setorial de cultura em cada uma das regiões brasileiras.
Em dezembro, foi realizada a 1ª Conferência Nacional de Cultura, que reuniu ceca de 1.300 participantes de todo o Brasil e que visou mobilizar a sociedade civil e o governo para discutir um novo modelo de gestão de política cultural no Brasil. Participaram os “delegados” eleitos nas conferências e representantes do Minc. A discussão da Conferência foi dividida em cinco eixos temáticos: Gestão Pública da Cultura; Patrimônio Cultural; Economia da Cultura; Cultura é Direito e Cidadania; e Comunicação é Cultura. 63 diretrizes foram definidas para esses eixos e 30 delas foram estabelecidas como sendo prioritárias. As três mais valoradas foram:
Democratização da Midia – A proposta que recebeu o maior índice de aprovação trata da regionalização e descentralização da programação cultural das rádios e emissoras de TV. O objetivo é democratizar o acesso da produção cultural regional e local aos veículos de comunicação, abrindo espaço nas redes nacionais para programas locais e reduzindo a massificação imposta pelos grandes canais de comunicação do país.
Uma proposta complementar a essa propõe a aprovação no Congresso Nacional da Lei Geral de Comunicação, que permita a descentralização, a universalidade e o controle da sociedade civil sobre os meios de comunicação e regule o sistema de concessão pública e produção de conteúdo para as rádios comunitárias; o rádio e a TV digital; a telefonia móvel e a banda larga; o cinema, a TV e a produção audiovisual.
Maior orçamento para a cultura – A proposta pede a aprovação urgente do Projeto de Emenda à Constituição (PEC) 150/03 , que prevê a destinação para a preservação do patrimônio cultural brasileiro e para a produção e difusão da cultura nacional, de modo não contingenciável, de pelo menos 2% da União, 1,5% dos Estados e Distrito Federal e 1% dos municípios, da receita resultante de impostos.
Sistema Nacional de Cultura (SNC) – Propõe o envolvimento das três esferas de governo (municipal, estadual e federal) com conselhos de políticas culturais formados por no mínimo 50% de representantes da sociedade civil, para implantar o SNC como instrumento de articulação, gestão, informação, formação e promoção de cultura. Essa implantação seria controlada e acompanhada pela sociedade.
O SNC será operacionalizado pelo Plano Nacional de Cultura (PNC), previsto na Constituição Brasileira por meio de uma emenda criada em agosto passado, e que deverá ordenar as responsabilidades e a cooperação entre as esferas de governo, e delas com a sociedade. O PNC foi transformado em um projeto de lei (PL nº 6.835/06 ) de autoria dos deputados Gilmar Machado (PT-MG), Iara Bernardi (PT-SP) e Paulo Rubem Santiago (PT-PE), que o apresentaram para a Câmara dos Deputados no final de março, visando a aprovação do Plano. Com isso, as ações da cultura passariam a ser tratadas como políticas estratégicas, com ações integradas nas três esferas de governo. O projeto encontra-se atualmente em tramitação na Comissão de Educação e Cultura. Se aprovado, seguirá para o Senado, e então para a sanção presidencial, quando será transformado realmente em lei.
Como 2006 é um ano eleitoral (o que normalmente torna mais lenta a tramitação de projetos) e que também marca o final do mandato do governo Lula, fica evidente que o projeto do PNC precisa ser sancionado urgentemente. Para isso, é fundamental o envolvimento do setor cultural, que pode provocar o debate na Câmara e depois no Senado, pressionar pela aprovação do projeto de lei e se isso acontecer, acompanhar e cobrar a execução pelo governo das propostas estabelecidas.
AS 30 PROPOSTAS PRIORITÁRIAS
1) Regulamentar as leis dos meios de comunicação de massa (art.221 CF/88), através do Projeto de Lei 256, garantindo a veiculação e divulgação das produções e manifestações culturais regionais em rádio e TVs.
2) A aprovação, em caráter de urgência, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 150/03 pelo Congresso Nacional e a garantia pelo Poder Executivo da destinação prioritária para políticas públicas de cultura.
3) Vincular de modo não contingenciável para a Cultura, o mínimo de 2% no Orçamento da união, 1,5% no orçamento dos Estados e Distrito Federal, 1% do orçamento dos municípios com aprovação e regulamentação imediata da PEC 150/2003.
