Felipe Julián é músico, produtor cultural e artista visual. Com mestrado em comunicação audiovisual e especialização em educação, realiza projetos multimidiáticos envolvendo linguagens como vídeo, música e instalação. Tem diversas turnês internacionais realizadas e quatro CDs lançados, trabalhou em diversos estúdios de São Paulo, gravou nomes importantes da música brasileira e dedica-se também à realização de trilhas sonoras para cinema, video, teatro, dança e instalação.

Foto: Will FisherNos dias 29 e 30 de abril, ele apresenta em Salvador (BA) o curso Ciclo Básico de Produção Musical, em uma parceria do Cultura e Mercado com a Benditas Projetos Culturais e o Sebrae-BA. O objetivo é instrumentalizar e desvendar tecnicamente o ambiente da produção musical, para todos aqueles que desejam tirar o melhor proveito de seus softwares e equipamentos, seja em um grande estúdio ou em sua própria casa.

Em entrevista, Julián fala sobre os mitos e achismos que rondam o ambiente dos estúdios e produtoras musicais e a necessidade de se pensar além das novas tecnologias disponíveis no mercado.

Cultura e Mercado – A revolução digital aproximou os artistas das ferramentas de produção, mas ainda vemos dificuldade entre os artistas e produtores em utilizá-las da melhor maneira. A que isso se deve?
Felipe Julián – Se é certo que a revolução digital estreitou a distância entre o artista e seu produto desde um ponto de vista industrial/mercadológico, não creio que seja possível afirmar com igual assertividade que o conhecimento e a investigação acerca do uso destas ferramentas tenha se facilitado. Não que não disponhamos de enorme fonte de informação absolutamente inédita na história da humanidade, mas é imprescindível diferenciar acesso à informação de processo de formação. Ainda que disponhamos dos meios e das informações necessárias para operar as ferramentas, o fazer artístico exige convívio humano, troca de subjetividades e metodologia de pesquisa. Creio que esse seja o motivo pelo qual muitos produtores musicais iniciantes tenham tanta dificuldade em obter uma boa sonoridade ou, se a obtêm, não conseguem diferenciar essa sua sonoridade de qualquer outra que já esteja no mercado. A assinatura sonora de um projeto é uma assinatura artística. Aí reside o valor de produtor musical.

CeM – Hoje em dia é possível tirar bom proveito de equipamentos não necessariamente de primeira linha, tendo melhor conhecimento dos softwares desenvolvidos para o mercado musical?
FJ – Certamente. Na verdade, o mercado do áudio já atingiu um certo limite de qualidade técnica, onde é realmente impossível ao ser humano distinguir a diferença entre, por exemplo, um áudio de alta definição (96kHz) de um áudio de altíssima resolução (192kHz). É o mesmo efeito que temos hoje com os monitores de alta resolução. Não adianta aumentar ainda mais a resolução deles pois nossa retina não detecta mais essa diferença. Mas, desde um ponto de vista da publicidade mercadológica, é imprescindível criar uma demanda. E nesse ponto, as dificuldades em atingir uma excelência sonora, experimentada por todo e qualquer engenheiro de som do planeta em algum momento de sua vida, acaba sendo tratada como uma brecha para a aquisição de mais e melhores equipamentos. Seria como te sugerir a comprar uma câmera com resolução 4K porque seus vídeos não são tão assistidos no YouTube. Se partirmos do princípio que, atualmente, a maioria dos computadores já trabalha com dispositivos de áudio suficientemente bons para gravar um álbum, então resta aprender a tirar o melhor proveito disso.

CeM – Na apresentação do curso você fala sobre mitos, ‘achismos’ e boatos que rondam o ambiente dos estúdios e produtoras. Quais são eles?
FJ – Existe no meio musical uma série de mitos que se proliferam viralmente antes mesmo do surgimento das redes sociais. É um fenômeno completamente apoiado no desconhecimento de causa e no anseio que o artista tem em obter sempre uma superação de qualidade. Some a isso certa desinformação proposital criada por alguns fabricantes de produtos e teremos uma horta onde proliferam os mitos mais esdrúxulos que se possa imaginar em relação ao áudio. O meu preferido é a invencível comparação entre vinil e CD. Recentemente revistas importantes no Brasil publicaram estudos recheados de erros técnicos para afirmar que o registro em vinil é muito melhor do que o registro digital que é enviado para o CD. E que o MP3 seria ainda pior. Bem… não cabe aqui desmontar essa bobagem com dados técnicos. Talvez seja mais importante revelar que por trás dessa discussão verdadeiramente inútil existem forças de mercado tentando emplacar novos padrões midiáticos como o Pono, ou ainda a industria fonográfica tentando recriar pelo vinil o seu monopólio da reprodutibilidade técnica. É sim uma discussão Walter Benjaminiana. Mas há muitos outros mitos engraçados também mais próprios dos softwares que usamos para gravar música e uma overdose de achismos dos profissionais do mercado, que sempre garantem que aquele aparelho caríssimo que ele comprou tem um som “especial” que você “nunca ouvíu”. É uma espécie de recriação do conceito da escassez agora aplicada à qualidade do áudio. E o pessoal que jura que cabos de áudio banhados a ouro “soam melhor”. Pra todas essas pessoas, uma sentença apenas: “por quê?”.

CeM – Além de aprender melhor as técnicas para produzir música, o que você considera fundamental para quem deseja ser bem-sucedido nesse meio?
FJ – Na minha opinião, “ser bem sucedido” no meio da gravação profissional só acontece e é duradouro se antes de se “bem sucedido” você se propuser a ser um artista. Digo um artista mesmo. Não apenas um bom músico. Digo alguém que se interesse por mais do que as notas. Talvez pela história delas. Talvez pela história das outras artes e não apenas a sua. Sem isso, a tendência é o sujeito se tornar um bom técnico. Mas é importante entender que a Internet e as novas tecnologias tendem a dissolver essa função em sistemas automátizados, super eficientes e quase gratuitos. Eu não investiria em ser um bom técnico hoje em dia. Investiria em ser um bom artista do som.

*Entrevista publicada originalmente em 26 de maio de 2015


Jornalista, foi diretora de conteúdo e editora do Cultura e Mercado de 2011 a 2016.

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