Por sorte, salvo poucos casos isolados, o audiovisual brasileiro não costuma fazer uso de emendas parlamentares, de difícil e complicada negociação e liberação, para fomentar sua atividade. Desse relativo mal não costumamos ser reféns. No entanto, o audiovisual brasileiro, até pouco tempo, dependia sim, quase que exclusivamente, dos incentivos fiscais e dos editais de fomento direto para poder existir. Sendo então mais um dos segmentos culturais parcialmente refém das leis de incentivo.
Mas tais mecanismos, mesmo que imprescindíveis, não geram para as empresas de audiovisual uma contínua atividade de geração de conteúdo que lhes permita produzir em série, durante todo o ano. Isso porque os projetos culturais que solicitam incentivos fiscais levam muitos meses para serem aprovados e também porque o mercado audiovisual não oferece uma rentabilidade que permita a auto-sustentabilidade do setor.
Já os editais não têm uma periodicidade e o processo de captação leva tempos muito diferentes a cada novo projeto e, em alguns casos, por força de lei, as empresas só podem trabalhar com um projeto por vez. Os editais são fundamentais para garantir a renovação de linguagem, a experimentação e a formação de novos realizadores, mas são profundamente ineficazes na formação de uma indústria audiovisual.
Portanto, a inconstância da realização de projetos audiovisuais muitas vezes inviabiliza o funcionamento da maioria das empresas de pequeno e médio porte, pois não conseguem capitalizar-se produzindo, exclusivamente, projetos “culturais”. Chegam muitas vezes a fechar as portas. Outras conseguem sobreviver à sazonalidade dos editais e projetos incentivados com isenção fiscal realizando diferentes tipos de trabalhos na área do audiovisual: institucionais, publicidade etc. No entanto, essa constante mudança nas atividades das empresas não lhes permite estabelecer um típico processo produtivo industrial com fluxo produtivo contínuo e cada profissional cuidando de uma etapa ou determinada tarefa na produção.
O que costuma acontecer é que, dependendo da etapa em que se encontre o projeto (criação, produção ou distribuição), a empresa tem que se enfrentar à ociosidade de equipamentos específicos e profissionais em suas áreas de atuação que não tenham relação direta com a etapa momentaneamente desenvolvida. Característica produtiva que, em muitos casos, inclusive a atividade artesanal já conseguiu superar.
O tripé da realização cinematográfica ou audiovisual é formado por: produção, distribuição e exibição. Certamente na atualidade os problemas do audiovisual brasileiro se evidenciam mais na concentração de recursos nas mãos de pouquíssimas produtoras e na falta de políticas públicas para alavancar as pequenas e médias produtoras nacionais, assim como regionalizar mais a produção de conteúdo. Tudo isso no campo da produção. Já a distribuição continua a ser um grande gargalo. E é aí onde se evidencia outra vez a razão de sermos, parcialmente, reféns das leis de incentivo em virtude de um mercado que não se auto-sustenta.
Ter um filme gravado e finalizado não garante sua estréia nas salas de cinema. A exibição se trava, pois o Brasil possui pouco mais de 2.250 salas de cinema. Estão presentes em apenas 7% dos municípios brasileiros. Geralmente concentrados nas capitais e com o valor médio de ingresso entre os mais caros do mundo, pois, entre outras razões, quase sempre estão situados nos shopping centers. Desses 7% dos municípios com salas de cinema, mais de 85% deles estão no eixo Rio – São Paulo – Minas Gerais. Segundo a Ancine, nos cinemas de todo o país foram vendidos no ano passado 143,9 milhões de ingressos. Gerando um total de renda bruta de 1,44 bilhão de reais.
Agora, se olhamos apenas para a produção audiovisual nacional, percebemos que foram lançados 99 filmes nas salas de cinema, o maior número de filmes brasileiros dos últimos 10 anos. E assim mesmo a presença dos filmes brasileiros no ano de 2011 no mercado de exibição em salas de cinema (market share) foi de apenas 12,4%. Em detalhes: a cinematografia brasileira foi vista por 18 milhões de pessoas e arrecadou 163 milhões de reais de renda bruta. Renda bruta porque esse montante é posteriormente dividido entre distribuidores, exibidores, produtores etc. Sendo então insuficiente para financiar a produção nacional.
Os incentivos fiscais são os que garantem essa produção de quase 100 filmes anuais lançados nos cinemas. Estima-se que, sem as linhas de fomento de incentivos fiscais federais e locais, utilizando somente o valor arrecadado em bilheteria, menos de 10 filmes brasileiros por ano seriam economicamente viáveis. E assim mesmo, praticamente todos esses 10 filmes seriam co-produções com a TV aberta líder de mercado no Brasil. Projeta-se que seria necessário o dobro de salas de cinema no país para que a bilheteria pudesse garantir o financiamento dos filmes nacionais. Ou, pelo menos, equiparar os custos de produção.
No entanto, caso tivéssemos o dobro de salas de cinema, cerca de cinco mil, teríamos a mesma média de salas por habitantes da Argentina e do México. Mas ainda muito longe das melhores médias mundiais: dos EUA e França. Para chegarmos a patamares similares aos deles, deveríamos ter em média cerca de 20 mil salas de cinema espalhadas por todo o país. Entretanto, foi com muita dificuldade que conseguimos passar dos 10% desse almejado patamar.
E esta deturpação não se dá apenas nas salas de cinema. A visibilidade do audiovisual brasileiro também é muito baixa na TV aberta. Em 2010, as produções nacionais ocuparam apenas 13,5% das horas destinadas a filmes contra 86,5% para as produções estrangeiras. O cenário da produção nacional para a TV por assinatura também não é animador. Somente 11,1% do conteúdo veiculado na TV fechada é brasileiro.
E o que mais lamentamos em relação a este obscuro cenário de dificuldades de opções de exibição nas salas de cinema e nas tevês é que, comprovadamente, em países com a cinematografia mais desenvolvida que a nossa, a parceria de co-produção entre produção cinematográfica independente e as tevês é condição cinequanon. Grande parte das vezes, regida por fortes leis específicas sobre o tema.
Na discussão que ocorreu em nosso setor após o impeachment do presidente Collor, sobre como resgatar o cinema brasileiro da terra arrasada que o presidente recém impeachado deixou, chegou-se a definição de dois pilares: uma lei de incentivo fiscal e um mecanismo que estabelecia uma parceria com as tevês privadas. O segundo pilar, que faria as tevêss cumprirem um importante papel junto à produção de cinema independente, foi completamente torpedeado pela força das tevês, sobrevivendo apenas o mecanismo de incentivo fiscal, como ferramenta única de fomento à atividade.