4) Garantir a participação da sociedade civil, através de seus fóruns, na discussão da elaboração da lei geral de comunicação de massa assegurando a descentralização, a universalização, a democratização e o controle da sociedade civil sobre os meios de comunicação e regule o sistema de concessão e produção de conteúdo para: a) As rádios comunitárias; b) O rádio e a TV digital; c) A telefonia móvel e a banda larga; d) O cinema, a TV e a produção audiovisual. Criar um fundo para manutenção das rádios e Tvs comunitárias. Não ao controle e sim ao fortalecimento de meios de comunicação alternativos como TVs, rádios e jornais comunitários criando uma legislação que facilite a existência e manutenção dos meios alternativos.
5) Implantar o Sistema Nacional de Cultura como instrumento de articulação, gestão, informação, formação e promoção de políticas públicas de cultura com participação e controle pela sociedade com distribuição de recursos nos moldes da pec 150, envolvendo as 3 esferas do governo (federal, estadual e municipal) com conselhos de políticas culturais (no minimo 50% composto pela sociedade civil), fundos de cultura, relatórios de gestão, conferências de cultura,planos de cultura e orçamento participativo da cultura.
6) Implantar o SNC nas três esferas de governo com conselhos deliberativos, fóruns e conferências, garantindo: fundos de cultura, orçamento participativo, planos de cultura, censo de cultura e relatórios de gestão.
7) Implementar um sistema de financiamento diversificado, nas três esferas de governo, que contemple as necessidades e pluralidades das manifestações culturais, priorizando o financiamento direto, através de fundos e editais; criando linhas especiais de créditos e aprimorando os mecanismos e leis de incentivo fiscal existentes. Fomentar ações integradas no turismo e cultura local bem como para o desenvolvimento sustentável.
8) Criar um programa nacional de formação cultural integrado ao Sistema Nacional de Cultura e ao Plano Nacional de Cultura, reconhecendo cultura como parte fundamental da educação para exercício de plena cidadania. Esse programa deve articular as ações de educação formal, em seus três níveis, e não formal, fomentando a capacitação, qualificação e formação continuada dos profissionais que atuam na área, bem como, o reconhecimento oficial do notório saber dos artistas e mestres populares para sua atuação como educadores.
9) Descentralizar e distribuir eqüitativamente os recursos públicos e privados para a cultura em todas as regiões do Brasil, respeitando as necessidades locais. Este procedimento deve ser direcionado para a regulamentação prevista na PEC 150/03.
10) Fomentar a criação nos municípios, de Centros de Memória com finalidade de promover ações de preservação dos bens patrimoniais, materiais e imateriais, com responsabilidade compartilhada no âmbito das três esferas públicas e da sociedade civil.
11) Disponibilizar e garantir equipamentos, criando uma rede digital sociocultural em espaços públicos, para promover a democratização de acesso à informação em meio digital.
12) Promover e estimular a criação de espaços públicos destinados ao ensino, produção e expressão das manifestações artísticas e culturais; e apoiar os espaços comunitários e alternativos, propiciando o acesso democrático a todas as modalidades de emanação da produção intelectual do povo brasileiro.
13) Implantação do Sistema Nacional de Cultura e do Plano Nacional de Cultura com participação deliberativa do conselho nacional de política cultural, com investimentos nos moldes da PEC 150/2003; sendo que a definição das políticas, programas e prioridades, nos 3 níveis de governo, se dará através das conferências e conselhos de cultura com caráter deliberativo, normativo e fiscalizador, de composição, no mínimo, paritária da sociedade civil.
14) Viabilizar a criação e a manutenção de redes culturais de integração local, estadual, regional, nacional e internacional com a finalidade de facilitar o intercâmbio entre as expressões da diversidade cultural brasileira em suas diversas linguagens e modalidades e promover a pesquisa, a formação, a produção, a difusão e a distribuição de produtos culturais.
