Em processo de aprovação, projeto pode representar avanço significativo para combater prática ilegal que domina a programação das rádios e privilegia artistas de grandes gravadoras

O jabá é um problema que há tempos vem sendo praticado pela indústria fonográfica. Consiste no pagamento de dinheiro ou na prestação de favores e serviços para que as rádios e emissoras de televisão executem as músicas de artistas que as gravadoras têm interesse em divulgar. O termo tem origem na palavra “jabaculê”, que significa propina, gorjeta, dinheiro.

O jabá pode ser praticado de maneira não oficial, quando uma emissora, um apresentador ou um radialista recebe algo para tocar determinada música. Esse “algo” pode ser dinheiro ou favores (como o oferecimento de um produto que será sorteado ou alvo de promoções na emissora) e é pago por empresários dos artistas, representantes das gravadoras ou intermediários. Já o modo “oficial” acontece quando a gravadora investe dinheiro no que chama de verba de divulgação ou promocional.

O resultado é que os artistas de grandes gravadoras são os favorecidos para terem suas músicas executadas no rádio e na tv, prejudicando, por exemplo, artistas independentes. Mesmo que estes consigam boas vendagens e lotem shows, suas gravadoras não têm verba para entrar no esquema do jabá.

A prática contraria a lei, porque não se pode negociar concessões e permissões públicas de radiodifusão, e se tornou tão comum que não é somente nas rádios comerciais que acontece. Casos de jabá vêm sendo apontados até mesmo em rádios comunitárias. O problema afeta ainda outros países.  A Warner Music Group  recentemente admitiu nos EUA que praticava o jabá e se comprometeu a não mais fazê-lo, após sofrer contínuas pressões da Procuradoria de Nova York.

Artistas e representantes de gravadoras menores há tempos protestam contra o esquema, sendo o cantor Lobão um conhecido denunciador do problema.  Em um artigo escrito para o livro “Diversidade Cultural”, ele lembra que, “com a prática do jabá, o espaço público e o privado se confundem, e a possibilidade de difusão de linguagens musicais alternativas e experimentais torna-se extremamente limitada”.

O músico e produtor Benjamim Taubkin, diretor do selo independente Núcleo Contemporâneo, entende que parte da origem do esquema se deve à concentração da grande mídia em poucas mãos e ao fato de grande parte dos meios de comunicação no Brasil estarem nas mãos de políticos que legislam em causa própria. “O que acaba acontecendo  é que  a exposição de uma obra em mídia pública – seja rádio ou televisão – é tratada como uma vitrine , pela qual se paga. “

O deputado Fernando Ferro, do PT-PE, é autor de um projeto de lei conhecido como PL1048/2003, que criminaliza o jabá. O texto prevê a detenção de um a dois anos dos responsáveis em emissoras de rádio e tv que aceitarem dinheiro ou qualquer outra vantagem de gravadoras, artistas, empresários ou promotores de eventos em troca de veiculação de música. São ainda previstas multa, suspensão ou cassação da concessão governamental.

O projeto altera o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4117/62), pois acrescenta a ele um dispositivo. Após um parecer favorável do deputado Narcio Rodrigues (PSDB-MG), o projeto foi aprovado neste mês pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara, e segue agora para a Comissão de Constituição de Justiça e de Cidadania. Se for novamente aprovado, irá para votação em plenário.

O combate ao jabá é complexo, devido às dificuldade de identificação da prática, de fiscalização e de provar o esquema. O projeto de lei não seria o único caminho para enfrentar o problema, e talvez nem consiga resultados práticos substanciais. Mas representa um passo importante no caminho para resolver a questão, pois oficializa que o jabá é uma prática criminosa e portanto sujeita a penas. No entanto, o acompanhamento da aprovação do projeto vem se dando de maneira discreta, sem maiores repercussões junto à mídia e ao setor cultural.

Campanhas públicas de esclarecimento sobre o assunto são um dos meios apontados pelos especialistas para resolver o problema, alertando a população sobre a prática e demonstrando como isso interfere na liberdade de escolha do público e limita o acesso à diversidade musical que o Brasil apresenta.

Taubkin aponta uma experiência realizada no Canadá, que premiou  com isenção de imposto as rádios que tivessem um número significativo de músicas sendo tocadas na sua programação( ele lembra que um dos maiores problemas do jabá é que a grade de programação de um grande número de estações tem um número bastante limitado e pequeno de canções). A isenção aumentava se esse número de músicas fosse composto pela produção independente.
”Acredito que campanhas públicas como rádio limpa seriam interessantes”.

O problema não interessa apenas ao setores e profissionais diretamente envolvidos, pois diz respeito a questões que são do interesse de todos: a democratização da comunicação e a liberdade de expressão. A atenção devida ao problema e a pressão da sociedade civil pela aprovação do projeto de lei podem representar um grande avanço para que no futuro o jabá não seja mais praticado.

Leia o texto do projeto de lei:

Acrescenta dispositivo à Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, que “Institui o Código Brasileiro de Telecomunicações”.

O Congresso Nacional decreta: Art. 1º — Esta lei visa proibir as pessoas jurídicas autorizadas, concessionárias ou permissionárias de serviços de radiodifusão e televisão, de receber dinheiro, ou qualquer outra vantagem, direta ou indireta, de gravadora, artista ou seu empresário, promotor de concertos, ou afins, para executar ou privilegiar a execução de determinada música.

Art. 2º — A Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 53A: “Art. 53A. Constitui crime, punível com a pena de detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, sem prejuízo das sanções de multa, suspensão ou cassação, previstas nesta lei, receber, na qualidade de proprietário, gerente, responsável, radialista ou apresentador de pessoa jurídica autorizada, concessionária ou permissionária de serviço de radiodifusão, dinheiro, ou qualquer outra vantagem, direta ou indireta, de gravadora, artista ou seu empresário, promotor de concertos, ou afins, para executar ou privilegiar a execução de determinada música”.

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

André Fonseca


editor

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