Anunciado nesta semana em paralelo à Bienal do Livro, o Plano Nacional do Livro e Leitura reúne cerca de 185 ações para o próximo triênio. Literatura não está contemplada nas iniciativas
A pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, realizada em 2001, apontou dados alarmantes: 61% dos brasileiros adultos alfabetizados têm muito pouco ou nenhum contato com livros; 73% dos livros estão concentrados em apenas 16% da população; não existem livrarias em 89% dos municípios. Isso para citar apens alguns exemplos. O índice de leitura do brasileiro é de 1,5 livro per capita por ano, bastante baixo em comparação com a média mundial de 10 livros (alguns países como a França chegam à média de 20 livros por habitante por ano).
Esses resultados tornaram ainda mais evidente a necessidade urgente de políticas públicas para a área. Pela primeira vez na história do Brasil, parece que um grande passo nesse sentido está sendo dado pelo governo.
Em 2005, 21 países comemoraram o Ano Ibero-americano da Leitura. No Brasil, o evento recebeu o nome de Vivaleitura e criou durante todo o ano uma série de ações de fomento à leitura em todo o país, envolvendo governo, iniciativa privada e sociedade civil. O objetivo era que a partir de 2006, essas ações pudessem ser transformadas em políticas públicas para a área da leitura. Ainda no ano passado, foi criada a Câmara Setorial do Livro, Literatura e Leitura (CSLLL), que faz parte do Conselho Nacional de Políticas Culturais.
Esta semana, paralelamente à realização da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, foi realizado o Fórum PNLL Vivaleitura, que fez um balanço das atividades do ano passado, lançou as diretrizes básicas propostas pela CSLLL para a Política Nacional do Livro durante os próximos 20 anos e apresentou o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). É a primeira vez na história do país que se cria um plano nacional para a área.
O PNLL é uma ação liderada pelos Ministérios da Cultura e Educação, composta por projetos, programas e ações do Estado, universidades, Terceiro Setor e iniciativa privada. O objetivo é transformar tudo isso em uma política pública permanente para as áreas do livro, leitura e bibliotecas, que atenda as diretrizes básicas estabelecidas pela Política Nacional do Livro. O Plano terá edições trienais (a primeira abrange o período de 2006 a 2008), que serão reviadas anualmente para adequações de metas e orçamento. Uma consulta pública já está sendo realizada no portal www.pnll.gov.br.
O Plano é estruturado a partir de quatro eixos principais: democratização do acesso; fomento à leitura e formação; valorizaçao da leitura e comunicação; e apoio à economia do livro. A partir desses eixos, são definidas 19 linhas de ação. As metas até 2008 são ambiciosas e incluem aumentar o índice nacional de leitura em 50%, implantar bibliotecas em 100% dos municípios do país,e expandir o número de pontos de leitura identificados de 10.000 para 30.000.
Uma análise do PNLL revela que ao menos teoricamente, as ações estão bem planejadas. Para cada eixo e linhas de ação, já estão definidas as ações práticas, as instituições responsáveis, os objetivos para 2006 e a abrangência. A maior parte delas também já conta com um orçamento definido, normalmente viabilizados pelas próprias instituições. O cronograma com as principais ações para cada ano do triênio também já está pronto.
Em um pronunciamento na última segunda-feira no Fórum Vivaleitura, o Ministro da Cultura Gilberto Gil saudou a Politica Nacional do Livro: “E, assim, estamos aqui, hoje, prontos para anunciar à Nação que o tema livro e leitura está prestes a deixar de ser tão somente projetos e programas de governos – por mais importantes que eles sejam! – para se tornar, enfim, numa Política de Estado.”
Mas há uma lacuna significativa no PNLL: as politicas públicas estabelecidas pelo Plano englobam livro, leitura e bibliotecas, mas não literatura. O Movimento Literatura Urgente entregou ao coordenador do PNLL, Galeno Amorim, e ao Ministro da Cultura Gilberto Gil, o manifesto Temos Fome de Literatura, assinado por 183 escritores de todo o país, dentre eles Ignácio de Loyola Brandão, Moacyr Scliar, Xico Sá, Santiago Nazarian e João Gilberto Noll.
Ademir Assunção, um dos escritores que assina o manifesto, expõe a questão: “É preciso pensar e discutir o livro como um poderoso veículo de cultura, de idéias, de informações. Então, é essencial incluir os escritores, que criam os livros, dentro desse processo. É preciso levar os livros e os escritores para dentro das bibliotecas, das escolas, das universidades. Senão, será uma política incompleta, que agrada bastante ao mercado, e pode ser totalmente ineficiente em relação ao público, à leitura. Não adianta aumentar apenas o índice de leitores no Brasil. Junto, é preciso aumentar o nível de leitura. De que adiantaria uma política que gerasse milhões de leitores de livros de auto-ajuda? Não se trata da criação de novos consumidores de livros mas de leitores de verdade. O maior erro do PNLL, na minha opinião, é esse: focar a política em cima do livro e não compreender que os processos de criação, difusão e apreensão literária (e do conhecimento em geral) passam por meios mais amplos.”
O documento (que pode ser acessado pelo endereço s://www.literatura-urgente.com.br/docs.html) reivindica a inclusão de políticas de fomento à criação literária dentro do PNLL e apresenta dez propostas de programas públicos para a literatura. Ademir finaliza: “O que queremos é a discussão dentro do espaço público. Por isso, fazemos um apelo ao Ministro Gilberto Gil e a toda a equipe ministerial: ouçam com mais atenção o que os escritores estão dizendo.”
O Coordenador do PNLL, Galeno Amorim, foi procurado por Cultura e Mercado, mas não respondeu até o fechamento desta matéria.
Como a Política Nacional do Livro tem a previsão de duração de duas décadas, o apelo também precisará ser feito aos futuros governantes, para que as ações agora iniciadas não tenham sua continuidade interrompida.
O documento completo com as diretrizes básicas para a Política Nacional do Livro pode ser lido no endereço: s://www.vivaleitura.com.br/pnll/images/diretrizes_v4.pdf