“Realmente não dá para acreditar no que determina o item que trata dos direitos patrimoniais”Colegas de profissão, cineastas – e falo no sentido mais amplo, ou seja, todas as pessoas envolvidas numa produção cinematográfica nas suas mais diversas etapas -, eu estou precisando da ajuda de vocês, que assim como eu escolheram essa profissão para viver. Quero que vocês me ajudem a entender qual o futuro reservado a um cineasta brasileiro. Cada dia entendo menos as regras do jogo. O autor brasileiro está sem saída. Mais precisamente o autor de cinema e vídeo. Se o autor de obras musicais e literárias tem sérias queixas, elas passam a ter outro sentido quando confrontadas com os direitos de autor de obras audiovisuais. É inacreditável como isso se dá nesse setor.

Vejamos: o compositor, quando assina com uma editora a cessão de direitos autorais, fica com 67% dos direitos da obra e a editora com 33%. Os direitos fonomecânicos, conexos e de execução pública são preestabelecidos em contratos distintos, tudo sob a supervisão do Ecad. O grande problema está na distribuição desses proventos arrecadados. Mas devemos admitir que está tudo claro nos termos dos contratos. E no cinema brasileiro? Os direitos patrimoniais são do produtor. Os porcentuais de comercialização são em grande parte do exibidor e do distribuidor, ficando o produtor com um porcentual de cerca de 20% a 30%. Os acordos variam. No ambiente musical eles são quase preestabelecidos; existem poucas exceções. É inacreditável como não se fala em direitos autorais no cinema. Caí do cavalo quando fiz meu primeiro longa-metragem; para me inscrever na Lei de Incentivo Fiscal FazCultura do governo do Estado da Bahia, somente a produtora estava habilitada a ser o proponente. Atravessei todos as etapas nos tempos previstos, com os orçamentos previstos e consegui terminar o filme com duas cópias em 35 mm. Que felicidade! Inscrevi o filme no Festival de Brasília e ele foi um dos seis selecionados. O que eu fiz é o que quase a totalidade dos cineastas independentes faz; tentar a sorte num grande festival; a grande vitrine para o mercado exibidor do circuito nacional e internacional. Ganhar um festival dá prestígio, mídia grátis e chama a atenção dos distribuidores. E não é que eu consegui!? Mas aí começaram os problemas.

Engraçado foi o susto que tomei quando percebi que o autor só conta, só tem importância, até aquele momento. O resto fica por conta do produtor, do distribuidor e do exibidor. Acredite quem quiser; o autor só tem alguma participação travestido no papel de co-produtor. Mas isso é outra história… Como a minha experiência com arte industrial era na área fonomecânica, no meu primeiro filme eu não me preocupei com esses detalhes. Achei que eles já estavam estabelecidos nas leis de direitos autorais. Afinal, está tão claro lá no filme e em todas as peças publicitárias; “um filme de Jorge Alfredo”. Pois é, aprendi tomando porrada que no meu próximo filme tenho de fazer um contrato de co-produção para ter algum direito sobre o meu filme. E os outros profissionais como ficam? Como vocês vêm, na verdade, não está nada resolvido… Parece que é na base do salve-se quem puder…

Pois bem, essa introdução sobre direitos é também para falar da minha indignação com o Regulamento do Edital I Programa de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro (DocTV). Realmente não dá para acreditar no que determina o item que trata dos direitos patrimoniais. A estrutura do contrato estipula a seguinte divisão dos direitos patrimoniais: 12,5% para o autor 12,5% para a produtora responsável 20% para a TV pública local 55% para a FPA/MinC/Secretaria do Audiovisual É simplesmente inacreditável que os órgãos públicos detenham 75% dos direitos patrimoniais de uma obra autoral de 55 minutos que eles, órgãos públicos, ‘premiarão’ com a verba de R$ 90.000,00 através de um concurso em 20 Estados brasileiros – 12,5% para a produtora indicada pelo autor e 12,5% para o autor. O autor inclui o argumentista, o roteirista, o diretor, às vezes o autor da obra adaptada ou o personagem retratado, o autor da trilha, enfim toda uma gama de autorias que variam de projeto para projeto.

Investir essa verba num produto audiovisual com direitos de exibição por um período predeterminado seria mais do que vantajoso para quem quer que seja, que dirá para órgãos públicos que afinal estão direcionando recursos públicos para fins de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro. Daí o meu espanto! Vale a pena abdicar dos meus direitos patrimoniais e/ou autorais num contrato como esse? O que está acontecendo? Por favor, não me deixem sem respostas.


Texto originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo, no dia 17 de outubro de 2003.


Jorge Alfredo Guimarães é músico e cineasta. Nascido em Ubaitaba (BA), em 24 de outubro de 1950, se destacou inicialmente como cantor e compositor, gravando discos no final da década de 70. Tem músicas gravadas por Diana Pequeno, Chiclete com Banana, Paulinho Boca de Cantor, Margareth Menezes, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Evangelista e Maria Alcina, entre outros. Como cineasta, foi o vencedor do 34.º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (2001) com o documentário longa-metragem ‘Samba Riachão’ – melhor filme (júri oficial e popular), melhor montagem e Prêmio Projeta Brasil (Cinemark). Em 2000, dirigiu o curta ‘Oriki’, selecionado para o Festival É Tudo Verdade e para o Festival Internacional Del Nuevo Cine Latinoamericano de Havana (Cuba), entre outros.

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Jorge Alfredo


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