Este é o segundo texto sobre a rede dos gestores dos Pontos de Cultura no Grande Recife. Atualmente, o conjunto de conhecimento consolidado acerca de administração permite raciocinar que a desconsideração do contexto em volta de uma organização é um erro banal para qualquer administrador. Negligenciar o ambiente externo é um erro, sobretudo em contextos de crise ou instabilidade. Desta forma, os atores sociais interessados nas atividades de uma determinada organização passaram a ser considerados nas análises organizacionais, contribuindo de maneira essencial para a realização dos objetivos. Estes atores sociais com interesses em uma determinada organização têm sido denominados “stakeholders” (partes interessadas) na literatura sobre administração.

O concurso de seleção dos Pontos de Cultura citado no texto anterior, também estabelece, entre outras obrigações, que as organizações com projetos aprovados devem integrar a Rede de Pontos de Cultura do Programa Cultura Viva/Mais Cultura e da própria Rede do Estado de Pernambuco. Desta maneira, a política cultural federal realiza a interface com os governos estaduais. A gestão da Rede de Pontos de Cultura selecionados a partir do mesmo edital do concurso é competência da FUNDARPE. É com foco nesta rede que este texto se desenvolve.

É importante entender como os relacionamentos entre os gestores dos Pontos de Cultura estão estruturados e o que acontece nas interações entre eles. A instituição formal de uma rede não garante por si a adesão dos prováveis participantes para o sucesso no alcance de seus objetivos. O sucesso da rede dos Pontos de Cultura vai depender de como os gestores estão se engajando neste processo. Acredita-se que o perfil dos gestores culturais direciona seus comportamentos e relações no campo de atuação.

Um “Cartão Gerador de Nomes” foi utilizado para a identificação dos relacionamentos presentes entre os gestores dos Pontos de Cultura e seus stakeholders, bem como as pessoas que afetam ou são afetas pelas suas atividades, as entidades às quais elas pertencem, o tempo em que as conhecem e papel social assumido por elas para o Ponto de Cultura em questão. Cada pessoa citada pelos respondentes é considerada um stakeholder, uma vez que satisfaz a concepção do termo: pessoas que influenciam ou são influenciadas pelos objetivos da organização.

Um resultado aparente é que se trata de uma rede desconectada, parecendo formar um conjunto de gestores e seus stakeholders dos Pontos de Cultura do Grande Recife do que de uma rede propriamente dita. A relação entre o número de laços existentes e o número de laços possíveis na rede inteira é baixa. É importante lembrar que se trata das relações entre os gestores dos Pontos de Cultura e seus stakeholders, podendo haver relações de outros tipos entres os gestores que não caracterizam a identificação de um stakeholder.

Quando se trata da análise de redes sociais, a questão deste texto é analisar a rede dos gestores dos Pontos de Cultura, os quais foram os indivíduos questionados a citar pessoas importantes nas suas atividades, seus stakeholders. Desta maneira, é possível afirmar que não existem agrupamentos entre os gestores dos Pontos de Cultura onde a maioria das possibilidades de conexões é utilizada.

A ausência destes agrupamentos pode indicar um baixo consenso de opiniões e valores entre os gestores dos Pontos de Cultura ou a presença de diferentes necessidades entre eles, levando ao baixo interesse de formar agrupamentos. É possível ir além dos interesses individuais dos gestores dos Pontos de Cultura, uma vez que eles reconheçam que estão participando juntos de uma ação política e social, conhecerem os benefícios e problemas comuns entre eles e colaborarem de maneira cooperativa para maximizar os benefícios e solucionar os problemas.

Portanto, as questões da atuação na área cultural e ser gestor de um Ponto de Cultura não são vieses de adesão suficientes para que os gestores dos Pontos de Cultura formem agrupamentos coesos com seus pares. Além da atuação na área cultural, sugere-se que são necessárias outras questões comuns entre os gestores dos Pontos de Cultura para se agruparem de maneira coesa como o compartilhamento de opiniões políticas, linguagens artísticas, normas de conduta e valores pessoais. Para que a aproximação entre os gestores dos Pontos de Cultura aconteça, é necessário que as pessoas eleitas como representantes da rede busquem formas de difundir os desafios comuns entre eles, com o apoio dos gestores da FUNDARPE.

De maneira geral, os resultados para a questão da centralidade na rede de gestores dos Pontos de Cultura no Grande Recife mostram centralidade na rede entre as pessoas na rede. Desta forma, não é possível identificar pessoas que possam ser destacadas por terem centralidades importantes associadas a suas capacidades de controle de recursos, agendas ou conexões.

