Os serviços públicos de cultura não levam em consideração os diferentes desejos da população
Os públicos são elementos fundamentais de projetos e políticas, e mereceriam atenção especial no momento da elaboração das mesmas. No entanto, a expressão “público em geral” é corrente nos serviços “públicos” de cultura. Expressão equivocadamente utilizada, pois em tempos de recursos escassos, de cidades e identificações multifacetadas, é inviável pensar que determinada proposta possa de fato alcançar o “público em geral” como se fosse possível atender aos mais variados desejos e necessidades da população com pacotes fechados de “atrações” caídas do céu.
A acomodação nas relações do poder público com a população é perceptível. A burocratização dos serviços culturais (que em tempos idos foram inovadores) está transformando potenciais espaços de convivência, de trocas, de cumplicidade e de expressão criativa em fast-foods culturais, em locais de consumo de espetáculos e/ou em cursos de arte que não tardarão a absorver o que de pior existe na educação formal. No final do ano, a apresentação dos “resultados” dos cursos, geralmente no espaço nobre da cidade, com aquela cara de formatura…
Felizmente ainda há espaço em algumas gestões públicas para projetos participativos, diga-se de passagem, os mais dinâmicos; infelizmente um espaço limitado, muitas vezes contrariando a “ordem oficial”.
Apesar da convivência também acontecer como conseqüência da apreciação de um espetáculo e da participação em cursos artísticos, ainda é pouco, considerando que um espaço cultural de convivência deve ser utilizado pela população como um ponto de encontro com acesso a expressões culturais, e não o contrário: um local freqüentado para um determinado fim (sempre determinado por outros) que propicia a convivência entre pessoas interessadas no mesmo objeto.
Os burocratas da cultura não fogem à regra de fazer o mínimo com o máximo de obstáculos. Como todo bom serviço burocrático, o “atendimento” é realizado em horário comercial, exatamente quando o “público em geral” está trabalhando, procurando trabalho ou estudando. Na porta fechada, um cartaz: entre sem bater. E dá-lhe o tradicional vernissage do famoso artista para os de sempre; o espaço que não pode ser utilizado, pois fica sujo; os cartazes “não mexa, não suba, não olhe”; “mais do mesmo” há vinte anos…
Nada surpreendente que o “público em geral” vá minguando e os serviços se tornando ilhas cada vez mais distantes, enquanto a cidade cresce e se transforma. O lugar do prazer em constatar que o conjunto de serviços oferecidos cria movimento, respostas, inquietações, surpresas e polêmicas na cidade, está sendo ocupado por práticas cada vez mais previsíveis e distantes da realidade e das pessoas.
Ao mesmo tempo em que os espaços de convivência vão sendo cercados por muralhas imaginárias, a potencialidade de expressão e comunicação e o espaço virtual de sociabilidade possibilitado pelos meios digitais e pelos meios de comunicação de massa são ignorados e por vezes repelidos, como se estes também não fossem suportes para a mediação cultural, incentivando a criatividade e a troca, independente de distâncias geográficas; como se inclusão digital fosse apenas ensinar como se maneja uma máquina.
Um serviço cultural sem participação é um serviço sem alma. Serviços públicos devem trabalhar de fora para dentro e não de dentro para fora, menos ainda de dentro para dentro. É hora da conversa, do café no boteco da esquina, da troca, da confiança, da observação e da interação com a cidade e com o mundo.
Infelizmente vemos muitos poderes públicos desconsiderando os públicos com suas políticas culturais que desconsideram as culturas.
Simone Zarate