Os equipamentos culturais já nascem isolados do público ao qual se destinam. O desafio é estabelecer o diálogo com a sociedade
Após a solenidade de entrega do novo equipamento cultural, é chegada a hora de sua apropriação pela comunidade. E aí a porca torce o rabo, pois a idéia da construção não raras vezes teve origem em um conceito de política cultural superado, imediatista e impositivo. O equipamento já nasceu isolado de seu principal suporte: as pessoas.
Partindo do princípio de que sua principal função é democratizar o acesso a manifestações culturais, deveria ser um local onde as pessoas estivessem expostas a opções de criação, produção e apreciação artística, e também onde quisessem e pudessem se encontrar, trocar idéias, experiências, ler o jornal do dia ou simplesmente ver o tempo passar. Todavia, suas regras de uso e suas instalações precárias e improvisadas raramente favorecem a convivência, e as propostas mais freqüentes tendem à imposição de ações descontextualizadas, à reprodução de trivialidades, não sendo difícil presenciar um amontoado de projetos que se esvaem da mesma forma com que surgem.
Dessa forma, equipamentos que teoricamente foram construídos para o uso, tornam-se cada vez mais vazios. Por não haver recursos, por não haver aproximação, por não haver tempo dedicado à reflexão e à elaboração de ações estratégicas. Por não haver gestão nem diretrizes básicas. Equipamentos que por vezes oferecem ótimos programas, densos, mas incompreensíveis e distantes do cotidiano das pessoas comuns; outras vezes previsíveis e repetitivos.
Estes equipamentos vivem a síndrome dos sem público. E quando o público não se aproxima ou se afasta, algo errado acontece: falta atratividade, falta comunicação, talvez faltem respostas. Possibilidades geradas a partir do desconhecimento do entorno.
Precisamos olhar, ouvir, compreender, absorver, compartilhar o poder de decisão. Criar um campo de conflitos e tensões, mas também de pactos que somem esforços necessários ao alcance de objetivos comuns, que acredito irem além da passividade. Na prática, uma opção complexa, mas não impossível.
Muitos gestores são contra diagnósticos e planejamento porque crêem que a dinâmica da área cultural não permite a utilização destas ferramentas, confundindo gestão com criação artística. Gestores não são criadores artísticos, mas criadores de condições para que a produção circule, para que a criatividade flua, para que a população tenha acesso à criação e produção e que isso colabore com sua capacidade crítica e conseqüente exercício da cidadania. E para isso, haja observação, reflexão, planejamento e avaliação, mas principalmente a proximidade das pessoas, da cidade, do mundo.
Ao Estado cabe o dever de fomentar a criatividade local, favorecendo a diversidade, possibilitando oportunidades e respeitando as escolhas da sociedade. De nada adianta o belo se não trouxer sentido para a vida da comunidade onde foi inserido. É como uma obra de arte pública que não emociona, não responde, não provoca. Acaba se transformando em estorvo ou em suporte para cartazes de emprego, que no atual contexto oferecem ao menos uma esperança.
(Às vezes tenho a sensação de que as políticas culturais caminham para traz. Observo experiências valiosas tratadas como se não tivessem existido; conteúdos locais são desprezados por um conceito de cultura que reflete nada mais do que um sentimento provinciano que já não deveria ter mais lugar)
Em tempos de políticas culturais que se reproduzem, bom seria se todas as esferas de governo reproduzissem conceitos a exemplo dos Pontos de Cultura, fortalecendo o que já existe a partir de processos culturais legítimos.
Mais do que a proliferação de equipamentos, o desafio que está em jogo é o diálogo (nos equipamentos existentes e fora deles). Este é o caminho para a construção de uma política cultural cidadã. E o efetivo diálogo começa com a participação da sociedade desde o planejamento das ações, que pode ser exercitada a partir de um piloto em algum equipamento cultural já existente. Participação que dispensa fichas de inscrição acompanhadas por extensa documentação, que dispensa diplomas de participação e solenidades de posse (que mais se aproximam de festas pré-escolares), mas que não se limita ao momento da contemplação ou conforme interesses político-partidários.
A construção conjunta promove sentido de pertencimento, eleva a auto-estima e favorece a aproximação e a convivência. Provoca inquietações. Oferece respostas. Constrói possibilidades de desenvolvimento.
Será tão difícil menos monotonia e mais ousadia? Menos imposição e mais conversa?
Simone Zarate