Conferências, seminários e oficinas abordam temas relacionados à cultura e desenvolvem propostas para o desenvolvimento do setor no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.O terceiro dia do Fórum Social Mundial foi o dia da cultura. Na parte da manhã, o FSM trouxe discussões em torno da produção cultural em um de suas 24 conferências. Na parte da tarde a programação continuou com a abertura do Fórum de Dirigentes Culturais, que pretende ser um marco para a busca de propostas de políticas culturais em âmbito internacional.
À noite foi a vez de outro fórum paralelo ao FSM, especializado na discussão audiovisual. Tendo como tema a diversidade, o Fórum Mundial do Audiovisual 2002 contou com presenças ilustres de cineastas internacionais, como o argentino Fernando Solanas, além de inúmeros cineastas nacionais, dividindo palco e platéia.
Dia 4 foi a vez de outro Fórum paralelo, dedicado ao artesanato, que dividiu a atenção dos interessados em discutir o tema cultura com a continuação dos outros dois fóruns e os inúmeros workshops que discutiram cultura inserida no âmbito do desenvolvimento social. O destaque ficou para as iniciativas do Instituto Polis, visando à discussão das políticas culturais e à inserção da arte e da cultura como forma de resgate e valorização da cidadania.
Além do ambiente acadêmico investigativo, o FSM foi regado a uma vasta programação cultural, com participação de músicos, atores, trupes circenses e festivais de cinema, seguidos de debates com os diretores participantes do Fórum do Audiovisual.
Leia abaixo a cobertura das discussões e propostas.
A valorização das manifestações culturais como alternativa à globalização
Estimular o diálogo com os diversos atores sociais, criar redes de informação, promover a diversidade sob o prisma dos direitos humanos e valorizar as produções culturais locais. Estas foram as propostas apresentadas na conferência “Produção Cultural, Diversidade e Identidade”, do eixo A Afirmação da Sociedade Civil e dos Espaços Públicos, realizada na manhã do dia 3 de fevereiro no Centro de Eventos do Hotel Plaza São Rafael.
A mesa composta por Aminata Traoré, do Centre Hamadou Hampaté, de Mali, Aureli Argemí, do Centro Internacional Escarré para las Minorías Étnicas y las Naciones, da Espanha, Javier Pérez, da Red de Centros Culturales Trans Europe Halles, localizada na Espanha, Maria Luiza Monteiro da Silva, do Youth of Rio, do Rio de Janeiro, teve Carles Riera, do Fórum ALCE, da Espanha, como animador.
Riera falou sobre o papel da sociedade civil na construção de um novo mundo e pediu para que os integrantes da mesa e a platéia refletissem sobre questões como a criação de redes de comunicação que possibilitem a inter-relação entre os povos, a construção de uma cultura da paz, a valorização de culturas populares e o papel do Estado na promoção de políticas públicas culturais.
O representante da Red de Centros Culturales Trans Europe Halles, Javier Pérez, apontou a expansão e a disseminação de culturas locais como aspectos positivos da globalização. Por outro lado, disse que a imposição do modelo sócio-cultural ocidental contribui para que as pessoas percebam os produtos culturais como meras mercadorias. Para Pérez, os produtos culturais devem ser considerados como transmissores de valores, pois revelam a identidade cultural das comunidades. “A cultura não pode ser vista como um fim em si mesma, mas como um meio para a transformação social”.
Maria Luiza Monteiro da Silva, do Youth of Rio, destacou que a Internet é uma ferramenta importante para o desenvolvimento de redes, mas atentou para o fato de a rede mundial de computadores fazer parte do mundo técnico da globalização. “A globalização também gerou uma legião de excluídos”, lembrou. Maria Luiza citou, ainda, o carnaval do Rio de Janeiro como exemplo da influência que os meios de comunicação de massa exercem sobre os movimentos populares. “As escolas de samba adequaram-se ao tempo televisivo. Nada é feito sobre isso”, denunciou.
O membro do Centro Internacional Escarré para las Minorías Étnicas y las Naciones, Aureli Argemí, foi taxativo: “Não podemos promover a cultura e a diversidade deixando de lado os direitos humanos”. Na opinião de Argemí, o ser humano deveria ser respeitado por sua cultura e não por sua situação econômica. Ele concordou com Pérez ao dizer que tanto a globalização como a unificação da Europa não favoreceu a diversidade. “O que vimos foi a imposição de uma cultura sobre as outras”, relembrou.
Por fim, Aminata Traoré, do Centre Hamadou Hampaté, uma das promotoras do Fórum Social Africano, situou o continente africano no mundo globalizado: “A África é a grande perdedora nesse jogo de logro. As medidas neo-liberais sufocam meu país. Estamos tentando nos libertar”. Aminata ressaltou que a imagem que “vendem” da África é a de um local cheio de guerras e genocídios. “Se o negócio é globalização, porque nós, os africanos, temos dificuldades para entrar na Europa e nossos bens culturais entram com tanta facilidade?”, indagou. “A África não é pobre. É empobrecida. Temos que retribuir à África parte da riqueza que lhe foi tomada”, concluiu.
