Criativas, inteligentes, sustentáveis, democráticas, resilientes, inovadoras, educadoras e tantos outros adjetivos têm sido dados às cidades, nos últimos anos, que é até difícil completar a lista. Não é por menos. Mobilidade, mudanças climáticas, taxas galopantes de urbanização e uma inquietante sensação de repetição de erros históricos no trato da cidade despontam como alguns de variados e enormes desafios e se somam a uma profusão de debates e experiências a respeito de governanças urbanas, recurso à inteligência coletiva, novos usos patrimoniais, distritos criativos, resgate do pertencimento cidadão quanto à própria cidade.
Inúmeros termos e ferramentas surgem para dar vazão e tentar sistematizar uma avalanche de bem-vindas iniciativas, voltadas a essas questões – placemaking, plataformas digitais colaborativas, ativismo hacker, infraestruturas de participação, urbanismo afetivo, cidadania corporativa -, sendo que muitas delas geram conceitos a partir da prática. Porque nas cidades tudo é tão acelerado, que debates e movimentos se misturam na linha do tempo – ainda mais, é claro, em tempos digitais.
Acelerado demais, às vezes, para pararmos para pensar no que realmente importa – a cidade que queremos, o que estamos dispostos a fazer (e já estamos fazendo) para concretizar esse sonho coletivo e quais são não só nossos direitos à cidade, como também nossas responsabilidades para com ela. Porque nas cidades, por antonomásia efervescente de diversidade em todas as suas dimensões, pensar nas próprias lutas, considerando-as supremas sobre as lutas alheias, é um excelente passo para desmantelar o respeito aos pactos sociais e levar, na melhor da hipóteses, a um jogo de soma zero.
É também por mostrarem que outros caminhos são possíveis, que não deixamos de cantar e nos encantar com iniciativas que brotam de quem não só acha, como mostra no dia a dia que a cidade não é problema – e sim solução. Basta se permitir zanzar por São Paulo, a mais complexa de todas as cidades brasileiras, onde desafios e oportunidades convivem em escala exponencial, para perceber como pequenas iniciativas voltadas à transformação da cidade têm efeito contagioso. São centenas de intervenções no espaço público, manifestos cidadãos, movimentos pela preservação ambiental e defesa dos direitos da cidade, atividades dedicadas ao encontro e ao convívio das várias tribos urbanas, empreendimentos privados com impacto urbano positivo, passeios que resgatam a identidade e a autoestima dos cidadãos, reconectando cada um de nós com o que os romanos antigos denominavam genius loci – o espírito do lugar, a alma da cidade.
O desafio não é fácil. Estudo recente da London School of Economics Cities junto a gestores públicos de 50 cidades dos mais diversos contextos e perfis, apresentado no encontro Urban Age 2014, na Índia, perguntou como os cidadãos podem de fato influenciar as políticas locais. Embora não seja uma amostra estatisticamente representativa das cidades do planeta, é interessante saber que para 44 dos respondentes (ou seja, mais de 90%), a resposta é por voto, durante as eleições (mas e entre elas?); para 42, participando de audiências públicas (que não raro são vistas pelo cidadão como pro forma, com ou sem razão); para 34, por engajamento online, a exemplo das petições (mas será que o custo político de não as atender já é visto como alto demais?); também 34 dos 50 disseram que por meio de petições formais (idem); já 18 afirmaram que por meio de orçamento participativo (o que ainda não é uma realidade na maioria de nossas cidades); e, para 3 dos 50, simplesmente não há como (ou não convém?).
Uma vez que as cidades entraram para a pauta do dia e diante de exemplos abundantes e inspiradores de protagonismo cidadão, surgem várias inquietações para atingirmos uma nova fase de governança e transformação urbana. Como projetos ou atividades pontuais podem desencadear processos contínuos e sustentados de reinvenções urbanas? Quais os limites da micropolítica da participação cidadã (graças a, apesar de e às vezes contra a macropolítica governamental)? Até que ponto as tecnologias digitais facilitam o risco de legitimar os interesses de alguns, em nome de todos? Como estimular o engajamento cidadão em municípios nas quais acesso a informação e mobilidade são freios cotidianos? Como expandir os limites de autonomia e ação do município, em um sistema concentrador de recursos e responsabilidades na esfera nacional? E como fazer isso tudo acontecer no tempo e com a massa crítica da qual nossas cidades precisam, para se reinventarem?
Se o caminho se faz ao caminhar, as respostas vêm ao perguntar. Ao conhecer. Ao discutir. Apontar caminhos, para cada um de nós e para o projeto coletivo que é a cidade, é o objetivo de fundo do Seminário de Inovações Urbanas, que ocorrerá nas tardes de 21 e 22 de julho, na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Voltado a seres inquietos, apaixonados pelas possibilidades que a cidade desfralda e convictos de que novos modelos de governança urbana são possíveis, o seminário reunirá quase duas centenas de cidadãos com esse exato perfil: 18 deles alternando-se no palco; e os demais ocupando a plateia. Um paleta cheia de cores para criarmos novos desenhos de cidade.