15) Mapear, documentar, propagar e disponibilizar, ampla, acessível e democraticamente, de maneira digital e impressa, informações sobre a cadeia produtiva, os arranjos criativos e produção artística das localidades brasileiras, considerando todos os seus formatos, segmentos e variantes, inclusive as atividades individuais (indivíduos criadores), independentes ou itinerantes, e incluindo os espaços públicos, identificando os impactos econômicos e sociais através de estudo, diagnóstico e prospecção destas atividades, para promover e fortalecer a atividade artística cultural.
16) Viabilizar a criação e a manutenção de equipamentos públicos (cineclubes, telecentros, pontos de cultura, bibliotecas etc.) que sejam centros de produção, difusão, formação e capacitação interligados em rede com a participação prioritária e parceria com escolas públicas e com organizações que trabalham com crianças e jovens em risco e vulnerabilidade social.
17) Criar, implementar e fomentar programas e projetos voltados para a descentralização e interiorização das ações culturais, com ênfase na garantia do financiamento público (inclusive recursos oriundo das leis de renúncia fiscal) a partir das características e peculiaridades locais e regionais.
18) Debater, defender e promover sistemas brasileiros de comunicação de massa (Rádio, TV, Cinema e Telefonia móvel), com a participação de atores públicos e da sociedade civil, assegurando a democratização dos meios de comunicação e a diversidade cultural, além de garantir a incorporação dos canais públicos, educativos e comunitários.
19) Regulamentar e fortalecer FNC – Fundo Nacional de Cultura com ampliação dos recursos e a distribuição dos mesmos por meio de editais públicos de forma a contemplar todas as áreas culturais. Que todas as informações referentes ao FNC sejam disponibilizadas com destaque pelos meios de comunicação de massa a nível nacional, estadual e municipal garantindo, assim, sua transparência e finalidade.
20) Criar, revitalizar e desenvolver instituições museológicas e demais espaços culturais valorizando a preservação do patrimônio cultural em todas as esferas públicas e privadas, e fomentar a pesquisa, o registro e a preservação das práticas sócio-culturais, valorizando as identidades, a diversidade cultural para a inclusão social nos espaços culturais, como os das universidades públicas, museus e demais instituições de memória.
21) Criar e implementar um sistema nacional de informações culturais, estruturado em rede, para gerar indicadores que orientem a elaboração, implementação e avaliação das políticas públicas de cultura numa perspectiva da transversalidade.
22) Estimular a criação e implantação de secretarias específicas de cultura e/ou fundações com orçamentos próprios nos estados e municípios.
23) Garantir a aplicação anual de nunca menos de 2% da União, 1,5% dos estados e do Distrito Federal, e 1% dos municípios, da Receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências na produção e difusão da cultura nacional.
24) Criar conselhos de cultura em todos âmbitos da Federação, com seus respectivos fundos de cultura, com representação majoritária da sociedade civil, escolhida diretamente pela mesma, com funções consultivas, de assessoramento, deliberativas, normativas e fiscalizadoras.
25) Criar rádios e TVs públicas e comunitárias nas esferas estadual e municipal, garantindo a difusão da produção de cultura local e o intercâmbio entre as regiões. Gerenciados por conselho tripartite, paritário, cada um em sua instância, respectivamente.
26) Promover e fomentar programas de formação e capacitação em Educação Patrimonial para professores, agentes culturais e atores sociais.
27) Criar mecanismos visando a obrigatoriedade da elaboração de relatórios de impacto sócio cultural – RIC, antecedendo as intervenções públicas e privadas de relevância, em áreas urbanas e rurais, de modo a preservar o patrimônio cultural, material, imaterial e natural.
28) Criar condições de utilização de todo e qualquer espaço público tais como escolas e centros sociais, praças e terrenos nos seus horários disponíveis para a produção, mani-festação artística e sócio-cultural organizadas pela comunidade, de acordo, inclusive, com a agenda cultural do município, garantindo a universalização do acesso à cultura.
29)Fomentar as produções e expressões artísticas e culturais em todas as suas etapas (Criação, pesquisa, produção, circulação e difusão), inclusive as atividades itinerantes e amadoras, através de Lei de fomento nacional, respeitando as diversidades regionais.
30) Fortalecer e reestruturar o IPHAN, implantando superintendências em todos os estados. Fomentar a implantação e/ou o fortalecimento dos órgãos estaduais e municipais de preservação.
André Fonseca