Debate revela interesses comuns da mídia e do poder econômico
Como se articula Globalização com Comunicação? Com esta questão, o jornalista espanhol Ignacio Ramonet, professor de teoria da Comunicação na Universidade de Paris e um dos editores do jornal mensal Le Monde Diplomatique, deu início ao debate sobre o tema, que lotou o Auditório da Educação, no Prédio 15 da PUC, ao final da tarde de hoje, dentro da programação do Fórum Social Mundial 2002. Antes das falas dos outros palestrantes – o brasileiro Mino Carta, editor da revista Carta Capital e o norte-americano Michael Albert, militante social e editor da revista independente Z Magazine – Ramonet respondeu didaticamente à própria indagação.
“Com a revolução digital acontecida nos anos 70 e 80, hoje os grandes fluxos financeiros viajam entre os países sem qualquer entrave – como quer o neoliberalismo – pelas vias da comunicação eletrônica”, disse. “São 500 milhões de dólares que circulam a cada dia, por esses canais, sem nenhum tipo de controle”. O editor do Le Monde Diplomatique lembrou que os três modos de comunicação – a fala, a escrita e a imagem – tinham antes, cada um deles, seus próprios profissionais e suas indústrias específicas.”Hoje, a tecnologia uniu tudo isso, e agora alguns grandes grupos querem dominar cada vez mais estas três esferas por todos os continentes”, disse. E há uma conjugação de interesses: “Com poder econômico se consegue poder midiático, e com o poder midiático se passa automaticamente a ter poder político”, frisou, dando como exemplo o novo prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, que é um grande empresário das comunicações, e o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, dono de uma rede de emissoras de rádio, tv e jornais.
Para o norte-americano Michael Albert, da revista Z Magazine e do site zena.secureforum.com, “a teoria da comunicação é simples: os povos oprimidos precisam ter informação, e se uma real comunicação entre eles for impedida fica mais fácil dominá-los”. Albert lembrou o exemplo da Nicarágua, “os EUA determinaram que o país deveria ter eleições livres – mas primeiro teve que fechar suas estações de TV, emissoras de rádio e seus jornais…” Ele também disse que a lógica dos grandes grupos de comunicação, nos Estados Unidos e em outros países, é a mesma dos conglomerados que produzem automóveis, por exemplo. “Mais do que simples lucro, eles procuram preservar as condições que lhes permitam continuar tendo esses lucros indefinidamente”, afirmou.Disse também que a mídia norte-americana visa apenas os 20% da população que detém a maior parte da renda nacional.
“No dia 11 de setembro, o país parou. O povo ficou chocado com o ataque às torres de Nova York. A TV mostrou a emoção da população novaiorquina, dando uma face humana à tragédia”, recordou. “Porém, a mídia americana não dá o mesmo tratamento humano, não mostra a tragédia que a cada dia, há dez anos, vive o povo do Iraque, com os bombardeios da avições dos Estados Unidos”. Os donos da mídia, nos Estados Unidos, frisou, decidem o que nós devemos ver e saber, conforme seus próprios interesses financeiros e de classe”.
Mino Carta, por último, começou falando da censura nos tempos da ditadura militar brasileira, para concluir que ela continua, de outros modos. Foi objetivo: “Aqui, nossa mídia desde sempre serve o poder e é mesmo um dos rostos do poder”. Irônico, acusou os empresários da grande midia de “incompetentes, por estarem todos quebrados”. Segundo ele, quiseram copiar o esquema de jornalismo dos EUA, o país mais rico do mundo”. Agora o empresariado nacional da mídia, disse, quer a aprovação do Artigo 222, que permite a entrada do capital estrangeiro no setor, “para tapar o buraco”.O mais grave, para Mino Carta, é que “se hoje somos a mídia de uma colônia do império norte-americano, como não será quando o capital estrangeiro chegar a essa mídia?”. Criticou também a explicação de que Fernando Collor teria sido “fabricado pelos jornalistas”. “Ele foi criação dos patrões, os jornalistas puxa-sacos apenas crumpriam ordens”, recordou.
Sarcástico, despertando risadas na platéia, o editor da Carta Capital disse que os grandes jornais agora vêm inflando a candidatura de José Serra – “apresentando-o como uma mistura de Napoleão com São Francisco” – para garantir a mesma aliança conservadora que levou Fernando Henrique Cardoso à Presidência por duas vezes. Mesmo se confessando “um cético na inteligência”, Carta disse que é preciso agir com otimismo e alfinetou um setor da imprensa: “Os jornalistas deveriam ter respeito por sua própria categoria”.
Artesãos encaminham documento com propostas para o setor
Artesãos de vários estados brasileiros discutiram durante o II Fórum Social Mundial 2002, em Porto Alegre, políticas públicas para a valorização do setor artesanal. Durante três dias (1º a 3) mais de 250 profissionais ligados ao artesanato estiveram reunidos na Casa do Artesão, onde identificaram as principais necessidades do setor.
A Casa integra o Programa Gaúcho do Artesanato, coordenado pela Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS) – órgão vinculado a Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social (STCAS).
Um documento com as propostas para a construção de políticas públicas, para o setor artesanal, será entregue a Comissão Organizadora do Fórum Social Mundial, ao Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) e aos governos estaduais. Abaixo as propostas:
– A realização de um seminário internacional sobre artesanato no III Fórum Social Mundial.
– A regulamentação por parte do governo federal e governos estaduais do fazer artesanal (criação, elaboração e confecção do produto), semelhante a portaria 119, em vigor no Rio Grande do Sul, que reconhece a profissão de artesão.
– A criação de programas federais e estaduais que sirvam de apoio e fomento ao setor artesanal.