Quando se trata da centralidade em redes sociais, uma questão básica é o número de pessoas que um indivíduo procura e o número de pessoas pelas quais ele é procurado. Para os resultados da rede de gestores dos Pontos de Cultura no Grande Recife, não forma encontradas variações consideradas entre as centralidades dos individuos na rede que permitam identificar pessoas que possam se privilegiar de suas posições.

Outra forma de analisar a questão da centralidade na estrutura social é pela capacidade de intermediação das pessoas e laços na rede, ou seja, pela capacidade de conectar o maior número possível de indivíduos que não estariam conectados de outra forma a não ser por um intermediário. Para os resultados da rede de gestores dos Pontos de Cultura no Grande Recife, a centralidade de intermediação mostra uma variação mínima entre as pessoas da rede. A centralidade de intermediação na rede está distribuída de forma quase totalmente homogênea devido à baixa densidade de conexões entre os gestores. Atores com centralidade de intermediação aparecem onde existe alguma conexão entre gestores. A capacidade de controlar informações na rede está restrita apenas a alguns gestores quando fazem a intermediação das relações entre seus stakeholders e seus pares no gerenciamento dos Pontos de Cultura. A centralidade de intermediação também mostra a capacidade dos laços de intermediar outros laços entre as pessoas, ou seja, identifica as relações “pontes” na rede. O acesso a informações não redundantes provenientes dos laços “pontes” é quase inexistente nesta rede. Algumas informações não redundantes podem surgir dentro dos Pontos de Cultura geridos por mais de uma pessoa com stakeholders diferentes, devido à possibilidade de combinar as informações dos seus vários stakeholders.

A questão da centralidade também pode ser vista como uma medida do quão próximo cada indivíduo da rede está de todos os outros indivíduos. Esta questão se refere à centralidade de proximidade das pessoas. Para os resultados da rede de gestores dos Pontos de Cultura no Grande Recife, a centralidade de proximidade na rede tem uma particularidade adicional que é a necessidade da rede estar conectada, sem partes isoladas como é a rede de gestores dos Pontos de Cultura no Grande Recife. A presença desta característica na rede dos Pontos de Cultura é aceitável uma vez que se trata de uma rede na perspectiva societária. As conexões entre as pessoas em uma rede de uma perspectiva societária acontecem de maneira solidária, em vez de maneira hierárquica ou funcional como acontecem as conexões em redes de uma perspectiva organizacional. Os gestores que estão isolados se tornam gestores totalmente dependentes de seus próprios stakeholders, fazendo com que a qualidade da relação com eles se torne um fator determinante na realização do projeto do Ponto de Cultura. Além disso, os gestores isolados são os mais difíceis de serem alcançados por outras pessoas da rede. Estes resultados mostram que os stakeholders dos poucos gestores de Pontos de Cultura que estão conectados entre si podem usufruir a proximidade entre eles. Desta forma, uma densidade maior de relações entre os gestores dos Pontos de Cultura é um estímulo para aproximar diversos stakeholders, fazendo a influência entre estes ir além de suas relações diretas com um Ponto de Cultura. Por outro lado, o comportamento isolado dos gestores, majoritário na rede analisada, não é interessante para os stakeholders dos Pontos de Cultura, pois restringe a área de influência entre deles.

A rede de gestores dos Pontos de Cultura do Grande Recife ainda está em fase de concepção, caracterizada por uma baixa presença de relações entre os gestores, ao considerarem uns aos outros como indivíduos importantes nas atividades de seus projetos.

Tratando-se da presença do poder público nesta rede, é possível concluir que os gestores dos Pontos de Cultura estão em um momento em que reconhecem a importância desta instituição de maneira restrita. Apenas ¼ dos gestores interrogados citaram alguém que representa a FUNDARPE ou o Ministério da Cultura, mesmo sendo todos eles formalmente vinculados a estas organizações. Estes gestores, que citaram alguém que representa o poder público, são profissionais de diversas linguagens artísticas, conferindo ao poder público a capacidade de aproximar os gestores culturais considerando a diversidade cultural.

É possível concluir que os gestores dos Pontos de Cultura no Grande Recife estão alheios às oportunidades resultantes de uma maior articulação e compartilhamento no reconhecimento sobre os seus stakeholders, especialmente os que representam o poder público. A relação impessoal é uma característica da atuação do poder público por meio de editais. Uma atuação mais pessoal com os gestores possibilitaria um melhor aproveitamento das oportunidades oferecidas pelo programa dos Pontos de Cultura, em vez de o governo ser visto apenas como fonte de recursos financeiros por meio dos editais.

A realização desta pesquisa permitiu uma experiência ampla sobre um novo ambiente que está se formando: o ambiente que está sendo composto pelos Pontos de Cultura. Os gestores dos Pontos de Cultura são pessoas que já trabalhavam na área há alguns anos, trazendo os vícios e experiências do ambiente cultural. A impressão final deste texto é que a realidade em que os Pontos de Cultura operam é bastante complexa e carece de outras abordagem para ser melhor compreendida.

Uma vez que os gestores construam relações entre eles, será possível reivindicarem seus interesses comuns ao poder público. Por outro lado, é importante que a FUNDARPE incentive a articulação entre os gestores dos Pontos de Cultura para que a rede se perpetue e que um maior compartilhamento de opiniões e valores aconteça entre eles, fortalecendo a identidade e o perfil da área cultural. Neste processo, é necessário que seja feito um trabalho específico para diminuir a resistência à mudança entre os gestores e aumentar a participação em ações coletivas. É necessário que os representantes da rede dos Pontos de Cultura se esforcem para identificar objetivos comuns a todos com a finalidade de conseguirem que ações coletivas se realizem.


Coordenador do Cineclube Pajeú vinculado ao Centro Dramático Pajeú (Serra Talhada-PE) e doutorando em Administração na Universidade Federal de Santa Catarina.

3Comentários

  • Inalda Neves Baptista, 13 de março de 2011 @ 11:15 Reply

    Paulo
    estou repassando seus artigos para Gilmar, Everaldo, Paulo e outras lideranças importantes da Bacia do Goitá.
    Apreciei muito, embora você não coloque o que é essencial para mim que a resistência política, a organização em torno de interesses.
    Na minha experiência tanto as velhas lideranças da cultura quando os novos tendem a ser personalistas, autoritários, clientelistas para cima e para baixo do ambiente social em que praticam sua arte. Ser só para sobreviver em um mundo que divide para oprimir. Esta é a Regra. Pode ser também: apare o chute que vem de cima e chute quem estiver em baixo. Neste mundo, visto assim, autoritariamente, as relações horizontais, fraternas, solidárias são tidas e vivenciadas como enfraquecedoras, os ditos stakeholders são entendidos como concorrentes. Esse discuso “administrativo”não ajuda os agentes da cultura popular a se entenderem como forças de resistência, de afirmação e busca de poder para a maioria da população que eles deveriam representar. Pontos de cultura, colocam $$ na mão do povo e acabam sendo apenas um PONTO DE COOPTA”CÃO e esvaziamento dos valores autênticos que permitia mesmo com o viez autoritário canalizar poder e prazer e identidade para setores das camadas populares pernambucanas que sempre tiveram nas suas manifestações popular, escondidas sob o manto folclórico, um sentido explicito de luta de classe. Não é a toa que todo o acervo afro-brasileiro do Museu do Estado (o Museu da Aristocracia Pernambucana) é resultados de apreensões em terreiros até os anos 40/50. Vá lá ver! De toda maneira, essa reflexão comportada ajuda. Por isso estou repassando.
    Um abraço, parabéns.

    Inalda

  • Marco Bonachela, 13 de março de 2011 @ 20:27 Reply

    Faço parte da Rede.PE e acho que sua análise identifica razoavelmente as dificuldades vivenciadas.

    Creio que o principal problema para a consolidação da rede aqui em Pernambuco está na diversidade das comunidades/iniciativas representadas: suas diferenças. Entretanto, é esta diversidade a maior riqueza dos Pontos de Cultura, sua identidade primeira!

    Como articular tantas vozes em potencial num ambiente virtual no qual poucos se manifestam? Como organizar estratégias de ação comuns num quadro tão diverso de perspetivas? Acredito, por enquanto, que está articulação só se materializará em encontros presenciais.

    Acho muito interessante a idéia da incubação no primeiro ano lançada no texto anterior. Infelizmente o Estado perdeu essa chance…

    Bom ver análises como a sua por aqui. Parabêns pela pesquisa!

  • Paulo Thiago, 14 de março de 2011 @ 0:54 Reply

    Prezada Inalda e Marco, fico feliz que tenham lido o texto e agradeço os comentários bastante relevantes. Realmente existem varios pontos que merecem aprofundamento, e que não foram o objetivo central do texto, alguns bastante polêmicos e outros de conhecimento mais difundido entre quem tem tido contato com o tema. Minha opnião particular que as discussões não parem e que um dia os gestores culturais cosigam identificar os pontos comuns que os une. Pois, até que isto aconteça, a fraqueza que cerca este ambiente e impede que ótimas oportunidades sejam aproveitadas ao tempo que alguns (ou muitos) oportunistas ameacem aqueles que querem fazer trabalhos que realmente desenvolvem a sociedade, irá prevalecer.

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